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Entrevista da Semana Segunda-feira, 29 de Abril de 2019, 08:26 - A | A

29 de Abril de 2019, 08h:26 - A | A

Entrevista da Semana / EM BUSCA DE NOVA FAMÍLIA

MT possui hoje 64 crianças e adolescentes aptos a adoção; secretária da Ceja explica como adotar desde a habilitação do pretendente

Por outro lado, tramitam na Justiça 347 processos de adoção e 916 de destituição do poder familiar

Lucielly Melo



Mato Grosso possui hoje 64 crianças e adolescentes aptos a adoção e 951 pretendentes habilitados.

Por outro lado, tramitam na Justiça 347 processos de adoção e 916 de destituição do poder familiar.

Para falar sobre o assunto, a Entrevista da Semana é com a secretária-geral da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), Elaine Zorgetti Pereira. Ela explica como funciona o processo de adoção em todo o Estado, desde a habilitação do pretendente até o pós adoção.

Além disso, Elaine Zorgetti falou sobre os projetos desenvolvidos pela Ceja, como o Adotar é Legal, Padrinhos e Entrega Legal.

Recentemente a Ceja lançou o “Busca Ativa: Uma Família para Amar”. A ferramenta divulga virtualmente informações sobre crianças e adolescentes com características físicas individuais e específicas, como idade, raça, sexo e problemas de saúde, que se encontram disponíveis/acolhidas para adoção em Mato Grosso.

Essas crianças e adolescentes, cujos pais biológicos tiveram decretada a perda do poder familiar, por sentença transitada em julgado, não possuem candidatos/pretendentes à adoção.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Ponto na Curva: Inicialmente, gostaria que fizesse uma explanação de como se dá o processo para adoção em Mato Grosso?

Elaine Zorgetti: Primeira coisa é a pessoa se interessar em adotar uma criança ou adolescente. A partir do momento que é tomada essa decisão, ela deve ingressar com um pedido de habilitação a adoção junto à Vara da Infância e da Juventude, na comarca onde ela reside. Na fase de habilitação, deve se apresentar todos os documentos pessoais, comprovante de residência, comprovante de renda, enfim, todos os documentos exigidos no artigo 197 do ECA, bem como certidão de antecedentes cível e criminal. Essa pessoa vai participar de um curso preparatório para pretendente à adoção. Além disso, deve preencher uma ficha com todas as características do perfil da criança ou do adolescente desejado. Com toda a documentação e ficha preenchida, ela vai lá e protocola na Vara da Infância e da Juventude. Esse procedimento vira um processo chamado “pedido de habilitação a adoção”. Em seguida, o juiz determina que a equipe técnica, composta por assistente social e psicóloga, faça uma avaliação com esse casal ou essa pessoa, porque qualquer um pode ingressar com pedido de adoção. Pode ser solteira, casal homossexual, formados por dois homens, por duas mulheres, independente de classe, de cor, podem ingressar com pedido de adoção, desde que tenham condições mínimas financeiras e psicológicas, principalmente, para adotar uma criança. A equipe técnica faz a avaliação e apresenta para o juiz um relatório psicossocial e depois esse casal ou pessoa tem que anexar o certificado que participou do curso preparatório para pretendente à adoção, o Ministério Público vai dar o parecer e então vai para o juiz dar a sentença para a habilitação. Se for deferida, será inserido no cadastro de pretendentes habilitados à adoção, tanto local, estadual e nacional, ele fica inserido no Cadastro Nacional de Adoção. Ele vai aguardar a acriança ou adolescente conforme o perfil desejado.

 
 

Ponto na Curva: Qual o número de pretendentes habilitados e crianças aptas à adoção hoje em Mato Grosso?

Elaine Zorgetti: Atualmente, temos 951 pretendente habilitados em todo o Estado e mais na metade buscam criança com menos de 4 anos de idade e de cor branca. Já crianças e adolescentes temos apenas 64 aptas. Temos muitos pretendentes, mas a maioria quer criança com faixa etária de até três anos de idade. Com isso, demora muito a espera. Muitos pretendentes ingressam com pedido de adoção e ficam frustrados com a demora, que se dá por causa do perfil, já que hoje não temos tantas crianças pequenas para adoção. Geralmente são maiores de três anos que não encaixam no perfil do pretendente, por isso essa demora, não é no processo de habilitação, mas na espera da chegada do seu filho.

Ponto na Curva: Como se dá o processo para declarar que a criança ou o adolescente estão aptos à adoção?

Elaine Zorgetti: As crianças e os adolescentes são acolhidos nas instituições por algum motivo, geralmente são maus tratos, abuso sexual e risco de vida. Às vezes tem alguma denúncia no Conselho Tutelar ou na Vara da Infância e essa criança é acolhida por meio de uma guia de acolhimento, ela fica na instituição e o Ministério Público e o Judiciário vão averiguar a situação dessa criança. Se tiver a possibilidade primeiro, como o ECA determina, de ela ser reintegrada novamente à família de origem, vai ser reintegrada ou na família extensa, com o avô, tio ou algum parente. Se não tiver essa possibilidade, se instaura um processo de destituição do poder familiar, nele haverá uma sentença e ela ficará disponível para adoção.

Ponto na Curva: Essa sentença precisa transitar em julgado?

Elaine Zorgetti: Sim, tem que ter o trânsito em julgado. Mas, hoje temos muitos casos que o juiz da Vara da Infância, para não prolongar o tempo de acolhimento da criança, com toda a cautela e com o Ministério Público, concede uma decisão de antecipação de tutela, averiguando já de início que essa criança não tem condições de voltar a família de origem e nem a extensa. Assim sendo, a criança fica na guarda de uma família aguardando o desfecho final desse processo de destituição, para que não fique muito tempo acolhida, porque o tempo de acolhimento reflete muito em sua vida depois.

Não é que elas estão sendo destituídas do poder familiar e sendo inseridas, hoje temos um estudo que, devido ao uso de drogas, há número grande de crianças acolhidas

Ponto na Curva: Para a habilitação do pretendente, tem todo um trabalho psicológico e social, isso ocorre também com as crianças e adolescentes?

Elaine Zorgetti: É uma deficiência que temos nas instituições de acolhimento, mas os juízes da Vara da Infância e da Juventude têm tentado, na medida do possível, pois as instituições devem ter equipe técnica também com psicólogo e assistente social, para um trabalho de preparar essas crianças para adoção, porque não é fácil. Cada criança ou adolescente que está acolhido tem um histórico familiar e algo aconteceu para eles estarem acolhidos. Então a psicóloga e toda a equipe têm que estarem ali preparando eles para que sejam adotados. Por isso que a gente fala que não só o pretendente precisa estar preparado, como a criança. Uma adoção especial, tardia, não é fácil, então precisa de preparação de ambas partes.

Ponto na Curva: Mato Grosso tem 64 aptos à adoção, mas o número de crianças e adolescentes acolhidos em instituições públicas ultrapassa 600. O fato de estar acolhida não significa necessariamente que está em processo de adoção?

Elaine Zorgetti: Isso mesmo, temos um grande número de acolhidos, mas existe uma rotatividade. Não é que elas estão sendo destituídas do poder familiar e sendo inseridas, hoje temos um estudo que, devido ao uso de drogas, há número grande de crianças acolhidas. O poder público precisa fazer políticas públicas nessa parte, já que vemos que a droga está influenciando o número de acolhimentos. Não quer dizer que todas essas crianças acolhidas estão disponíveis para adoção. Elas estão acolhidas para serem protegidas por alguma situação de risco. Algumas vão passar pelo processo de destituição e serão adotadas, mas outras é algum estado provisório, às vezes é uma família que está com problema de situação financeira ou outra coisa, passando por esse período e vendo a possibilidade de se reintegrar, às vezes o pai e mãe não têm, mas o avô ou o tio tem.

Ponto na Curva: Como se dá o processo após a habilitação do pretendente? Existe um acompanhamento pós-adoção?

Elaine Zorgetti: Ele fica em lista de espera e quando há uma criança com o perfil desejado, a equipe do juiz entra em contato para saber se tem interesse naquela criança disponível e quer conhecê-la. Então se conhece a criança e, dependendo da idade e do estágio de convivência, o juiz dá uma guarda provisória a esse casal e começa o processo de adoção. Deferido, vai ser averbado na certidão de nascimento. Hoje não temos em todas as comarcas, mas algumas tem o pós-adoção. Mesmo depois de adotado, tem algum grupo de apoio a adoção -- aqui em Cuiabá temos, que é a Ampara -- que faz esse encontro pós adotivo, que é para fortalecer essas famílias, trocas de experiências, dar apoio e suporte. O pré-adoção é importante, mas o pós também.

Ponto na Curva: Existem casos em que a pessoa volta atrás e desiste da adoção?

Elaine Zorgetti: Temos poucos casos, graças a Deus, de devolução de crianças. Isso não é bom, é muito traumático, pois ela já foi rejeitada uma vez, pela família de origem e uma segunda rejeição é muito traumatizante. Geralmente, crianças pequenas não acontecem devolução, é mais na adoção tardia, geralmente de adolescentes. Algum pretendente que pega a guarda de uma criança de 10, 11, 12 13, 14 anos e às vezes a adaptação de ambas as partes não dá certo e acaba tendo a devolução. Temos casos sim, mas são pouquíssimos, são excepcionais.

Lançamos o Busca Ativa, que é também para buscar família para essas crianças e adolescentes com perfil que não é desejado por todos, para amá-los

Ponto na Curva: Como atua a Ceja nesse processo?

Elaine Zorgetti: A Ceja é a Comissão Estadual Judiciária de Adoção, que é responsável, não apenas pelo cadastro estadual e nacional de adoção, mas também tem a função de orientar, fiscalizar todos os procedimentos relacionados a adoção de todos os juízes da Infância e Juventude do Estado de Mato Grosso. Acompanhamos todos os cadastros e processos que tramitam nas varas, buscando o cumprimento daquilo que determina o ECA. Além disso, desenvolvemos projetos voltados para criança e o adolescente. Temos a campanha Adotar é Legal, que orienta a sociedade dos procedimentos legais de adoção. Buscamos com essa campanha divulgar para a sociedade o tema adoção, desmitificando e orientando os procedimentos. Temos o programa Padrinhos, que é para crianças maiores de oito anos, que tem o provedor, o prestador de serviços e também o afetivo -- que é o mais procurado. Temos a campanha permanente que é a Entrega Legal, que consiste na entrega voluntária da gestante ou mãe que não tem condições ou não queira ficar com os filhos para que não os abandonem, mas que busquem a Vara da Infância para que tenham todo o acompanhamento, que seu filho será cuidado por uma família preparada. E agora lançamos o Busca Ativa, que é também para buscar família para essas crianças e adolescentes com perfil que não é desejado por todos, para amá-los.

Ponto na Curva: Gostaria que explicasse melhor o projeto Padrinhos e o procedimento para apadrinhar uma criança?

Elaine Zorgetti: Estamos com esse projeto há 10 anos e acabou virando um programa, direcionado a crianças e adolescentes com possibilidades remotas de adoção. Eles estão acolhidos e não conseguiram ser adotados. Temos o padrinho afetivo, que é aquela pessoa que se interessa em ter o convívio direto com essa criança e adolescente, que busca nos finais de semana e feriados, férias escolares, que vai para sua casa, passeia, que tem essa convivência com esse acolhido, que pode ter esse contato todo com o afetivo. Nesse caso é preciso se preencher uma ficha, anexar documentos e passar por um estudo psicossocial, pois ele vai ter contato com a criança e precisa ser deferido por um dos membros da Ceja. Tem-se um processo de habilitação que é mais simples, mais rápido e não precisa de decisão judicial. Quando a criança é de Cuiabá e Várzea Grande faz pela Ceja, mas quando é comarca do interior faz pela Vara da Infância e da Juventude. A habilitação também é necessária para o padrinho prestador de serviço, o provedor não precisa, pois ele é só financeiro, vai ajudar financeiramente ou a criança ou a instituição. Ele pode pagar um curso, material escolar, ajudar com roupas e outros. Já o prestador de serviços é aquele que ajuda com sua profissão e habilidade: um médico, dentista, um pintor, cabelereiro... Hoje, estamos precisando mesmo de provedor de serviços para ajudar as instituições de acolhimento. O afetivo, graças a Deus, a procura é grande, estamos com poucas crianças disponíveis, temos mais adolescentes para apadrinhamento afetivo, já que a adoção é mais fácil quando menores de oitos anos.

Ponto na Curva: Recentemente, a Ceja lançou um site onde coloca 64 crianças e adolescentes aptos à doação. Como surgiu a iniciativa?

Elaine Zorgetti: Essas crianças e adolescentes são aqueles que não foram reintegrados na sua família de origem ou extensa e também não conseguiram ser adotadas por causa do seu perfil, que é a idade ou problema de saúde. Verificamos que tínhamos que fazer um trabalho para buscar uma família para esses adolescentes, que são a maioria, pois quando completam 18 anos não podem mais ficar na instituição de acolhimento. Com isso, tivemos a ideia de introduzir esse projeto de busca, que é realmente procurar uma família para esse perfil que não é o da maioria dos pretendentes. Estamos disponibilizando no site essas crianças e adolescentes de difícil inserção na família adotiva, para que algum casal que não esteja às vezes no seu perfil habilitado, mas que possa se interessar e passarmos mais informações, para daí, quem sabe, surgir uma adoção. Estamos disponibilizando esses dados no site para todo o Brasil e até mesmo para pretendentes estrangeiros habilitados, que é uma forma de buscar o convívio familiar para essas crianças que não conseguiram até hoje serem inseridas.

Ponto na Curva: Para finalizar, quantos processo de doação tramitam atualmente em Mato Grosso e quantos de destituição do poder familiar.

Elaine Zorgetti. Hoje, temos em tramite 347 processos que versam sobre adoção e 916 de destituição do poder familiar.