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Entrevista da Semana Segunda-feira, 25 de Setembro de 2017, 15:37 - A | A

25 de Setembro de 2017, 15h:37 - A | A

Entrevista da Semana / "RETROCESSO"

“A reforma legalizou algumas fraudes que existiam, como a pejotização, terceirização ilícita e contratos intermitentes”, critica procurador trabalhista

Para ele, a reforma, que entrará em vigor a partir de novembro deste ano, pode ser revista pelo Judiciário

Antonielle Costa



“A reforma legalizou algumas fraudes que existiam, como a pejotização, terceirização ilícita e contratos intermitentes”. A crítica sobre a Reforma Trabalhista foi feita pelo procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho de Mato Grosso, Marcel Bianchini Trentin.

Para ele, a reforma, que entrará em vigor a partir de novembro deste ano, pode ser revista pelo Judiciário.

Na entrevista da semana, ele abordou sobre as horas ‘in itinere’, trabalhadoras gestantes em ambientes insalubres, a importância do sindicato, trabalho infantil e escravo, entre outros assuntos.

Confira a entrevista abaixo:

Ponto na Curva: Qual a posição do Ministério Público do Trabalho com relação a reforma trabalhistas? É a favor ou contra?

Marcel Trentin: O Ministério Público do Trabalho não é contra a reforma trabalhista. Ele é contra essa reforma trabalhista que foi feita, pela forma como foi imposta. Vivemos em um país democrático e a democracia está espalhada em cada detalhe do estado e das decisões por ele tomadas. O processo de criação de normas também deve passar pela noção de democracia e isso se faz ouvindo aqueles que serão atingidos ou que defendam os direitos ali modificados. Ouvir o que a sociedade tem a dizer sobre um projeto de lei é democratizar e legitimar aquela lei vindoura. O MPT é instituição independente, essencial à função jurisdicional do estado incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis. Entãom, nós somos os defensores da ordem jurídica em questões trabalhistas. A ordem jurídica tutela direitos sociais de forma fundamental. Nessa defesa da ordem jurídica, o MPT emitiu diversas notas técnicas, com fundamentos jurídicos internos e internacionais, mas não foi, efetivamente, ouvido. Esse foi o grande problema, não houve discussão jurídica para a reforma. Ela foi pensada unilateralmente, com alguns poucos pontos interessantes, mas precarizante no conjunto. Então a conclusão é que o Ministério Público não é contra a reforma e sim a favor do diálogo técnico sobre ela, para que haja a democratização do processo legislativo e a legitimidade da lei. Estamos falando de 209 artigos alterados, dos quais cerca de 65 suprimem direitos anteriormente existentes. 

O Ministério Público não é contra a reforma, e sim a favor do diálogo técnico sobre ela, para que haja a democratização do processo legislativo e a legitimidade da lei

Ponto na Curva: O MPT considera que houve um avanço ou um retrocesso. Se avanço, quais e se retrocesso por qual motivo?

Marcel Trentin: O MPT entende que houve um retrocesso em relação a diversos temas. As dispensas imotivadas coletivas, não mais exigem negociação coletiva prévia (art. 477-A da CLT). A evolução doutrinária e jurisprudencial, inclusive o Tribunal Superior do Trabalho, vinha tratando a dispensa em massa de forma diferente da dispensa individual. O impacto de uma dispensa coletiva é diferente do impacto de uma dispensa isolada, há municípios, inclusive em Mato Grosso, que dependem da economia de uma determinada empresa, por exemplo. Se ela decide dispensar todos, sem articular com o sindicato a forma como isso ocorrerá, o dano coletivo é imensurável aos trabalhadores e à Região. As horas in itinere não serão mais pagas (art. 58, § 2º, da CLT). Aqui diz respeito às horas de trajeto. Antes, o trabalhador tinha direito de receber as horas de trajeto de casa para o trabalho, caso o local do trabalho fosse de difícil acesso ou não servido por transporte público regular, se fosse oferecido o transporte pelo empregador. Aqui sempre se entendeu que o trabalhador estava à disposição do empregador nesse período. As horas gastas pelo trabalhador, a partir de agora, serão entendidas como se ele as tivesse usufruindo da forma como gostaria de usufruir. E não é a realidade. As gestantes voltam a poder trabalhar em atividades insalubres (art. 394-A da CLT). Embora a norma traga o afastamento da gestante nos casos de insalubridade em grau máximo, nos casos de insalubridade em grau médio ou mínimo, a gestante poderá apresentar atestado para afastamento. Aqui parece que o legislador conta com um belíssimo sistema de saúde de norte a sul do país, em que a gestante estará sendo devidamente acompanhada dia a dia por seu ginecologista ou obstetra de confiança. No setor de frigoríficos, por exemplo, a maior empresa existente sequer reconhece voluntariamente a insalubridade a que é condenada dia a dia na justiça do trabalho. Outros temas, a reforma legalizou algumas fraudes que existiam, como a pejotização, terceirização ilícita e contratos intermitentes. Com isso, a Justiça do Trabalho não poderá anular o contrato de autônomo, ainda que trabalhe de modo exclusivo e contínuo, caso observadas as formalidades legais (art. 442-B da CLT). Aqui aumentará a pejotização. Amplia a possibilidade de se fraudar a relação de emprego, pois a própria ordem jurídica permite um autônomo prestando serviços de forma exclusiva e contínua ao empregador. Aqui, a demanda da Justiça do Trabalho tende a crescer, para que se analise inúmeras fraudes perpetradas. Já a previsão de contrato de trabalho intermitente permite que o empregado fique sem trabalho e sem remuneração alguma por longos períodos (arts. 443, caput, e § 3º, e 452-A da CLT). Outrossim, esse trabalhador tem um projeto de vida de, no máximo, três dias corridos, que é o prazo máximo para que ele seja convocado para o trabalho. Enfim, outros temas relativos a homologação de rescisões de contrato de trabalho e rescisão de contrato por acordo, aumentarão bastante a demanda na Justiça do Trabalho.

Ponto na Curva: O MPT acredita que a reforma pode ser revista pelo Judiciário?

Marcel Trentin: Com certeza. Há pontos inconstitucionais na lei e que o Ministério Público do Trabalho provocará o judiciário em controle de constitucionalidade, seja em primeiro grau, pelas ações civis públicas ou diretamente no Supremo Tribunal Federal, como foi feito com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766, que questiona dispositivo da reforma que impõe restrições inconstitucionais à garantia de gratuidade judiciária aos que comprovem insuficiência de recursos, na Justiça do Trabalho. 

Não há qualquer sentido em se terceirizar uma atividade fim, se não for para precarizar e pagar mais barato

Ponto na Curva: A prevalência do negociado sobre o legislado prejudica o trabalhador? Isso dá muito poder aos sindicatos?

Marcel Trentin: A Prevalência do negociado sobre o legislado, permite que o sindicato negocie a não aplicação de direito previsto em lei, situação em que a Justiça do Trabalho examinará apenas aspectos formais da norma coletiva (arts. 8º, § 3º, 611-A e 611-B, da CLT). Antes disso, havia necessidade da convenção ou acordo coletivo, em seu todo, ser equilibrada, ou seja, era possível uma redução de direitos, desde que se compensasse com algum benefício, numa verdadeira adequação à norma aplicável àquela categoria. Após a reforma, ressalvadas algumas questões, como normas de saúde e segurança do trabalho e direitos constitucionais expressos, poderá a norma coletiva apenas reduzir direitos, sem conceder benefício algum. Assim, a prevalência do negociado sobre o legislado poderá prejudicar trabalhadores de uma categoria que não tenha um sindicato representativo, forte, com bom poder negocial. Importante que se esclareça que é necessário o empoderamento dos sindicatos em relação à sua representatividade, motivo pelo qual, a reforma não deveria ter somente retirado a contribuição sindical obrigatória, mas também feito uma reforma sindical completa, retirando o imposto, mas concedendo uma liberdade sindical plena, acabando com a unicidade sindical e preparando os sindicatos para essa reforma, com diálogo, para que os sindicatos possam ser cada vez mais representativos. A retirada da contribuição, por si só, apenas enfraqueceu os sindicatos.

Ponto na Curva: Como o MPT vê a terceirização da atividade fim? 

Marcel Trentin: Esse é outro tema central da reforma. A terceirização sem limites vem com tudo para precarizar. A doutrina e jurisprudência eram pacíficas quanto ao tema. Só era possível se terceirizar, ressalvados os casos de trabalho temporário, atividades meio, que não pertencesse ao núcleo principal da atividade do tomador. Não há qualquer sentido em se terceirizar uma atividade fim, se não for para precarizar e pagar mais barato. Lembrando sempre que a maioria dos acidentes de trabalho e dos calotes se dão em empresas terceirizadas.

Ponto na Curva: Houve alguma mudança no que tange ao trabalho infantil e ao trabalho análogo ao escravo?

Marcel Trentin: Ainda que a reforma não altere a forma como o trabalho escravo é caracterizado pela legislação, o texto traz várias mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que afetam o combate ao crime. Os pontos da reforma que podem ensejar trabalho análogo à escravidão é a terceirização sem limites e a jornada exaustiva. Importante, entretanto, dizer que existem propostas para limitar o conceito de trabalho escravo, que hoje envolve a condição degradante, a jornada exaustiva, a servidão por dívida e o trabalho forçado. Quanto ao trabalho da criança e do adolescente, a reforma prevê que são as próprias empresas que irão definir quais funções são compatíveis ou não com a aprendizagem, a partir do acordo coletivo ou convenções coletivas. Isso acarretará diminuição drástica das cotas, pois diversas ocupações ficarão de fora.

Ponto na Curva: Quais são as ações realizadas em MT para combater esses crimes, que garantam a dignidade do trabalhador?

Marcel Trentin: O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso atua em diversas frentes de Norte a Sul do estado. Atuações na defesa de meio ambiente de trabalho em frigoríficos, madeireiras, área rural, hospitais e construção civil são recorrentes; combate ao trabalho infantil com medidas de prevenção, como MPT na escola, fomento da aprendizagem e o combate às piores formas de trabalho infantil, também são focos; a erradicação do trabalho também é uma das atuações prioritárias no estado.