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Cuiabá, 19 de Abril de 2025

Opinião Quinta-feira, 10 de Abril de 2025, 07:25 - A | A

Quinta-feira, 10 de Abril de 2025, 07h:25 - A | A

Dauto Passare

Os desafios do uso de IA no Sistema Judiciário

O emprego da IA nas decisões judiciais requer profunda reflexão acerca de suas implicações éticas e jurídicas

A implementação de Inteligência Artificial (IA) no sistema judiciário brasileiro traz significativos avanços, mas também suscita desafios importantes relacionados à ética, à técnica e à adequação jurídica.

O uso da IA no sistema judiciário brasileiro tem sido impulsionado pela necessidade de enfrentar a crescente demanda por eficiência e agilidade na prestação jurisdicional. Sistemas como o "Victor", utilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), exemplificam a aplicação prática dessas tecnologias ao realizar uma triagem inicial de processos com base em critérios específicos, agilizando o encaminhamento e análise inicial dos casos.

Apesar dessas inovações, o emprego da IA nas decisões judiciais requer profunda reflexão acerca de suas implicações éticas e jurídicas, exigindo a definição clara de limites e responsabilidades.

A aplicação da IA no judiciário desperta preocupações éticas significativas. Um dos principais pontos é a transparência dos algoritmos utilizados. Decisões judiciais tomadas ou influenciadas por IA podem apresentar riscos caso os critérios utilizados não sejam transparentes ou auditáveis. Tanto é que recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou um ato normativo que atualizou a Resolução nº 332/2020, dispondo sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de IA no Poder Judiciário.

Existe também o risco de reprodução ou amplificação de preconceitos existentes na base de dados, levando à discriminação automatizada em decisões judiciais. Algoritmos baseados em aprendizado de máquina dependem das informações fornecidas, e se estas contiverem vieses, a IA pode perpetuá-los ou intensificá-los.

É fundamental, portanto, assegurar que esses sistemas sejam submetidos a constantes auditorias éticas, garantindo que não comprometam valores fundamentais como a igualdade, a imparcialidade e a justiça.

Além disso, a IA ainda não alcançou a capacidade de lidar adequadamente com nuances jurídicas complexas e situações excepcionais, que frequentemente demandam a sensibilidade e o discernimento humano. O julgamento ético e a interpretação normativa exigem níveis de compreensão contextual que ultrapassam a capacidade atual das máquinas.

Outro aspecto crítico envolve o respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A utilização da IA para decisões automatizadas ou semiautomatizadas deve assegurar aos cidadãos mecanismos eficazes de contestação das decisões.

Para uma implementação responsável da inteligência artificial no judiciário brasileiro, é imprescindível adotar diretrizes claras e abrangentes, tais como protocolos rigorosos de auditoria ética e técnica dos algoritmos, visando identificar e corrigir eventuais vieses ou inconsistências; transparência em todas as etapas do processo decisório; criação de mecanismos jurídicos específicos para responsabilizar claramente erros judiciais derivados do uso inadequado ou falhas da inteligência artificial.

O avanço tecnológico não pode substituir integralmente a discricionariedade humana, essencial para garantir decisões justas e equitativas. Assim, a IA deve ser utilizada como uma ferramenta complementar, visando fortalecer o sistema judiciário sem comprometer os valores fundamentais que o sustentam.

Dauto Passare é advogado e professor de Direito em Cuiabá.