Lucielly Melo
Aumentar a pena dos agressores de mulheres não é a solução para combater os casos de violência. É o que pensa o juiz Jamilson Haddad, que conduz a 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica de Cuiabá.
Em entrevista ao Ponto na Curva, o magistrado acredita que métodos modernos, como a Justiça Restaurativa, as mediações e o Direito Sistêmico, são meios eficazes que podem inibir a violência e diminuir a reincidência.
“Defendo muito a Justiça Restaurativa, restaurar o ser humano, reparar o dano da vítima, dar fala para os dois numa mediação penal é uma melhor ferramenta, pois a população carcerária já demonstra que não é a melhor solução”, frisou Haddad.
Outro fator que pode mudar o atual cenário – que aponta 21 casos de feminicídio registrados neste primeiro semestre – é a mudança cultural, que atualmente predomina a do machismo.
“Essa mudança de cultura vai reduzir os números de violência doméstica. Com essa compreensão da sociedade, esse novo patamar de vivência não teríamos esse número absurdo de violência contra as mulheres, porque haveria uma compreensão de igualdade aos seres humanos e não haveria tantas disputas e violências por questões que podem ser dialogadas e compreendidas em casa de forma muito menos traumática e dolorosa especialmente através desses crimes”.
O juiz ainda falou sobre a tramitação das medidas protetivas pelo PJe e a concessão delas pelas autoridades policiais.
VEJA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:
Ponto na Curva: Inicialmente, gostaria que o senhor fizesse um histórico de sua atuação profissional?
Jamilson Haddad: Sou juiz no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tomei posse em fevereiro de 1999. Minha primeira comarca foi Água Boa, depois Peixoto de Azevedo, Barra do Garças, Paranatinga, Juína, São Felix do Araguaia, Poxoréu, Tangará da Serra e Cuiabá. Cada lugar tem uma peculiaridade, na verdade é uma gratidão por todo aprendizado de cada região que passei. Aprendi muito, os viveres são característicos de outros estados, muita gente que veio de fora. As pessoas são bem acolhedoras às boas propostas, as pessoas estão sempre aptas a participarem das questões que são importantes, basta que elas sejam estimuladas. Hoje, o Judiciário tem participado cada vez mais, está mais aberto para conhecer, se fazer presente na sociedade, permitindo que a sociedade faça presente também na estrutura do Poder Judiciário, conhecendo o funcionamento e organização. Inclusive tem o “Judiciário Vai à Escola”, é um projeto social de aproximação com a comunidade. E hoje estou, desde 2012, como juiz da Vara de Violência contra a Mulher, ou seja, há mais de 20 anos na magistratura de Mato Grosso.
Ponto na Curva: Quantos processos tramitam atualmente na 1ª Vara Especializada da Violência Doméstica? A maioria está relacionada à que crime?
Jamilson Haddad: Em torno de cinco mil e pouco processos. A maioria está relacionada aos crimes de ameaça e lesão corporal. Temos uma preocupação, porque o Brasil é o quinto país mais violento do mundo. Temos observado uma preocupação de todos os agentes públicos e de diversas unidades da Federação com relação à esse número elevado. Tem sido objeto de preocupação em relação às políticas públicas, medidas alternativas para que diminua, seja coibido grande parte dessa violência assustadora e preocupante que estamos vivenciando no Brasil.
Ponto na Curva: Os casos de feminicídio também tramitam nas Varas de Violência Doméstica e vão até o pronunciamento para o Tribunal do Júri?
Jamilson Haddad: Isso. Tem-se a ciência do fato, depois o delegado colhe os elementos, vai para o Ministério Público, que faz a denúncia, vai ter um processo-crime e esse processo vai até a fase de pronúncia. Se tiver elementos suficientes de autoria e materialidade, ele será pronunciado para ser julgado pelo Tribunal do Júri. Até a pronúncia, o processo fica na Vara da Violência Doméstica.
Ponto na Curva: Em Cuiabá e em Várzea Grande as varas são especializadas, o senhor acredita que isso ajuda no combate à violência doméstica?
A questão de gênero envolve ódio, a cultura machista, envolve uma postura como se o homem fosse superior, fosse dono da mulher. Então a ameaça vem muito carregada com fortes emoções que podem vir gerar tragédias
Jamilson Haddad: Acho imprescindível, Mato Grosso está de parabéns, tem sido referência na aplicação da Lei Maria da Penha – que tem competência mista, é híbrida, tanto afeta a matéria criminal, tanto a matéria cível. Os juízes da Vara da Violência Doméstica são especializados e conseguem compreender com mais profundidade a questão de gênero, porque uma ameaça entre vizinhos, uma ameaça que não envolva a questão de gênero, ela é muito diferente de uma ameaça que seja objeto da Lei Maria da Penha. A questão de gênero envolve ódio, a cultura machista, envolve uma postura como se o homem fosse superior, fosse dono da mulher. Então a ameaça vem muito carregada com fortes emoções que podem vir gerar tragédias. Ela tem potencialidade muito maior quando relacionada à questão de gênero. Por isso que essa competência mista é fundamental, pois o juiz da Violência Doméstica atende não só os processos criminais, mas os cíveis. Por exemplo, as partes estão discutindo alimentos, dissolução de união estável, partilha de bens, relacionamento de filhos... O juiz tem mais compreensão dessa animosidade, de quão difícil é para as partes, porque tem a questão patrimonial. É muito melhor que essas questões que envolvam a violência doméstica tramitem em varas especializada para as questões de gêneros. Tem tribunais que essas questões são praticamente criminais, cautelarmente dá o afastamento do agressor, provisoriamente a questão alimentícia, mas as questões cíveis são geradas e resolvidas nas Varas de Família ou em outras varas de feitos gerais. Aqui em Cuiabá, Mato Grosso, nós temos varas especializadas. Em Cuiabá e Várzea Grande, quando tem as medidas protetivas, as questões cíveis também são afetadas pelas Varas de Violência Doméstica.
Ponto na Curva: A tramitação das medidas protetivas via Processo Judicial Eletrônico (PJe) deu celeridade e tem contribuído na redução de crimes e até mesmo morte?
Jamilson Haddad: As medidas protetivas tramitando no PJe é praticamente uma efetivação do caráter, não só de coibição, mas de prevenção da Lei 11.340/2006, conhecia como Lei Maria da Penha. As medidas protetivas visam uma proteção, uma medida por parte do Estado urgentemente. A vítima, chegando na delegacia, o delegado já manda online para o gabinete do juiz e o juiz para a delegacia, então é instantâneo, questão de minutos ou horas, no mesmo dia essas medidas são apreciadas. Na hora que o agressor recebe uma intimação para afastamento, de não aproximação, isso gera uma questão emocional muito grande nele e evita-se muitas tragédias. É uma proteção rápida que a vítima tem hoje funcionando eletronicamente entre a delegacia e o juiz para proteger essas mulheres da violência doméstica.
Ponto na Curva: O senhor tem uma atuação diferenciada e utiliza técnicas da constelação familiar e da Justiça Restaurativa para tratar famílias adoecidas pela violência. Como isso funciona na prática e tem dado resultado?
Jamilson Haddad: Esse caminhar do ordenamento jurídico, das instituições no estabelecimento da dignidade da pessoa humana, fez com que o Poder Judiciário e outras instituições caminhassem nessa efetivação da igualdade, inclusive pela prestação jurisdicional que traga de fato uma busca mais próxima, mais efetiva da sua missão principal, que a pacificação humana, a paz social. A lei busca a pacificação social. Então o Judiciário caminhou fortemente com relação ao novo Código de Processo Civil sobre a obrigatoriedade das audiências de conciliação, estabelecendo os núcleos de resolução de conflitos, através da mediação com capacitação imensa de funcionários, magistrados nessa temática. Temos a Resolução nº 225 de 2016, que traz a Justiça Restaurativa. Mato Grosso tem se destacado na implementação de uma política judiciária social, de busca da pacificação social através de métodos atuais, modernos, que pacificam muito mais as relações. Por exemplo, ampliando os Centros Judiciários de Resolução de Conflitos, tanto na primeira instância, como no tribunal, com mediadores, conciliadores, funcionários qualificados; temos o núcleo de Justiça Restaurativa, que traz aspectos importantes, como os círculos de paz, onde pode trazer uma fala muito harmoniosa e que diminui muita a conflitualidade nas escolas, que são os círculos de paz no âmbito educacional, na parte administrativa, nos processos, que permite que as pessoas falem, botem pra fora toda a sua dor, ausência, incapacidade de fala, de diálogo com a outra pessoa no relacionamento e isso permite uma saúde emocional e uma possibilidade de que as pessoas retornem o diálogo mínimo, porque elas não conseguem dialogar, os conflitos vêm parar no Judiciário, os processos ficam muito tempo e isso gera custos e sofrimentos para as partes. Tudo isso demonstrou que as conciliações e mediações são muito mais efetivadas, mais rápidas e tendem a acalmar. As pessoas participam da resolução de seus conflitos.
A mediação penal traz a vítima como personagem principal desse conflito, ela ajuda a construir a sentença. O transgressor também faz parte como personagem nessa sentença penal e com outros atores que ajudam a encontrar soluções, em especial com o pagamento do prejuízo que a vítima sofreu, a reparação do dano da vítima, que hoje isso quase não existe. É uma tremenda revolução na prestação jurisdicional. Temos também as oficinas de pai e filhos, que é extraordinária para tratar os rompimentos das relações. Hoje caminhamos com as constelações familiares, com o Direito Sistêmico. Aqui na 1ª Vara, faço exercícios sistêmicos com a facilitadora junto com as mulheres vítimas e os agressores. O ordenamento jurídico permite esses métodos modernos, dentre eles o Direito Sistêmico. A tabela SUS traz, dentro da saúde integrativa, as constelações familiares, de tamanha a sua forma de reequilibrar as pessoas, de encontrar soluções e tentar compreender, por que elas estão naquele emaranhado, possibilitando que a parte compreenda para que ela ganhe força para reestruturar a relação ou romper com essa relação doentia. Geralmente quando a mulher está sofrendo essa violência, ela fica com a autoestima lá em baixo, depressiva. As constelações ajudam a enxergar a desestrutura. Os agressores também compreenderem onde estão errados, como funcionam essas ordens sistêmicas.
Temos principais ordens sistêmicas nesse ordenamento jurídico: ordem do pertencimento, ordem da hierarquia e ordem do equilíbrio entre dar e receber. O pertencimento todos nós temos direito, como de pertencer a uma essa família, a uma empresa, pertencer à esse sistema. Quando há uma exclusão, esse sistema vai fazer com que essa situação vem à tona seus filhos, seus netos, e alguém da família, uma desestrutura. A ordem da hierarquia é que quem vem primeiro merece respeito. Devemos reverência, respeito e gratidão aos nossos pais. Nada que os filhos façam estará à altura do que pagar o que receberam, que foi a vida dos pais. Honrar pai e mãe, gratidão para com os pais geram uma harmonização. Equilíbrio de entre dar e receber nas relações: só a mulher fazendo, ela vai se sentir infeliz e vai desequilibrar a relação. Ela tem que fazer, mas o homem também, um tem que cooperar com o outro. Esses princípios guardam correlação com o princípio da dignidade da pessoa humana, onde há essa harmonia e cada um ocupando o seu lugar de uma maneira muito respeitosa, de modo a gerar um equilíbrio. O Judiciário tem se aperfeiçoado muito através do instituto da conciliação, das mediações, da Justiça Restaurativa e do Direito Sistêmico, como métodos extremamente modernos e eficientes que trazem um vislumbramento real dessa pacificação social.
Ponto na Curva: É possível dar encerramento desses processos que envolvam a violência doméstica com a aplicação desses métodos, como a mediação e conciliação?
Jamilson Haddad: Se os processos forem encaminhados para a Justiça Restaurativa, para as mediações lá são construídas a sentença, que é dialogal, onde a vítima e agressor constroem a sentença – reparação do dano em relação à pena. Como vai ser feito isso? Eles constroem a sentença, não é igual a esse processo tradicional. Costumo dizer se perguntarmos para a sociedade o que ela prefere, um réu transgressor que saia do sistema tradicional onde ele é visto como inimigo do Estado, que saia sem essa compreensão do porque ele está inserido nessa violência sem conhecer essa desestrutura dele, ele vai sair do sistema penitenciário com salvas pouquíssima exceções ele vai voltar a delinquir, então a pessoa vítima pode reencontrar com ele pelas calçadas da rua, seus filhos. Costumo dizer se elas conhecessem esses métodos que buscam a pacificação social, com certeza a sociedade cobraria das instituições, dos representantes do Congresso que implementem cada vez mais a Justiça Restaurativa, os métodos modernos, porque é muito melhor ele sair de lá compreendendo a desestrutura e reequilibrando com uma nova vida do que voltar a delinquir e fazer novamente essa pessoa como vítima.
Ponto na Curva: Em que pese o trabalho maciço, os números de violência contra mulher ainda assustam? O senhor acha que está ligado à quê? Questão cultural?
O Direito Sistêmico e a Justiça Restaurativa são mudanças que ampliam a efetividade da Lei Maria da Penha. São métodos modernos que não tem na lei, mas que estão sendo usados e que estão ganhando cada vez mais espaços, estão buscando estrutura para que sejam encontrados mecanismos que sejam eficientes para diminuir essa incidência da cultura machista e trazer a população a reflexão de igualdade entre homens e mulheres para que não haja essa violência tão grande
Jamilson Haddad: O que é cultura? Cultura são práticas de atos reiterados ao longo do tempo por uma determinada sociedade. Significa que temos uma base de fundamento o patriarcalismo, a cultura machista como sendo o homem de maior valor. Essa cultura está arraigada tanto em homens como em mulheres também, essa repetição de comportamento de vem de geração para geração, evidentemente que essa mudança não é do dia para o outro. O homem tem dificuldade de compreender pois está arraigado na sua estrutura de personalidade, inclusive essa cultura machista. Para que hajam mudanças, tem que acompanhar uma transformação social, os representantes dos Poderes que regulam a vida da sociedade têm que implementar cada vez mais uma política de dignidade da pessoa humana para que as pessoas entendem que o homem e a mulher são seres humanos e merecem igualdade e respeito, só assim, através de uma nova vivência, de um novo olhar de políticas públicas de efetivação da dignidade da pessoa humana é que sairemos dessa cultura machista para uma cultura social, de dignidade entre os seres humanos. Isso demanda tempo, demanda um esforço muito grande... Vivemos hoje um neoconstitucionalismo, onde a dignidade da pessoa humana entre homens e mulheres é a norma de vivência para toda a sociedade. Temos que buscar essa compreensão e saímos do extremo, de uma cultura patriarcal para uma cultura de dignidade da pessoa humana entre homens e mulheres. Estamos caminhando de maneira correta e consciente que precisamos estabelecer passos mais largos, pois a violência ainda é muito grande. Tem o consumo de bebidas alcoólicas e de substâncias de entorpecentes e dentro disso gera uma animosidade e do nada a pessoa agride porque acha ele acha que dono da outra que tem que agredir, pois ele foi criado nesse sistema destrutivo de violência. Se tem uma população depressiva, segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão tem sido a doença de saúde pública número 1 no mundo. Tem pessoas com endividamento grande na família. Todas essas questões – de desemprego e de endividamento – são termômetros que dificultam o relacionamento através do diálogo e vai tudo isso parar no Judiciário. O Judiciário de Mato Grosso tem buscado de maneira bastante exemplar essa proteção, esse combate à violência doméstica. Temos as medidas protetivas, temos uma central que acompanha todos os processos de feminicídio instantaneamente, se está atrasado ou não, temos uma campanha de estabelecer reuniões, palestras públicas, participações nos bairros, nos presídios e nas universidades falando como essa cultura machista e como é maléfica para tudo, para os homens, mulheres, crianças, para todos os seres humanos. Temos uma assembleia pública, uma comissão que a desembargadora Maria Erotides está presidindo e tem membros da Assembleia Legislativa e outras instituições que participam do combate à violência, na busca da efetividade de direitos entre homens e mulheres. Mato Grosso está caminhando a passos largos para essa efetivação da vontade constitucional, porque os números ainda são alarmantes e ainda vivemos essa cultura machista na nossa sociedade.
Essa mudança de cultura vai reduzir os números de violência doméstica, essa compreensão da sociedade, esse novo patamar de vivência não teríamos esse número absurdo de violência contra as mulheres, porque haveria uma compreensão de igualdade aos seres humanos e não haveria tantas disputas e violências por questões que podem ser dialogadas e compreendidas em casa de forma muito menos traumática e dolorosa, especialmente através desses crimes.
Ponto na Curva: Neste mês de agosto, a Lei Maria da Penha completa 13 anos. Há motivos para se comemorar? Como o senhor vê a lei? Houve avanços? Precisa de mudanças?
Jamilson Haddad: Acho que há muitos, mas muitos motivos para se comemorar. Primeiro, porque a lei é considerada a terceira maior legislação do mundo. Segundo, porque as mulheres podem comparecer diretamente no Judiciário, tem delegacias atendendo mulheres com medidas protetivas definidas pelos juízes muito rapidamente. A Lei Maria da Penha é a legislação mais conhecida no Brasil. O homem sabe que se bater pode inclusive ir preso, pois a lei é rigorosa e é rápido o caráter protetivo às mulheres. Tem palestras de dignidade em relação aos filhos, de como essa violência afeta eles. A Lei Maria da Penha traz essa necessidade de políticas públicas para efetivação de igualdade entre homens e mulheres. É uma ferramenta extraordinária! Imagina sem a Lei Maria da Penha? Se temos esses números alarmantes, imagina sem essa lei? Então temos muitos motivos sim para comemorar. É uma lei que veio, pegou e está cada vez sendo mais trabalhada. Os modelos de constelações e a Justiça Restaurativa aprimoram a lei. O Direito Sistêmico e a Justiça Restaurativa são mudanças que ampliam a efetividade da Lei Maria da Penha. São métodos modernos que não tem na lei, mas que estão sendo usados e que estão ganhando cada vez mais espaços, estão buscando estrutura para que sejam encontrados mecanismos que sejam eficientes para diminuir essa incidência da cultura machista e trazer a população a reflexão de igualdade entre homens e mulheres para que não haja essa violência tão grande.
Temos a quarta maior população carcerária do mundo. E mesmo com isso, a sociedade não se sente protegida, nem dentro de casa e nem fora. Isso significa que mandar para cadeia nem sempre é a solução
Ponto na Curva: Considera as penas brandas? Aumentá-las seria uma forma de inibir o crime?
Jamilson Haddad: Temos a quarta maior população carcerária do mundo. E mesmo com isso, a sociedade não se sente protegida, nem dentro de casa e nem fora. Isso significa que mandar para cadeia nem sempre é a solução. Por isso, defendo muito a Justiça Restaurativa, restaurar o ser humano, reparar o dano da vítima, dar fala para os dois numa mediação penal é uma melhor ferramenta, pois a população carcerária já demonstra que não é a melhor solução. Temos uma legislação bastante efetiva. Acho que a solução não é uma pena maior. Já temos o feminicídio, que é o homicídio qualificado, a pena é alta, então o que mais dará resultado é a efetivação da norma da dignidade da pessoa humana para que se entenda culturalmente como práticas de vivência na sociedade, com uma nova cultura, que há necessidade de compreensão que o homem e a mulher merecem respeito e igualdade, que ele não é superior que ela e que nada justifica a violência entre eles, assim teremos uma sociedade com menos violência.
Ponto na Curva: Recentemente foi sancionada uma lei que autoriza autoridades policiais a concederem medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica. Como o senhor vê essa norma?
Jamilson Haddad: Defendo o princípio da jurisdição, da inafastabilidade da jurisdição. Acho que tem que caminhar numa demanda de restruturação das delegacias, das forças policiais, de uma implementação do PJe entre as delegacias e o Judiciário. A priori, entendo que essas medidas devem ser analisadas somente pelo Judiciário, mas parabenizo toda a força policial pela busca de melhorias e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. Aqui em Mato Grosso, estamos fazendo um trabalho de muita harmonia e parceria entre o Judiciário e a Polícia Civil e Polícia Militar. Isso tem dado um efeito positivo, inclusive com a Patrulha Maria da Penha.
Ponto na Curva: Sabemos que a norma é alvo de uma ação da AMB no STF, acredita que será derrubada?
Jamilson Haddad: Não posso manifestar sobre algo que está em objeto de decisão. Está tendo um questionamento lá, compreendo que deveria só ser pelo Judiciário, pelo princípio da reserva da jurisdição e respeito o que for decidido. Se o Congresso e o Supremo decidirem que pode sim os delegados deferir as medidas protetoras e o Judiciário avalizar as medidas, nós cumpriremos com toda a alegria e satisfação. Se entender que é pelo princípio da jurisdição, que é somente pelo Poder Judiciário, continuaremos trabalhando cada vez melhor, como temos feito com as instituições.