facebook instagram
Cuiabá, 26 de Abril de 2024
logo
26 de Abril de 2024

Entrevista da Semana Quarta-feira, 03 de Maio de 2017, 15:28 - A | A

03 de Maio de 2017, 15h:28 - A | A

Entrevista da Semana / "CAMINHO SEM VOLTA"

“A colaboração é importante, mas a lei não é seguida e isso me traz severa reserva”, diz Ulisses Rabaneda

O advogado ainda falou sobre a renúncia do caso de Silval Barbosa, perdão judicial, instituto de prerrogativa e atuação na Justiça Eleitoral

Da Redação



“A colaboração é um instituto importante, um caminho sem volta, mas a lei que a disciplina não é seguida e isso me traz severa reserva. Exemplo disso é a recorrente alegação de que o colaborador não pode ter reserva mental. Isso é uma falácia!”.

O posicionamento é do advogado Ulisses Rabaneda, entrevistado do Ponto na Curva desta semana, ao falar do instituto da colaboração premiada.

Durante a entrevista, Rabaneda falou sobre a renúncia do caso do ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, perdão judicial e prerrogativa de foro.

Ulisses Rabaneda, que tomou posse recentemente como juiz membro no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), comentou sobre sua atuação na Justiça Eleitoral, bem como os desafios em combater a compra de votos.

Ponto na Curva: A renúncia da defesa do ex-governador Silval Barbosa juntamente com os demais advogados, após o anúncio de ele que vai confessar seu crimes, foi uma surpresa para a toda a sociedade. O que aconteceu? O senhor é contra o instituto da confissão?

Ulisses Rabaneda: Realmente muita gente ficou surpresa. Creio que a forma como conduzimos a defesa do ex-governador, exercendo um trabalho técnico e intenso, também diante da confiança que ele tinha em nós, que era visível, contribuíram para essa perplexidade. Fato é que o ex-governador optou por passar a confessar alguns fatos que alega ter cometido. Nossa estratégia, desde o início, era de negativa total de autoria. Como nós, advogados, após defender perante as mais variadas instâncias que nosso cliente não havia praticado aqueles fatos, vamos sustentar, agora, exatamente o oposto? O profissional da advocacia precisa, no mínimo, ter coerência, sem a qual perderá sua credibilidade. Apenas por esta razão resolvemos declinar, o que foi absolutamente compreendido pelo Silval. Portanto, não se trata, em absoluto, de ser contra o instituto da confissão, até porque tenho vários clientes que se utilizam desta estratégia.

Ponto na Curva: A postura adotada por Silval lembra outras adotadas por colaboradores, que após fecharem o acordo com o Ministério Público Estadual começaram a confessar os delitos em juízo. Isso leva a sociedade em geral a crer que ele estaria no mesmo caminho – o da delação? Seria um meio de salvação após um ano e pouco preso?

Ulisses Rabaneda: Hoje, o sentimento de que sem colaboração premiada o preso provisório não sai da prisão, é geral. Isso atinge o réu também. No caso do Silval, ele nunca nos disse ter a intenção de usar este instituto, até porque sempre foi ciente das nossas reservas. Apenas passou a ter interesse em confessar determinados fatos. Não todos, até porque ele continua a afirmar inocência em relação a vários deles, mesmo após essa nova postura. É óbvio que essa mudança é fruto de uma prisão indefinida, que passou a ter contornos de pena definitiva.

Ponto na Curva: Qual o posicionamento do senhor sobre o instituto da colaboração? Há muitas críticas sobre a sua utilização, inclusive no tange a impunidade dos agentes colaboradores, gostaria que falasse sobre o assunto.

Ulisses Rabaneda: A colaboração é um instituto importante, um caminho sem volta, mas a lei que a disciplina não é seguida e isso me traz severa reserva. Exemplo disso é a recorrente alegação de que o colaborador não pode ter reserva mental. Isso é uma falácia! Quando se colabora, a pessoa não é obrigada a falar até o telhado que tacou pedra quando criança. O colaborador se obriga, isso sim, a falar exclusivamente a verdade sobre os fatos em apuração, ou outro que queira revelar. Não há na lei, pois, nenhum dispositivo que o obrigue a revelar todos os seus segredos. Se a lei fosse rigorosamente aplicada, extrairíamos os benefícios do instituto sem ter impunidade. Outra teratologia é a conveniente e seletiva vitimização de investigados.

Ponto na Curva: Aqui no Estado houveram vários casos de colaboradores que viraram vítima, embora tenham confessado o pagamento de propina. O senhor é especialista na área criminal, como vê essa interpretação dada pelo MPE?

Ulisses Rabaneda: Ninguém tem o poder absoluto sobre a ação penal (publica incondicionada). Ela é indisponível. Diante do princípio da obrigatoriedade, quando o promotor deixa de oferecer denúncia contra um investigado, ele é convidado a fundamentar. Mas, não basta lançar qualquer argumento. Ele precisa ser hígido e autêntico. É preciso que se tenha isso em mente. Não vou me arvorar na qualidade de censor da interpretação dada pelo MPE, até pela qualidade de seus membros, mas é preciso refletir sobre esse tema. Como cidadão tenho interesse em saber porque criminosos confessos foram perdoados sem acordo de colaboração.

Ponto na Curva: Há quem diga que as prisões preventivas estão sendo banalizadas e muitas vezes utilizadas para forçar uma delação. O senhor coaduna com esse pensamento?

Ulisses Rabaneda: Que a prisão está banalizada isto não é novidade. Hoje se prende para garantir a ordem pública sobre fatos supostamente ocorridos em 2012 ou 2013. Nem em crimes violentos isso se admite. Não posso afirmar que esta havendo intenção deliberada de se manter pessoas presas para que colaborem, mas, sem dúvida, esta é a impressão que fica. Basta ver quem está preso na operação Sodoma.

Ponto na Curva: Nas recentes prisões em Mato Grosso é perceptível que os que adotam o direito da ampla defesa e contraditório não tem conseguindo revogar as mesmas, mas quem adota a linha da acusação consegue ter os decretos revogados?

Ulisses Rabaneda: Essa percepção é geral. Mas, não há mal que dure para sempre. O Supremo passou a enxergar essas distorções e começou a revogar essas prisões indefinidas. É preciso que a sociedade compreenda que ninguém é tão poderoso ao ponto de dizer que alguém cometeu um crime antes do regular processo legal. Quando é com o vizinho está bom. Quero ver quando acontece na família da gente. As garantias constitucionais, neste último caso, sempre passam a valer ouro.

Ponto na Curva: Falando ainda na área criminal, qual o entendimento do senhor sobre a prerrogativa da função, que deve ser decidida nos próximos dias pelo Supremo Tribunal Federal?

Ulisses Rabaneda: Entendo que o instituto da prerrogativa de função precisa ser reformado, não extinto. Tenho dificuldade em conceber um juiz, por exemplo, julgando criminalmente um desembargador. Não é questão de competência técnica. Isso nossos magistrados têm de sobra. É questão de hierarquia! Creio que a criação de uma (ou mais) vara especializada em 1º grau para processar ações penais contra pessoas com prerrogativa de foro, remetendo à Corte competente apenas para o julgamento, seria uma alternativa interessante. Para isso, demandaria reforma Constitucional.

Ponto na Curva: Recentemente, o senhor foi nomeado juiz eleitoral. O que isso representa em sua carreira profissional?

Ulisses Rabaneda: Integrar o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso tem sido uma grata satisfação. Fui muito bem recebido e acolhido pelos colegas e servidores, que me deixaram muito à vontade já nos primeiros dias. Para minha carreira será uma experiência única. Farei questão de honrar cada voto que recebi dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, bem como a confiança de meus pares, atuando de forma isenta, firme e garantista.

Ponto na Curva: Quais os principais desafios da Justiça Eleitoral? Acredita que é possível acabar com a compra de votos nas eleições?

Ulisses Rabaneda: O principal desafio da Justiça Eleitoral é garantir que chegue às urnas a vontade autêntica dos eleitores. Sem essa autenticidade não há democracia de maneira material, mas meramente formal. A compra de votos não vai acabar pela simples atuação da Justiça Eleitoral. Esta justiça especializada é um importante instrumento de inibição e punição desta prática nefasta, no entanto, apenas com mudança cultural, educando nosso povo, poderemos erradicar esse mal. Isso é um investimento que precisa ser feito agora para colher frutos no futuro. Quem está interessado em fazê-lo?