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Cível Domingo, 23 de Julho de 2017, 09:00 - A | A

23 de Julho de 2017, 09h:00 - A | A

Cível / Cheques pagos à empresa ‘fantasma’

"Não há nulidade", diz juíza ao negar anulação de ação que investiga desvio na AL

Riva, Bosaipo e mais sete são réus na ação oriunda da Operação Arca de Noé

Da Redação



A juíza Célia Regina Vidotti, da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular, rejeitou o pedido do ex-presidente da Assembleia Legislativa, José Geraldo Riva, e do ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Humberto Melo Bosaipo, em anular o processo que investiga o pagamento de R$ 3 milhões da AL para uma empresa “fantasma”.

Eles e mais sete são réus nesta ação que é oriunda da Operação Arca de Noé.

Riva interpôs a suspensão do processo tendo em vista a “repercussão geral da matéria de prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário”. 

“O suposto excesso de prazo para conclusão do inquérito civil público, em princípio, não prejudica o investigado. Para que seja possível cogitar a anulação em razão do decurso de longo período, é preciso comprovar que a demora gerou prejuízos, caso contrário, não há dano ou nulidade”

Para pedir a anulação da ação, Bosaipo citou na ação a Lei de Improbidade, alegando que foi criada para a punição de condutas dolosas, o que, segundo ele, não há “sequer indícios que tenha agido dessa forma”, pedindo assim, a extinção do processo sem julgamento do mérito ou a improcedência dos pedidos.

Na ação, ele ainda aduziu que a ação não poderia prosseguir devido a nulidade do inquérito civil que a subsidia, “o qual extrapolou o prazo de conclusão e ainda foi presidido por promotor de justiça que não tinha atribuição para tal mister”.

Em contrapartida a magistrada explicou que “não há qualquer nulidade no inquérito civil decorrente de ausência de contraditório, excesso de prazo para a sua conclusão ou pela presidência ter sido exercida por Promotor de Justiça”.

Contudo, a magistrada decidiu que para que fosse anulado o processo é necessário provar a demora que gerou os prejuízos.

“O suposto excesso de prazo para conclusão do inquérito civil público, em princípio, não prejudica o investigado. Para que seja possível cogitar a anulação em razão do decurso de longo período, é preciso comprovar que a demora gerou prejuízos, caso contrário, não há dano ou nulidade”, argumentou a juíza.

“Ademais, conforme salientado, o inquérito civil público tem natureza administrativa e sua eventual nulidade não prejudicaria esta ação, já que ambos são independentes. A finalidade do inquérito é tão somente oferecer subsídios para a propositura ou não da ação”, continuou.

Não há nulidade

Ainda em sua decisão, Célia Regina narrou que não há irregularidades ou nulidades a serem corrigidas na ação.

“As partes são legítimas, estão devidamente representadas e munidas de interesse processual. Não há irregularidades ou nulidades a serem corrigidas, tampouco outras questões a serem decididas nesse momento processual. Não sendo possível o julgamento do processo no estado em que se encontra, declaro-o saneado”.

Ela ainda seguiu explicando que a ação tem o intuito de comprovar o suposto desvio de recursos com a emissão e pagamento de cheques da AL a uma empresa fantasma.

“Como questão relevante de fato a ser comprovada neste processo está o desvio de recursos públicos mediante a emissão e pagamento de cheques da Assembleia Legislativa à empresa “fantasma” Comercial Celeste de Papéis e Serviços Ltda., por produtos e/ou serviços que nunca foram entregues e/ou prestados”.

“Como fato relevante de direito, está a comprovação ou não se as condutas dos requeridos violaram as disposições da lei 8.666/90 e configuraram ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/92)”, continuou.

“Bis in idem”

Antes de dar a decisão final, a magistrada analisou e indeferiu um outro pedido de Riva, em que realizar auditoria dos cheques, alegando a possível existência de “bis in idem”, uma vez que foram elencados os números e valores dos documentos pagos pela Assembleia Legislativa à empresa Celeste de Papéis e Serviços Ltda.

“Indefiro o pedido de perícia grafotécnica nos cheques, uma vez que a autenticidade das assinaturas ali apostas em nenhum momento foi contestada pelos requeridos, ou seja, não há controvérsia sobre essa questão, motivo pelo qual não há o quê se comprovar com a perícia, que se mostra inócua e procrastinatória”, negou a magistrada.

“Indefiro o pedido de suspensão também formulado pelo requerido José Geraldo Riva (fls. 3.616/3.623), haja vista que o caso dos autos não versa exclusivamente sobre ressarcimento ao erário, não estando, portanto, adstrito aos limites do decidido no RE n.º 852.475/SP”, continuou.

Por entender a precariedade da cópia de um outro cheque que consta na investigação, que impossibilite a leitura, a magistrada determinou que Riva junte aos autos, em dentro de 10 dias antes da audiência instrutória, cópia legível do documento.

“Em relação à solicitação de documento que consta em processo que tramita perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, condiciono o deferimento do pedido à comprovação formal da impossibilidade do requerido em obter acesso aos autos e consegui-los diretamente, sem intervenção judicial, uma vez que em consulta ao endereço eletrônico http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?trf1_captcha_id=d4b4fcf67562506245df52b22220258a&trf1_captcha=4p7j&enviar=Pesquisar&proc=200336000085054&secao=TRF1, não há qualquer restrição de acesso e não consta que o feito tramita sob segredo de justiça”, concluiu a magistrada.

Arca de Noé

Considerada a maior operação de Mato Grosso, a “Arca de Noé” que foi deflagrada em dezembro de 2002, investigou crimes ocorridos dentro da Assembleia Legislativa.

Segundo informações apuradas, os crimes teriam sido liderados pelo ex-presidente da Casa, José Geraldo Riva e pelo então deputado Humberto Bosaipo.

Durante a deflagração foi preso o então chefe do crime organizado no Estado, o bicheiro João Arcanjo Ribeiro.

Veja abaixo a decisão completa:

Vistos etc.

Cuida-se de Ação Civil Pública de Ressarcimento de Danos Causados ao Erário c/c Responsabilização por Ato de Improbidade Administrativa, com pedidos liminares, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em face de José Geraldo Riva, Humberto Melo Bosaipo, Guilherme da Costa Garcia, Luiz Eugênio de Godoy, Nivaldo de Araújo, Geraldo Lauro, Nasser Okde, Varney Figueiredo de Lima, e José Quirino Pereira e Joel Quirino Pereira, por terem, em tese, desviado e se apropriado de recursos públicos do Poder Legislativo Estadual, por meio da emissão de cheques à empresa “fantasma” Comercial Celeste de Papéis e Serviços Ltda., no montante de R$3.028.426.63 (três milhões, vinte e oito mil, quatrocentos e vinte e seis reais e três centavos).

O requerente pleiteou liminarmente a indisponibilidade de bens dos requeridos, o afastamento destes de seus respectivos cargos, bem como a realização de busca e apreensão de documentos junto aos setores de licitação, finanças e patrimônio da Assembleia Legislativa.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 40/1.279.

Pela decisão de fls. 1.284, foi determinada a notificação dos requeridos, postergando a análise do pedido de liminar.

O Ministério Público desistiu da ação em relação ao requerido Luiz Eugenio Godoy (fls. 1.345/1346), em razão do seu falecimento.

Os requeridos foram devidamente notificados (fls. 1.291/1.292; 1332; 1.340; 1.396; sendo que apenas Nasser Okde (fls. 1.401/1.411), Humberto de Melo Bosaipo (fls. 1.414/1.418), Guilherme da Costa Garcia (fls. 1.434/1.435), José Quirino Pereira (fls. 1.546/1.572) e José Geraldo Riva (fls. 1.442/1.458) apresentaram manifestação preliminar.

A inicial foi recebida pela decisão de fls. 1.633/1.641, oportunidade em que também foi homologada a desistência da ação em relação requerido Luiz Eugenio Godoy e foram indeferidos os pedidos liminares. Foi determinada a citação dos requeridos; a intimação do Estado de Mato Grosso para integrar a lide, bem como a intimação da Assembleia Legislativa para apresentar todos os processos de compra que envolvam a empresa Comercial Celeste de Papeis e Serviços Ltda.

A Assembleia Legislativa informou, às fls. 1.647, que os processos relativos à empresa Comercial Celeste de Papéis de Serviços Ltda. foram descartados segundo a tabela de temporalidade instituída pelo Ato n.º 369/96.

O Estado de Mato Grosso informou, às fls. 1.662/664, que exercerá a pretensão processual adequada após a instrução.

Os requeridos foram devidamente citados: José Geraldo Riva às fls. 1.673; Guilherme da Costa Garcia, Varney Figueiredo de Lima, Nasser Okde e Geraldo Lauro às fls. 1.677/1.678 e Humberto Melo Bosaipo às fls. 1.825. Os requeridos Nivaldo de Araújo, José Quirino e Joel Quirino compareceram espontaneamente e apresentaram suas contestações.

Os requeridos José Geraldo Riva, Nivaldo de Araújo, Geraldo Lauro e Varney Figueiredo de Lima apresentaram contestação conjunta às fls. 1.688/1.709, aduzindo, em síntese, que não há provas que tenham praticado qualquer ato, doloso ou culposo, capaz de causar prejuízo ao erário.

Alegam que todos os processos administrativos para compra de material ou execução de serviços na Assembleia Legislativa de Mato Grosso seguiram os princípios disciplinados no art. 37 da Constituição Federal. Ressaltam que a pedido da Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas deste Estado, no ano de 2004, analisou minuciosamente diversos documentos referente a licitude dos pagamentos feitos a algumas empresas comerciais, concluindo que todos estavam de acordo com a Lei n.º 8.666/93 e não seria a licitação da qual participou a empresa Comercial Celeste de Papéis e Serviços Ltda, que estaria eivada de vício.

Afirmam que, enquanto o requerido José Geraldo Riva ocupou a presidência da ALMT, nenhum cheque foi sacado sem o prévio e necessário processo que justificasse a sua emissão e a obrigação de efetuar o pagamento.

Argumentam que a empresa Comercial Celeste de Papéis e Serviços Ltda. apresentou todos os documentos exigidos pela lei 8.666/93, não cabendo aos requeridos investigar a legitimidade dos mesmos. Consignam que o requerido Geraldo Lauro só assinava os cheques, autorizando os respectivos pagamentos, após todos os setores da Assembleia se manifestar favoráveis, seguindo rigorosamente cada etapa do processo. Afirmam que as assinaturas no verso do cheque não significam endosso, conforme alegado na inicial, mas sim uma autorização de pagamento, que indicava que todas as conferências e lançamentos contábeis já haviam sido feitos.

Aduzem, ainda, que o requerido Varney apenas cumpria suas obrigações funcionais no setor de finanças da ALMT, e não conhecia nenhum “esquema”.

Alegam que as provas obtidas no Inquérito Civil são ilícitas, pois não houve respeito ao contraditório e ao prazo estipulado para sua conclusão.

Ao final, requereram a improcedência dos pedidos contidos na inicial.

O requerido Nasser Okde, por seu patrono, apresentou contestação, às fls. 1.759/1.780, alegando preliminarmente a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar a presente ação, uma vez que o Provimento do Conselho da Magistratura que criou esta Especializada está em conflito com a Lei Complementar Estadual que definiu a competência das Varas de Fazenda Pública; a ilegitimidade do Ministério Público, uma vez que o ressarcimento de danos causados ao erário somente pode ser pleiteado pelo ente lesado, no caso, o Estado de Mato Grosso; a nulidade do procedimento instrutório, uma vez que o Ministério Público não pode conduzir diretamente investigações.

Discorreu sobre a impossibilidade de ser decretada a indisponibilidade de bens e o afastamento do cargo e, ao final, sustentando a inexistência de ato ímprobo, requereu a improcedência da ação (sic).

O requerido Humberto Melo Bosaipo, por seu patrono, apresentou contestação às fls. 1.826/1.841, alegando, preliminarmente, que a ação não pode prosseguir em razão da nulidade do inquérito civil que a subsidia, o qual extrapolou o prazo de conclusão e ainda foi presidido por Promotor de Justiça que não tinha atribuição para tal mister.

No mérito, alegou que não conhece a empresa requerida ou os seus sócios, assim como não conhecia a maioria dos fornecedores, pois, na qualidade de deputado estadual, presidente ou primeiro secretário da Casa Legislativa Estadual, não tinha como função inspecionar pessoalmente cada uma das fases dos processos licitatórios e verificar a legitimidade dos documentos e a efetiva entrega dos serviços ou materiais licitados.

Afirmou que sua única atribuição, perante os processos licitatórios, era a assinatura dos cheques para efetivação dos pagamentos, mas sempre após o cumprimento de todas as formalidades exigidas.

Asseverou que as assinaturas apostas no verso dos cheques emitidos não representam “endosso”, mas procedimento destinado a conferir maior segurança do documento, evitando pagamento em duplicidade ou adulterações.

Destaca que a Lei de Improbidade foi criada para punição de condutas dolosas, sendo que não há sequer indícios de que tenha agido dessa forma, requerendo, ao final, o acolhimento da preliminar suscitada, com a extinção do processo sem julgamento do mérito ou a improcedência dos pedidos.

O requerido Guilherme da Costa Garcia, por seu patrono, apresentou contestação às fls. 1.842/1.849, alegando que foi incluído no polo passivo desta ação apenas por ter ocupado o cargo de secretário de finanças da Assembleia Legislativa. Destaca que assinava grande quantidade de cheques a fim de cumprir todos os pagamentos da Assembleia, todavia, não lhe cabia inspecionar cada um dos processos licitatórios ou verificar a entrega dos serviços ou materiais, não conhecia os fornecedores e prestadores de serviço da ALMT, bem como não tinha nenhuma ligação comercial com a empresa Confiança Factoring e Fomento Mercantil.

Ressalta que não há provas que tenha agido ou se omitido dolosamente, requisito essencial para condenação por ato de improbidade administrativa, requerendo, por consequência, a improcedência dos pedidos.

Os requeridos José Quirino Pereira e Joel Quirino Pereira apresentam contestação conjuntamente, por seus patronos, alegando que são profissionais da área de contabilidade e foram contratados para constituir a empresa Comercial Celeste de Papéis Ltda. Afirmam que receberam os documentos necessários para a constituição da empresa de seus clientes e que não são responsáveis pela veracidade e legitimidade desses documentos.

Salientam que foram absolvidos na ação penal nº 57/2003, que tramitou perante a 4ª Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande, visando apurar fatos semelhantes aos destes autos, ficando assim comprovado que não praticaram os ilícitos narradas na inicial.

Alegam que não existem provas da prática de qualquer ato ímprobo, uma vez que estavam apenas exercendo seus ofícios. Ao final, pleitearam a improcedência dos pedidos (fls. 1.851/1.872).

O representante ministerial apresentou impugnação às contestações, às fls. 1.923/1.947, rebatendo os argumentos das defesas dos requeridos e ratificando os pedidos constantes na petição inicial.

O Ministério Público interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão que indeferiu os pedidos liminares. A liminar pleiteada foi indeferida (fls. 1.981/1.986) e, no mérito, foi negado provimento ao recurso (fls. 1.995/2.011). O representante ministerial interpôs Recurso Especial, que foi parcialmente conhecido, tão somente para determinar a indisponibilidade dos bens dos requeridos (fls. 2.656/3.201).

O requerido José Geraldo Riva pleiteou a juntada de documentos às fls. 2.016/2.604, referente a análise de contas da ALMT, pelo TCE-MT.

O Ministério Público juntou documentos às fls. 2.617/2.630, referente a situação profissional do requerido José Quirino Filho junto ao Conselho Regional de Contabilidade.

Os requeridos interpuseram diversas e sucessivas exceções de suspeição, o que ocasionou a suspensão do feito por longo período. Após os julgamentos das exceções, foi proferida a decisão de fl. 3.513/3.516, que indeferiu os pedidos de suspensão, nulidade e inconstitucionalidade formulados pelos requeridos Humberto Melo Bosaipo e José Geraldo Riva. O trâmite processual foi novamente suspenso, para a habilitação dos herdeiros e sucessores do falecido Nivaldo de Araújo.

O representante do Ministério Público requereu às fls. 3.519/3.521 desistência da ação em relação ao requerido Nivaldo de Araújo, diante do seu falecimento e da inexistência de bens a inventariar, o que foi homologado às fls. 3.603/3.604.

A decisão de fls. 3.602 determinou a intimação das partes para que indicassem as provas que pretendessem produzir.

A defesa do requerido José Geraldo Riva pleiteou pela realização de auditoria em todos os cheques que constam nos autos das ações civis públicas decorrentes da “Operação Arca de Noé”; o traslado das fitas do caixa do Banco do Brasil que se encontram nos autos da ação penal n. 2003.36.00.008505-4, da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso; traslado das cópias dos cheques que estão no procedimento administrativo que instruiu esta ação, uma vez que as cópias aqui juntadas estão ilegíveis; a realização de perícia grafotécnica nos cheques acostados no processo administrativo que baseou a propositura desta ação; bem como a produção de prova testemunhal, arrolando dez (10) testemunhas (fls. 2.906/2.929).

O requerido José Geraldo Riva peticionou novamente às fls. 3.616/3.616v., requerendo a suspensão do processo tendo em vista a Repercussão Geral da matéria de prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário no Superior Tribunal de Justiça (RE n.º 852.475/SP).

O representante ministerial, às fls. 3.624/3.625v. pleiteou pela produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal dos requeridos José Geraldo Riva e Guilherme da Costa Garcia, e nas oitivas de cinco (05) testemunhas.

Decido.

Inicialmente, faço consignar que a questão relativa à competência desta Vara Especializada, para processar e julgar a presente causa, foi decidida às fls. 3.513/3.516.

Quando às demais preliminares arguidas pelos requeridos, nenhuma merece prosperar.

No caso, não há qualquer nulidade no inquérito civil decorrente de ausência de contraditório, excesso de prazo para a sua conclusão ou pela presidência ter sido exercida por Promotor de Justiça.

O inquérito civil possui natureza administrativa, é uma investigação prévia, unilateral, que se destina basicamente a colher elementos que poderão subsidiar ou não a propositura da ação.

Os indícios probatórios colhidos durante o referido procedimento administrativo não são absolutos e necessitam ser confirmados em Juízo, durante a instrução processual, para que tenham o status de prova.

Nesse sentido:

"PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INQUÉRITO CIVIL: VALOR PROBATÓRIO - REEXAME DE PROVA: SÚMULA 7/STJ. 1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visa colher elementos probatórios e informações para o ajuizamento de ação civil pública. 2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório. 3. A prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera negativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las. 4. Avanço na questão probatória que esbarra na Súmula 7/STJ. 5. Recursos especiais improvidos."

(STJ. REsp 476660/MG, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 20/05/2003, DJU 04.08.2003, p. 274);

"PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS – INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. NATUREZA INQUISITIVA. VALOR PROBATÓRIO. 1. O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar aopinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva. 2. "As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório" (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003). 3. As provas colhidas no inquérito civil, uma vez que instruem a peça vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e devidamente valoradas pelo julgador. 4. Recurso especial conhecido e provido."

(STJ. REsp 644994/MG, 2a.Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17/02/2005, DJU 21.03.2005, p. 336).

O suposto excesso de prazo para conclusão do inquérito civil público, em princípio, não prejudica o investigado. Para que seja possível cogitar a anulação em razão do decurso de longo período, é preciso comprovar que a demora gerou prejuízos, caso contrário, não há dano ou nulidade.

Ademais, conforme salientado, o inquérito civil público tem natureza administrativa e sua eventual nulidade não prejudicaria esta ação, já que ambos são independentes. A finalidade do inquérito é tão somente oferecer subsídios para a propositura ou não da ação.

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA DE PRAZO DECADENCIAL. PRETENSO ATO OMISSIVO. NEGATIVA DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL. APURAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. MATÉRIA AUSENTE DE PRESCRIÇÃO. ART. 37, § 5º, DA CF. INQUÉRITO COM MAIS DE OITOS ANOS. INEXISTÊNCIA DE PRAZO LEGAL. ART. 9º DA RESOLUÇÃO 23/2007 DO CONAMP. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO ANUAL, QUANTAS VEZES FOREM NECESSÁRIAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO DEMONSTRADO AO INVESTIGADO. "PAS DE NULITÉ SANS GRIEF". PRECEDENTES. (...). 5. O inquérito civil público possui natureza administrativa e é autônomo em relação ao processo de responsabilidade; na mesma toada, o processo de apuração de danos ao erário também é autônomo do processo penal. Precedente: HC 70.501/SE, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 25.6.2007, p. 269. 6. Inexiste legislação fixando um prazo específico para o término do inquérito civil público; todavia, a Resolução n. 23/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CONAMP), publicada no Diário da Justiça em 7.11.2007, Seção 1, p. 959-960, fixa: "Art. 9º O inquérito civil deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências (...)". Logo, reconhece-se a possibilidade de inquéritos civis públicos longos, com vários anos, como no caso em tela. 7. O excesso de prazo para o processamento de inquérito civil público, em princípio, não prejudica o investigado; a este cabe comprovar que tal dilação lhe traz prejuízos pois, do contrário, incidirá o reconhecimento de que, inexistindo prejuízo, não resta dano ou nulidade ("pas de nulité sans grief"). Precedentes: MS 10.128/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 22.2.2010; MS 13.245/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe 31.5.2010; RMS 29.290/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 15.3.2010; MS 10.128/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 22.2.2010; MS 12.895/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 18.12.2009. 8. A decretação judicial de nulidade não ensejaria vantagem ao agravante, já que não anularia as diligências até o momento realizadas; nos termos de Hugo Nigro Mazzilli: "Os eventuais vícios e nulidade do inquérito civil não prejudicam os atos que deles independam, nem, muito menos, a ação civil pública que eventualmente venha a ser ajuizada. Com efeito, ao princípio que impede que a nulidade de uma parte de um ato prejudique outros atos que dele sejam independentes, dá o nome de princípio da incolumidade do separável." (In: O Inquérito Civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 300.). Agravo regimental improvido.”

(STJ - AgRg no RMS: 25763 RJ 2007/0279614-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/09/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/09/2010)

A alegada incompetência da autoridade que presidiu o inquérito civil também não merece respaldo.

A Portaria nº 404/2003-PGJ, de 19/11/2003, subscrita pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado do Mato Grosso, delegou aos Promotores de Justiça responsáveis pelo inquérito civil em apreço, a competência para conduzir as investigações.

Ainda, a Lei Complementar Estadual n.º 27, de 19 de novembro de 1993, é expressa quanto à possibilidade de delegação da competência como ocorrido:

“Art. 26. Além das atribuições previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica Federal e em outras leis, compete ao Procurador-Geral de Justiça:

(...) IX - exercer as funções do Artigo 1299, incisos II e III, da Constituição Federal, quando a autoridade reclamada for o Governador, o Presidente da Assembleia Legislativa ou os Presidentes dos Tribunais, bem como quando contra estes, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser ajuizada a competente ação;

X - delegar a membro do Ministério Público suas funções de órgão de execução. (...).”

Denota-se, portanto, que a instauração de inquérito civil pelo Procurador-Geral de Justiça, prevista do inc. III, do art. 129 da CF/88, além de não ser indelegável (não é taxada de exclusiva pela legislação), apenas é imperiosa quando a autoridade em questão é o Governador do Estado, o Presidente da Assembleia Legislativa ou os Presidentes dos Tribunais.

No caso vertente, além de não haver nos autos demonstração cabal de que à época da instauração do inquérito civil o requerido Humberto Bosaipo ocupava a presidência da Assembleia Legislativa, a delegação de competência determinada pela Portaria nº 404, afasta qualquer alegação de nulidade da instauração do inquérito civil por parte de Promotor de Justiça.

Da mesma forma, não merece guarida a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público, posto que é pacífico na jurisprudência a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público (Súmula nº 329 STJ).

Nesse sentido:

“APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - AGRAVO RETIDO – PRELIMINARES REJEITADAS – MÉRITO - NULIDADE DO PROCEDIMENTO INSTRUTÓRIO – DESPROVIMENTO - DESVIO DE VERBA PÚBLICA - DEPÓSITOS DE CHEQUES EMITIDOS PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA EM CONTA DE TERCEIROS - PREJUÍZO AO ERÁRIO DEMONSTRADO - RESSARCIMENTO DEVIDO - AÇÃO DE PROCEDÊNCIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL NA QUALIDADE DE LITISCONSORTE ATIVO – IMPOSSIBILIDADE - RECURSOS DESPROVIDOS. A ação de ressarcimento de danos causados ao erário é imprescritível, consoante o disposto no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal. “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público” (Súmula 329 do STJ). “Não há falar em nulidade ou ilegalidade do prévio inquérito civil presidido pelo Parquet autor, cujo procedimento investigativo encontra desenganado respaldo na própria Constituição Federal (art. 129, inc. III).” (REsp 1504744/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 24/04/2015). Constatado o dano decorrente de desvio de dinheiro público em benefício próprio e de terceiros, impõe-se o dever de ressarcir o erário. “Posiciona-se o STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública” (EREsp 895.530/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 18.12.09).” Precedente STJ - REsp 1099573/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27/04/2010, DJe 19/05/2010. Em aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, não há impedimento que o Estado de Mato Grosso receba honorários em ação civil pública, no entanto, este se faz indevido se o mesmo apenas ingressou na lide posteriormente, como litisconsorte ativo, sendo o Ministério Público o autor da Ação Civil Pública.”

(Ap 145225/2013, DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 30/06/2015, Publicado no DJE 10/07/2015)

Desta forma, rejeito as preliminares arguidas.

A alegação de ausência de provas quanto à prática dos atos de improbidade não configura matéria preliminar e sim questão de mérito, que será analisada após a devida instrução processual.

As partes são legítimas, estão devidamente representadas e munidas de interesse processual. Não há irregularidades ou nulidades a serem corrigidas, tampouco outras questões a serem decididas nesse momento processual. Não sendo possível o julgamento do processo no estado em que se encontra, declaro-o saneado.

Como questão relevante de fato a ser comprovada neste processo está o desvio de recursos públicos mediante a emissão e pagamento de cheques da Assembleia Legislativa à empresa “fantasma” Comercial Celeste de Papéis e Serviços Ltda., por produtos e/ou serviços que nunca foram entregues e/ou prestados.

Como fato relevante de direito, está a comprovação ou não se as condutas dos requeridos violaram as disposições da lei 8.666/90 e configuraram ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/92).

A priori, o ônus da prova é do Ministério Público quanto aos fatos articulados na inicial. Não foram alegados outros fatos modificativos ou impeditivos da pretensão ministerial deduzida na exordial.

Admite-se, para a comprovação das questões suscitadas, a produção de prova oral e documental.

Indefiro o requerimento do patrono do requerido José Geraldo Riva, no tocante ao pedido de realização de auditoria dos cheques, sob o argumento possível existência de “bis in idem”, uma vez que conforme consta na petição inicial, foram elencados os números e valores de cheques nominais pagos pela Assembleia Legislativa à empresa Celeste de Papéis e Serviços Ltda.

Desta forma, caso os pedidos sejam procedentes e alguma das cártulas elencadas não seja nominal à empresa em questão, esta não será considerada para mensurar os eventuais danos ao erário causados pelos requeridos.

Indefiro o pedido de perícia grafotécnica nos cheques, uma vez que a autenticidade das assinaturas ali apostas em nenhum momento foi contestada pelos requeridos, ou seja, não há controvérsia sobre essa questão, motivo pelo qual não há o quê se comprovar com a perícia, que se mostra inócua e procrastinatória.

Indefiro o pedido de suspensão também formulado pelo requerido José Geraldo Riva (fls. 3.616/3.623), haja vista que o caso dos autos não versa exclusivamente sobre ressarcimento ao erário, não estando, portanto, adstrito aos limites do decidido no RE n.º 852.475/SP.

Por outro lado, assiste razão ao requerido quanto à precariedade cópia do cheque que consta à fl. 880, a ponto de impossibilitar sua leitura. Assim, determino que o requerente junte aos autos, até dez dias antes da audiência instrutória, cópia legível do cheque que está na folha mencionada.

Em relação à solicitação de documento que consta em processo que tramita perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, condiciono o deferimento do pedido à comprovação formal da impossibilidade do requerido em obter acesso aos autos e consegui-los diretamente, sem intervenção judicial, uma vez que em consulta ao endereço eletrônico http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?trf1_captcha_id=d4b4fcf67562506245df52b22220258a&trf1_captcha=4p7j&enviar=Pesquisar&proc=200336000085054&secao=TRF1, não há qualquer restrição de acesso e não consta que o feito tramita sob segredo de justiça.

Defiro a produção da prova oral pleiteada pelas partes e designo a audiência de instrução para o dia 26/09/2017, às 14h30min.

 

Intimem-se, pessoalmente, os requeridos José Geraldo Riva e Guilherme da Costa Garcia para prestarem depoimento pessoal, com as advertências legais, nos termos do art. 385 e §1º, do CPC.

Intimem-se as testemunhas tempestivamente arroladas pelo representante do Ministério Público, com as advertências legais e, observando-se o disposto no art. 455, § 4º, III e IV do CPC. Expeçam-se cartas precatórias para ouvir as testemunhas que não residem nesta comarca, consignando o prazo de sessenta (60) dias para cumprimento, por se tratar de processo abrangido pela Meta 6/CNJ.

Intime-se o patrono do requerido José Geraldo Riva, via DJE, para providenciar a intimação das testemunhas que não forem comuns ao Ministério Público, nos termos do art. 455, do CPC.

Oficiem-se as testemunhas José Carlos Novelli e Antônio Joaquim Moraes Rodrigues Neto, informando que foram arroladas como testemunhas do requerido José Geraldo Riva e solicitando que indiquem o dia, a hora e o local que podem ser inquiridas, na forma do art. 454, X, do CPC.

Intimem-se os advogados constituídos, via DJE, bem como cientifique-se o representante do Ministério Público.

Às providências.

Cuiabá/MT, 17 de julho de 2017.

Celia Regina Vidotti

Juíza de Direito