Lucielly Melo
O conselheiro Luciano Nunes, do Conselho Nacional do Ministério Público, defendeu a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em desfavor da procuradora de Justiça, Ana Cristina Bardusco, e do promotor de Justiça, Ezequiel Borges, ambos membros do MP de Mato Grosso, por suposto desvio funcional no âmbito das investigações da Operação Rota Final.
O assunto foi alvo de discussão durante a sessão ordinária do último dia 11, quando os membros do CNMP começaram a julgar um recurso interno movido pelo empresário Eder Augusto Pinheiro, para que os integrantes do MPE passem a ser alvos de apuração administrativa. Até o momento, apenas a conselheira Sandra Krueger votou conforme o relator.
O julgamento acabou sendo suspenso, após o pedido de vista do corregedor nacional Rinaldo Reis.
Suposta “perseguição”
Alvo da Operação Rota Final, que apurou um possível esquema para fraudar o processo licitatório para a concessão do serviço rodoviário intermunicipal de passageiros, o empresário Eder Augusto Pinheiro recorreu no CNMP após o corregedor nacional arquivar a reclamação disciplinar movida por ele contra Bardusco e Borges.
Eder reclamou que houve grande exploração midiática da prisão dele durante a operação, em 2018, além do vazamento de informações sigilosas do inquérito relacionado aos fatos. Ele ainda alegou que os membros do MPE teriam atuado de forma parcial e com abuso processual durante a investigação.
Após analisar o caso, o relator viu que há indícios de que Ana Cristina Bardusco e Ezequiel Borges agiram com excessos, que devem ser apurados.
Ele citou que, na época dos fatos, Bardusco e Borges atuavam, respectivamente, na 14ª Promotoria de Justiça Criminal e 6ª Promotoria Cível de Cuiabá, e passaram a deflagrar diversos procedimentos extrajudiciais relacionados ao mercado do serviço público de transporte, o que levam a crer que atuaram de forma ofensiva à isonomia, à impessoalidade e à imparcialidade.
Além de entender que a Corregedoria Nacional do MP não analisou melhor o caso antes de proferir a decisão pelo arquivamento da reclamação disciplinar, o relator afirmou que a Corregedoria-Geral do MPE também não esclareceu as razões que não a levou a instaurar uma investigação contra seus próprios integrantes.
Ao longo de seu voto, o relator chamou a atenção que, mesmo após mais três anos, não houve sequer o ajuizamento de uma ação penal em decorrência da Operação Rota Final.
Não pode o Ministério Público converter suas competências constitucionais em instrumento de perseguição pessoal, sob pena de quebra do princípio da impessoalidade e de transformar o processo em meio de perseguição
“Em primeiro lugar, identifica-se a ausência de formulação de denúncia e respectiva conclusão da Operação Rota Final, considerando uma notável operação criminal que foi registrada naquele estado e que até hoje não há registro de denúncia ajuizada, não obstante a adoção de medidas cautelares, tais como expedição de mandados de prisão e de busca e apreensão e também a existência em tese de elementos suficientes para o ajuizamento de denúncia”.
A demora para a conclusão das investigações foi justificada por Bardusco, que citou a complexidade do caso e o número dos envolvidos, bem como a dificuldade da coleta de informações. Os argumentos não convenceram o relator.
“Data vênia não se mostra suficiente justificativa para se afastar a responsabilidade disciplinar pelo referido fato que, em tese, configura, inobservância do dever funcional de desempenhar com zelo e presteza suas funções. Estou a falar de uma investigação que se perdura há mais de três anos, e até o presente momento não há o registro de ajuizamento da ação penal”, criticou Luciano Nunes.
Outro fato destacado pelo conselheiro diz respeito à atuação massiva por parte de Ezequiel Borges, que teria atuado em diversos procedimentos judiciais sobre a operação, mesmo fora de suas atribuições.
O relator citou, como exemplo, um mandado de segurança que tramitou no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), em que o promotor usou de excesso de linguagem e de forma parcial, atribuindo ação “malévola” a agentes privados.
“Salta os olhos, ainda a atuação no mandado de segurança cível, em desfavor de ato de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Excesso de linguagem e de forma pessoal e parcial, em violação a boa-fé processual, imputou atuação malévola a agentes privados que, segundo ele, dominam a exploração do serviço precário que atuam sem possuir interesse algum sem perder o privilégio. Na ocasião, o doutor Ezequiel Borges atribuiu o fracasso da licitação à empresa Verdes Transportes. Não bastasse isso, o mandado de segurança teve o pedido liminar indeferido, sob o argumento que nada obsta que o TCE admita o processamento e verificação de supostas irregularidades em processos licitatórios regidos pela Secretaria de Estado de Infraestrutura. Na sequência, o promotor formulou pedido de desistência do mandado de segurança”, disse o conselheiro.
“Não pode o Ministério Público converter suas competências constitucionais em instrumento de perseguição pessoal, sob pena de quebra do princípio da impessoalidade e de transformar o processo em meio de perseguição. O dever de zelo pelo prestígio da Justiça impõe a obrigação positiva no sentido de que sejam observadas as regras de divisão de atribuições dos agentes ministeriais, de sorte a evitar que o mesmo membro atue em várias instâncias e em vários juízos, em quebra de impessoalidade, imparcialidade e, em último caso, o princípio de promotor natural, um dos mais caros à sociedade. Além disso, a ética processual, obrigação e toda parte de em qualquer o processo, relaciona diretamente no dever de zelar pela dignidade da justiça e pela dignidade das funções ministeriais e também de tratar com humanidade nas manifestações processuais, de maneira cortês”, advertiu o relator.
Risco de prescrição
Ao final, o relator votou pela procedência do recurso interno e ainda alertou os colegas que o caso pode prescrever em breve, impedindo a imposição de sanções aos acusados, em caso de constatada a conduta indevida.
A prática imputada à procuradora e ao promotor podem ensejar na aplicação de pena de advertência, censura ou suspensão não remunerada.
Voto-vista
Rinaldo Reis, corregedor nacional, admitiu que, de fato, não foi analisado com exaustão a reclamação disciplinar e que baseou apenas na decisão e informações obtidas pela Corregedoria do MPE.
Por conta disso, pediu vista para melhor verificar os autos e proferir seu posicionamento na próxima sessão.
Exceto Sandra Krueger, que acompanhou o relator, os demais conselheiros aguardam o voto-vista para darem opinião sobre os fatos.
Operação Rota Final 3
O empresário Eder Augusto Pinheiro foi alvo novamente da operação, que teve sua terceira fase deflagrada nesta sexta-feira (14), quatro dias após a sessão do CNMP sobre o recurso.
Um mandado de prisão foi decretado contra ele, porém, não foi cumprido, já que o empresário não se encontra em Cuiabá. Ele se pronunciou que, assim que chegar de viagem, vai se apresentar à Polícia.
Além de Eder, também foram alvos o deputado estadual Dilmar Dal Bosco, o ex-parlamentar Pedro Satélite, uma asessora parlamentar e o representante do Sindicato dos Empresários do Setor de Transporte Intermunicipal de Passageiros (Setromat).
Assista abaixo o julgamento (a partir de 2h:20)