facebook instagram
Cuiabá, 26 de Abril de 2024
logo
26 de Abril de 2024

Entrevista da Semana Segunda-feira, 27 de Março de 2017, 11:37 - A | A

27 de Março de 2017, 11h:37 - A | A

Entrevista da Semana / IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Mais de 700 ações interpostas pelo MPE tramitam no Judiciário; passivo a ser recuperado é de R$ 4 bilhões

Há quase 10 anos atuando em defesa do patrimônio público, o promotor Clóvis de Almeida Júnior revela que o maior desafio é recuperar o dinheiro que foi desviado dos cofres públicos

Antonielle Costa



Há quase 10 anos atuando em defesa do patrimônio público, o promotor Clóvis de Almeida Júnior revela que em torno de 700 ações tramitam, hoje, no Judiciário e o passivo chega a R$ 4 bilhões.

Em entrevista ao Ponto na Curva, ele afirmou que o maior desafio do MPE, no que tange a sua área de atuação, é recuperar o dinheiro que foi desviado dos cofres públicos.

O promotor falou ainda de corrução, colaboração premiada, acordo de leniência e prerrogativa de foro.

Veja abaixo a íntegra da entrevista:

Ponto na Curva: Nos dias atuais, qual é o maior desafio da Promotoria do Patrimônio Público de Mato Grosso?
Clóvis Junior: Hoje, no patamar que nós alcançamos, o maior desafio é a recomposição do erário. Porque as investigações estão sendo feitas, as ações estão sendo propostas, elas vêm sendo julgadas. No entanto, mesmo quando a gente consegue as condenações, ainda é um desafio muito grande você recuperar o dinheiro que foi desviado.

Ponto na Curva: Quais as principais ações implementadas na defesa do Patrimônio Público?
Clóvis Junior: Veja bem, a defesa do patrimônio é reflexo do combate a improbidade. Não é qualquer dano ao erário, não é qualquer lesão que o Patrimônio toma conta. Você tem muitas vezes ações que causam danos ao erário, mas que não são atos de improbidade administrativa. Ou você tem situações onde a própria ação do órgão, a existência de uma Corregedoria, de um controle interno, o próprio sistema de controle do órgão público, ele resolve a situação e aplica uma penalidade proporcional. Nessas situações o Ministério Público não entra. Então hoje, o que nós temos feito é trabalhar dentro de uma matriz de risco, análise e de responsabilidade, para poder filtrar e fazer um trabalho qualitativo no combate à improbidade, potencializando os recursos humanos que a gente tem. E infelizmente o recurso humano disponível não é apto a fiscalizar 100% dos atos. Acho que nenhuma instituição, nenhum órgão tem ou almeja fazer isso. Mas, o que nós temos tentamos utilizar da melhor forma possível para alcançar os resultados.

Ponto na Curva: Os casos de improbidade são taxativos na legislação? O que a gente considera como improbidade?
Clóvis Junior: Não. Os atos de improbidade são separados em três grandes grupos: atos de improbidade que causam enriquecimento ilícito, como por exemplo, um peculato é um ato de improbidade; os atos que causam prejuízo ao erário, neste caso além do enriquecimento ilícito causa danos ao erário também, ou então, apesar de não causar enriquecimento de alguém ele vai prejudicar o dinheiro público; e tem os atos que são mera violação de princípios, ou seja, o tratamento dispensado em uma determinada situação, se ele violar o princípio da legalidade, se ele violar o princípio da impessoalidade, da moralidade, ele só por isso já é ato de improbidade. E aí as penalidades da lei vão aumentando de acordo com o grau dessa improbidade. E são basicamente os mesmos: a suspensão dos direitos políticos, ou seja, a pessoa não pode ser candidata a cargo público; a impossibilidade de firmar contrato com administração, se for empresa não pode concorrer a licitação, não pode ter contrato, não pode ser servidor público, multa civil, a obrigação de ressarcir o eventual dano e também, o que a gente tem colocado em ações coletivas, o dano moral coletivo.

Ponto na Curva: Tem surtido efeito?
Clóvis Junior: Tem surtido sim. Pela análise que a gente faz da atual situação, principalmente do estado, que é o âmbito de atuação do Ministério Público Estadual, a gente percebe uma melhoria nos casos que a gente toma conhecimento. Mas, o trabalho não acaba. Quanto mais você investigar, mais você vai descobrir. Nós estamos muito longe de ser uma sociedade ideal. Então, o trabalho vem sendo feito, a gente tem obtido resultados no Judiciário, a gente tem obtido resultados muito bons em acordos feitos dentro desse procedimento e ao mesmo tempo a gente peca na fase executiva. Isso aí é um foco, é um foco que nós estamos tentamos melhorar.

Ponto na Curva: Quantas ações tramitam atualmente em defesa do patrimônio público e qual o montante envolvido?
Clóvis Junior: Em torno de 700 ações entre improbidade e ressarcimento. Só de passivo que a gente tem recuperável está em torno de R$ 4 bilhões, ou seja, é um trabalho muito grande a ser feito.

Ponto na Curva: O que significa esse “passivo a ser recuperado”?
Clóvis Junior: São ações que nós temos alguma medida judicial determinando bloqueio de bens ou determinando a expropriação desses bens ou obrigação de ressarcimento que nós já temos possibilidade jurídica de buscá-lo.

Ponto na Curva: Após inúmeras operações contra a corrupção e atuações em favor do patrimônio público pode se dizer que há uma diminuição nos crimes?
Clóvis Junior: No primeiro momento vai aumentar as ações. Porque, veja bem, nós não trabalhamos com o fato que está acontecendo. Nós trabalhamos com o fato que foi apurado, então consequentemente é um fato passado, no pretérito. Essa atuação hoje talvez ela tenha essa efetividade também, tem vários fatores mas também pela atuação dos diversos órgãos, dos diversos núcleos do Ministério Público, estarem mais próximos. Hoje a gente tem as três promotorias de defesa da ordem tributária. O núcleo de ações de competência da originária, o Gaeco e o Núcleo do Patrimônio trabalhando em sintonia. Isso possibilita um outro nível da apuração, sem contar da estruturação do Gaeco que foi reforçada. Então isso permite muito mais trabalho. E esses trabalhos vão levantar fatos que ocorreram ou que está acontecendo, mas que vão chegar na forma de investigação materializada no Ministério Público para ser proposta essa ação daqui a algum tempo. Então com todas essas ações e todos esses fatos que estão sendo levantados, com todas essas confissões que estão sendo colhidas, isso logicamente vai criar uma demanda muito maior. Então antes de diminuir por conta do efeito pedagógico da atuação do Ministério Público e da imposição de penas pelo judiciário, muito antes disso, nós vamos ter um aumento das ações, das operações.

Ponto na Curva: O senhor acredita que isso pode, daqui alguns anos, inibir a prática ilícita por parte de agentes? Qual a opinião que o senhor tem disso, dessa questão pedagógica?
Clóvis Junior: A gente torce para que o Estado melhore em todos sentidos. Se você tiver um Estado que proporciona políticas sociais dignas, efetivas que melhorem a condução socioeconômicas da população, você efetivamente tem um crescimento civilizatório. E só é esse crescimento civilizatório que melhora a cultura de uma população e faz com que os ilícitos, de modo geral, possam entrar em queda. A gente querer confiar em unicamente no efeito pedagógico de condenações, eu acho muito pouco. A gente tem que lutar por um nível melhor de sociedade.

Ponto na Curva: Com relação a colaboração premiada, ela está sendo bem utilizada pelos promotores da área criminal. Como que funciona na área da improbidade? Há previsão legal?
Clóvis Junior: A Lava Jato tem feito isso todo dia. Hoje o que existe em combate à corrupção é um micro sistema de normas, ou seja, não é uma lei única, não é uma lei que diga que você pode fazer colaboração premiada na improbidade. Pelo contrário. Você tem uma norma que diz que não cabe acordo em ação de improbidade. Ação de improbidade não é investigação de improbidade. Você tem a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei Anticorrupção Empresarial que traz normas de composição, principalmente na lei de improbidade. Você tem normas federais que determinam a necessidade da solução não litigiosa dos conflitos, que é a mesma coisa que diz o Código de Processo Civil. Você tem o processo coletivo de dirigido para as soluções coletivos. Então tudo isso tem que ser lido juntos, tem que ser lido dentro de um sistema. Essa leitura acaba por mitigar essa limitação da lei de improbidade e possibilitar que as sanções da improbidade sejam aplicadas antecipadamente. Então veja bem, um acordo da improbidade administrativa não significa um passe livre para pessoa se desincumbir de qualquer responsabilidade, pelo contrário, ela confessa e recebe a pena antecipada, independente da ação penal. Então você quantifica segundo a responsabilidade dela, a colaboração que ela está dando, uma multa, a obrigação do ressarcimento do dano ao erário, uma suspensão dos direitos da possibilidade de contratação, para a pessoa física uma suspensão de direitos políticos ou eventualmente um dano moral coletivo, dependendo do tipo de conduta, você pega as penas que já existem e as aplicam imediatamente. Ou seja, é um acordo em que há a aplicação das penalidades, há a solução do caso porque a pessoa ou empresa precisa trazer elementos de convicção suficientes para a resolução da investigação e ao mesmo tempo possibilita que você pegue todos os envolvidos, ou seja, é um caminho sem volta. A solução não litigiosa de conflitos é a única saída que a gente tem para otimizar a atuação do judiciário, possibilitar uma maior abrangência e interação com a sociedade e uma resposta para a sociedade de que as condutas praticadas, os danos praticados estão sendo recuperados e isso está voltando para a sociedade.

Ponto na Curva: Com relação aos acordos de leniência, o senhor acredita que também tem efeito?
Clóvis Junior: O mesmo efeito, mas a possibilidade de você fazer o acordo com a empresa, dependendo da circunstâncias que envolvem o fato, é um caminho sem volta. E pode ser o melhor caminho social e econômico e também jurídico.

Ponto na Curva: Com relação a questão da prerrogativa de foro é uma coisa bem polêmica nas ações cíveis. O STF tem um entendimento de que não existe a prerrogativa no caso das ações de improbidade. Esse é o entendimento que o senhor tem?
Clóvis Junior: Lógico. No cível não tem prerrogativa de foro. O STF decidiu isso reiteradamente, dizendo que na improbidade, ou seja, na esfera cível não existe prerrogativa de foro e mais um ponto, as instâncias são independentes, ou seja, aquilo que acontece nas instâncias penal, aquilo que acontece na instância cível não vincula com a outra. É lógico que você tem que analisar essa situação, mas uma não vincula com a outra até porque os elementos subjetivos que configuram ou não uma conduta improba e o crime são diferentes.