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Entrevista da Semana Quarta-feira, 05 de Abril de 2017, 08:57 - A | A

05 de Abril de 2017, 08h:57 - A | A

Entrevista da Semana / MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO

Advogado defende reforma tributária, mas diz ser contra alíquota única de ICMS e acredita que haverá aumento nos impostos em MT

Para Victor Humberto Maizman, o governo do Estado deve aguardar a mudança federal, para então promover as alterações na legislação de Mato Grosso

Antonielle Costa



O advogado, professor e consultor jurídico tributário, Victor Humberto Maizman é o entrevistado do Ponto na Curva desta semana.

Além disso, ele já atuou como membro do Conselho de Contribuintes do Estado de Mato Grosso e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal/CARF.

Referência na área tributária, ele fala sobre a reforma discutida tanto em nível nacional quanto estadual. Para ele, o governo do Estado deve aguardar a mudança federal, para então promover as alterações na legislação de Mato Grosso.

Ele classificou como louvável a decisão do Executivo em fazer a reforma já que vai diminuir a burocracia, por outro lado, disse ser contra a alíquota única do ICMS.

Para o advogado, a reforma vai gerar um aumento nos impostos e consequentemente na arrecadação.

Veja a íntegra da entrevista:

Ponto na Curva: Hoje temos projetos tramitando no Congresso Nacional para uma reforma tributária e o mesmo assunto é debatido aqui em Mato Grosso. Pode haver um conflito nas mudanças, dá para conciliar ou o Estado deve aguardar as alterações a nível federal?
Victor Maizman: Primeiro vou fazer um panorama geral em relação a essa questão. Na reforma federal, o principal tributo que existe é o ICMS, que é um tributo de competência dos Estados, porém ele é regulamentado, na legislação nacional, ele está em lei federal. Então qualquer reforma hoje estadual, onde o principal tributo é o ICMS estaria vinculado a reforma nacional. E essa questão do ICMS ela é muito polêmica, muito polêmica mesmo. Então quando a gente trata da reforma tributária nacional e matéria de ICMS a gente está tratando da distribuição da receita do ICMS, que parte vai para os municípios, estamos tratando da desoneração do ICMS dos produtos que são destinados à exportação, veja o impacto que isso teria, com relação a reforma estadual; estamos tratando de questões que envolvem créditos de ICMS, se pode ter crédito ou não; estamos tratando de operações interestaduais, ou seja, operações que são feitas, uma empresa daqui adquiri de São Paulo um produto, como é que vai ficar essa distribuição. É certo que a reforma tributária estadual ela precisa necessariamente de um ajuste ou aguardar essa questão da reforma tributária nacional. Esse é um entendimento que, para fechar, ele precisaria dessa sintonia. A outra questão, já adentrando na reforma tributária estadual, primeiro, vejo que há um extremo bom senso do Governo em criar o debate. Se criou o debate em audiência pública, reuniões com setores, enfim, todo esse debate para discutir a questão tributária do estado. Só que a questão é complexa. Há um conflito de interesses enorme. Um exemplo, há conflito de interesses inclusive de setores da mesma categoria. Tem setores da indústria que não concordam com determinado benefício dado ao outro setor, porque vai prejudicar o negócio dele. Então, existe conflito dentro das próprias categorias. Imaginem então colocar isso querendo agradar todos. Não tem como agradar todos. Nós temos que lembrar do seguinte, o Estado ele está inchado do ponto de vista financeiro, todo mundo sabe do problema notório da ausência de recurso do Estado, que precisa arrecadar. Dizer que a reforma tributária vai resultar numa redução da carga tributária, isso não é verdade.

Ponto na Curva: A reforma trará um aumento nos tributos?
Victor Maizman: Vai aumentar. Não existe essa ideia de que vai diminuir. O que está se buscando, que entendo ser um avanço, é equalizar e ter uma diminuição da burocracia. Do ponto de vista tributário nós chamamos de obrigações acessórias. As obrigações acessórias são todas as obrigações que não sejam necessariamente pagar o tributo, é fazer escrituração de direitos fiscais, emissão de notas fiscais, as declarações que o Fisco exige. Essa é uma questão burocrática no nosso sistema e essa burocracia ela fomenta o erro contábil.

Ponto na Curva: Essa burocracia é o maior problema da gestão tributária ou existe outro?
Victor Maizman: O principal problema é a alta carga tributária, porém a burocracia ela acarreta em erro e a consequência do erro, deixar de estruturar um livro fiscal, deixar de emitir uma nota fiscal, um simples erro ele gera uma multa que acaba, digamos, exonerando sobremaneira o contribuinte. O paralelo, ou seja, o diminuir a carga tributária é reduzir essa burocracia, ou seja, não pode ser tão burocrático o sistema que venha acarretar todos esses erros. Como disse, gera multa, gera penalidade e acaba aumentando de sobremaneira essa carga tributária.

Ponto na Curva: A proposta de reforma apresentada pelo Governo do Estado prevê uma alíquota única do ICMS. O senhor concorda? Isso funcionará na prática?
Victor Maizman: Não, porque a Constituição Federal tem um princípio que se chama seletividade. Ele diz o seguinte: quanto mais essencial o produto, menor tem que ser a alíquota. Quanto menos essencial, maior tem que ser a alíquota. Essa é uma regra constitucional que o Estado de Mato Grosso descumpre e que já é objeto de ações judiciais, inclusive tramitando no Supremo Tribunal Federal, com relação a alíquota de energia elétrica e telefonia, que são serviços essenciais, e se for verificar na legislação, o Estado colocou alíquotas de acordo com o consumo. É um serviço essencial, só que é a maior alíquota da nossa legislação é sobre energia, sobre comunicação e sobre combustível, que é outra essencialidade. Então, a legislação de Mato Grosso está errada em relação a esse ponto. Voltando a pergunta, é por essa razão que entendo que a alíquota uniforme vai criar uma injustiça com relação a essa situação, porque nós podemos dizer que temos uma alíquota de 12% a 30%, então se eu colocar uma de 15% estaria prejudicando os serviços essenciais e não essenciais, não estaria equilibrando essa questão.

Ponto na Curva: Hoje o ICMS de Mato Grosso é um dos maiores do Brasil?
Victor Maizman: Sim, o de Mato Grosso é um dos maiores do Brasil, sem dúvida nenhuma e vou dizer porquê. Todos os Estados têm problemas, só que Mato Grosso, ele é - por isso que defendo a industrialização, defendo que Mato Grosso tem que ter incentivo fiscal para a atração de indústrias, porque nós temos poucas indústrias aqui -, representado pelo agronegócio, que é desonerado do ICMS porque, para a exportação, de acordo com a lei federal, é isenta as operações das exportações. A grande riqueza que circula, que incrementa o PIB é a exportação que não tem incidência do ICMS. Então, o Estado para poder fechar a conta acaba aumentando a carga tributária dos consumidores, dos prestadores de serviços, enfim, aqueles que necessariamente geram riqueza do Estado, mas que não estão na categoria do agronegócio. Por essa razão que Mato Grosso tem uma carga tributária elevadíssima.

Ponto na Curva: Teríamos que taxar o agronegócio? Qual sua opinião sobre o assunto?
Victor Maizman: Veja, aí tem que analisar o seguinte, é que nem a questão do incentivo fiscal, defendo o incentivo fiscal, mas com esse intuito que não é para beneficiar quem já está beneficiado, ou seja, estaria trazendo um benefício para quem não precisaria. Um exemplo que nós não temos no estado de Mato Grosso, mas existe no estado de Goiás, que é montadora de veículos. Imagina se vem uma montadora de veículos e se instala aqui no estado de Mato Grosso. Olha o quanto de riqueza que iria trazer, o quanto de vantagens iria trazer. É lógico que, neste momento, dou um incentivo melhor que no estado de Goiás, é um ponto positivo. Essa análise tem que partir desse modo. Para o agronegócio existe uma discussão muito grande com isso. Muitos se defendem dizendo que “não precisa porque não tem mais que dar o benefício para ele” e outros já defendem de forma contrária. Acho que tem que chegar a um meio termo. Sei que existem setores de agronegócio que realmente tem benefício demais, como tem setores que precisam de mais benefícios. Um exemplo, buscar indústrias de fertilizantes que é do agronegócio, acho que deveria ter mais benefícios até para trazer essas indústrias para cá, próximo da própria agricultura, dos polos que chamamos de polos ricos de Mato Grosso.

Ponto na Curva: A reforma tributária vai melhorar o caixa do Estado?
Victor Maizman: Com certeza, o Estado não estaria fazendo a reforma para diminuir o seu caixa. A reforma tributária ela não é para o Estado diminuir sua arrecadação. A reforma tributária é uma iniciativa ótima, excelente, precisa rever vários pontos. A legislação de Mato Grosso é uma legislação extremamente complexa, a maioria das obrigações, é por decreto, são centenas e centenas de artigos, decretos e são vários atos administrativos que até mesmo eles são conflitantes. Um ponto principal da reforma, que acho um grande avanço é exatamente diminuir totalmente essa legislação. Evitar que toda essa burocracia seja maléfica para o contribuinte, como de fato é.

Ponto na Curva: A proposta do Governo também trata dos processos administrativos. A mudança pode impactar para o contribuinte?
Victor Maizman: Existe de um lado a questão da celeridade, onde o Estado quer que seja analisado esse processo administrativo de forma séria e rápida e o outro lado tem o direito há o contraditório, a ampla defesa. Pela proposta do Governo, ele está mitigando direitos. Seriam julgados em instâncias únicas, processos de até R$ 130 mil. Não daria direito a um recurso para um conselho, que se chama Conselho do Contribuinte, que é formado por funcionários da própria Secretaria de Fazenda e de representantes da sociedade, que tem OAB, as federações, enfim. Nós entendemos que tem que dar o amplo direito a defesa e ao duplo contraditório ou a dupla instância de julgamento também para aqueles processos com valor menor. Ou seja, as vezes, se pegar esses valores menores de R$ 130 mil é a grande maioria dos processos, que entra os microempresários. Acho que tem direito também a um recurso para essa Câmara Superior. Esse é um dos pontos que acho que precisam ser alterados. Tem que ter o lado da celeridade, mas também tem que dar o direito da ampla defesa.

Ponto na Curva: Mato Grosso está muito longe de uma legislação perfeita na questão tributária?
Victor Maizman: Sim, porque nosso país é muito heterogêneo. São muitas categorias, muitos interesses. Há um conflito enorme de interesses, como eu disse, em relação a reforma tributária estadual, não se vai ter uma legislação perfeita. Aumenta a despesa pública, aumenta o tributo, essa é a regra. Se chegar ao momento de estancar a despesa pública, acho que aí sim nós vamos chegar o que seria perto do ideal. Por mais que o secretário de Fazenda tenha uma boa intenção, ele vai chegar ao sistema totalmente engessado. Não tem a total gestão sobre o negócio e daí a conta não fecha, o que não tem como reduzir o tributo é só aumentar, então é exatamente isso que ocorre.