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26 de Abril de 2024

Entrevista da Semana Quinta-feira, 10 de Maio de 2018, 10:45 - A | A

10 de Maio de 2018, 10h:45 - A | A

Entrevista da Semana / SATISFAÇÃO ENTRE AS PARTES

Câmara Privada é alternativa para resolução de conflitos sem demandar ação no Poder Judiciário

Ana Maria Moser, membro da Media MT, fala sobre os novos métodos e sua resolutividade

Antonielle Costa e Lucielly Melo



Diante do grande número de ações ajuizadas na Justiça, novos métodos para solução de conflitos surgiram para aliviar a demanda no Poder Judiciário e dar mais celeridade ao processo, além de gerar benefícios  à sociedade que possui uma alta cultura de demandar judicialmente.

Em um conflito familiar, empresarial, comercial, entre outros, as partes envolvidas no caso podem procurar resolver a situação a partir da comunicação, identificando soluções para que todos saiam satisfeitos com o resultado. Para isso, é oferecido os métodos de conciliação, mediação e arbitragem.

Em Cuiabá, existe a Media MT – uma Câmara de Mediação e Negociação que é credenciada pelo Tribunal de Justiça para oferecer esses serviços.

Em entrevista ao Ponto na Curva, a mediadora e advogada Ana Maria Moser, que atua na Media MT, explicou que os métodos têm ganhado cada vez mais visibilidade em todo o Estado.

Para ela, mesmo com a redução nas ações, o Poder Judiciário não irá acabar.

“O Poder Judiciário não vai acabar. A sociedade precisa dele para estar definindo questões que não são passíveis de solução entre as partes”, afirmou.

Na entrevista, Moser ainda falou sobre a importância da participação do advogado nas sessões de mediação, conciliação e arbitragem. Outro ponto importante destacado é a resolutividade nos casos e o benefício do método alternativo. 

Confira a entrevista na íntegra:

Ponto na Curva: O que é a Câmara e qual sua finalidade?

Ana Maria Moser: A Câmara é uma empresa privada, prestadora de serviços de gerenciamento e desenvolvimento de procedimentos na área de mediação, conciliação e arbitragem. A função da Câmara é estruturar um espaço neutro e imparcial, onde advogados e seus clientes possam ter uma alternativa de solução do conflito antes de procurar o Judiciário. Esse é o nosso trabalho efetivo, trazer o procedimento para dentro da Câmara, instaurar o procedimento, convidar a outra parte para tentar resolver de forma amigável dentro da Câmara, com a presença de um mediador ou de um conciliador.

Ponto na Curva: Qual a diferença entre mediação, arbitragem e conciliação?

Ana Maria Moser: Temos as três frentes distintas. Atualmente estamos atuando com mediação e conciliação. A arbitragem temos a estrutura pronta e estamos fazendo a seleção dos árbitros para atuarem, até porque é um assunto delicado. A arbitragem tem a sentença extrajudicial, vai existir um julgamento, ela segue um rito próprio muito parecido com o processo judicial, põe na esfera extrajudicial e o prazo para ter uma sentença chega até seis meses, ou seja, um prazo curto em relação ao procedimento judicial e deve estar estabelecido em contrato ou que as partes concordem em trazer para a câmara para análise via arbitragem.

Em breve, talvez, não tenhamos tantos processos, com esse volume que temos no Poder Judiciário. Talvez nossa justiça se torne mais célere

A conciliação e a mediação, nesse novo formato que é da resolução de 125 do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], elas têm características diferentes. Antigamente, íamos para o fórum fazer uma audiência de conciliação, o juiz ou conciliador perguntava 'existe a possibilidade de acordo? sim ou não', não havendo a possibilidade de acordo transferia para um próxima audiência já pensando numa instrução e continuava o processo. Nesse novo formato, onde os mediadores e conciliadores estão capacitados, é totalmente diferente. Trazemos as pessoas. Na verdade, o cliente procura a Câmara, distribui o procedimento dele, é agendada uma sessão, ele pode escolher um mediador, e esse mediador ou conciliador deve ser aceito pela outra parte. Até agora estamos falando de uma maneira equilibrada e totalmente imparcial, só acontece se as partes quiserem, se as partes não tiverem interesse, não vai acontecer. Qual a diferença entre a conciliação e mediação nesse novo formato? As partes são ouvidas, são estimuladas com ferramentas técnicas, obtidas através do curso de capacitação de mediação e conciliação para que elas reestabeleçam a comunicação. Muitas vezes as pessoas não conseguem se comunicar porque elas estão magoadas, porque existe algo por trás daquilo que aconteceu e que está impedindo que elas consigam chegar a uma solução concreta. Elas passam a serem ouvidas, o mediador vai identificar os interesses e necessidades das partes envolvidas, ele não emite parecer, na mediação ele não sugere o caminho para uma conciliação, ele vai ouvindo e as partes vão estruturando o acordo, porque ele vai ter técnicas para poder fazer ouvir e demonstrar o que está acontecendo. Parece meio subjetivo demais, mas funciona. Dos procedimentos que tivemos mediação dentro da Câmara registramos 90,9% de êxito.Percebe-se que tem um resultado e é tão intenso e bom que se a gente tivesse que entrar com um processo judicial quanto tempo isso levaria? E isso as vezes se resolve em uma sessão, então funciona muito.

A conciliação ela tem um pouco de diferença. São as mesmas técnicas da mediação, mas como se trata de questões patrimoniais e não envolve relacionamento entre as partes, diferente da mediação, envolve relacionamento continuado entre as partes, por isso que muitas vezes são questões de família, inventário e até empresarial. Quando a gente demonstra o relacionamento continuado, que existe uma emoção envolvida, a mediação ela é muito oportuna para aquela situação, o próprio advogado vai conseguir ter uma sensibilidade para perceber isso. A conciliação, como ela envolve mais questão patrimonial, as partes começam a discutir, então em algumas oportunidades o conciliador consegue oferecer um caminho 'olha, verifica se esse caminho atende as necessidades de vocês', mas isso é dentro da construção que está sendo realizada, então não é uma sugestão aleatória. Existe uma construção que está acontecendo dentro da sessão e o conciliador que está preparado vai perceber, ele tem uma escuta própria para aquele momento.

Ponto na Curva: Quantas Câmaras existem em Cuiabá?

Ana Maria Moser: Certificadas pelo Tribunal de Justiça, acredito que quatro Câmaras. Mas, existem outras  que estão surgindo e que precisam ser certificadas.

Ponto na Curva: O que o advogado ou as partes precisam se atentar ao procurar uma Câmara, ou seja, um método alternativo para a resolução do conflito?

Ana Maria Moser: Eles precisam observar se a câmara possui regulamento de mediação, de conciliação e de arbitragem. Precisa observar se ela tem espaço de acordo com a resolução do CNJ, como a mesa redonda. Se existem mediadores credenciados e quem são esses mediadores. É necessário constatar se essa Câmara está credenciada, se está registrada na Junta Comercial, se tem CNPJ, são informações que fazem partes de uma empresa, para que ele não leve gato por lebre. E a questão da certificação junto ao Tribunal de Justiça tem a função de dar mais uma oportunidade para a Câmara de estar trabalhando em processos judiciais que sejam encaminhados pelo próprio Tribunal.

Ponto na Curva: A sociedade em geral tem uma cultura de demandar na Justiça, como a senhora vê a procura por esse novo método?

Ana Maria Moser: No ano passado trabalhamos muito levando informação e percebemos que as pessoas não estão conhecendo o tema, é uma coisa que está começando a aflorar dentro da sociedade. Outra coisa, é que estamos falando para a sociedade e para os advogados. Estamos em um Estado que ainda está começando o tema. Mas, temos sentido que as pessoas começam a observar que elas podem utilizar a câmara e o instituto de mediação, conciliação e arbitragem. Isso é excelente para o mercado, estamos trabalhando em movimento constante, evoluindo, os advogados estão se atualizando e é exatamente isso, é tudo uma questão de tempo. Em breve, talvez, não tenhamos tantos processos, com esse volume que temos no Poder Judiciário. Talvez nossa justiça se torne mais célere. É algo muito importante, demonstrar para as pessoas que elas têm o poder de tomar sua própria decisão. Normalmente, a decisão do Estado não atende as expectativas total das duas partes. Pode ser que tenha decisão favorável, mas não é tudo aquilo que esperava ganhar. A questão de ouvir e conseguir identificar os interesses das partes e elas construírem que querem, o resultado é satisfatório, todos saem satisfeitos.

Ponto na Curva: E quanto aos casos que já estão judicializados, é possível trazer para a Câmara e tentar uma acordo?

Ana Maria Moser: Sim, se as partes concordarem elas podem pedir a suspensão do processo e o envio para Câmara. Ou, o juiz faz a suspensão desse processo e as partes do trazem para dentro da Câmara, fazem a tentativa de mediação ou conciliação de um acordo com as técnicas próprias. Saindo o termo, que é um título executivo extrajudicial - imaginando que eles conseguiram chegar nesse consenso, teremos um título executivo extrajudicial. Eles juntam esse documento, pedem a homologação e baixa do processo. Existe um entendimento dentro do Tribunal de Justiça em que haverá encaminhamento dos procedimentos para as Câmaras que estiverem credenciadas. Existem um estudo sendo desenvolvido pelo Tribunal de Justiça, são informações extraoficiais, pois não temos um documento.

A minha concepção é que isso é para sempre e é para realmente mudar comportamento, mudança de comportamento social

Ponto na Curva: O que trouxe de mudança para a sociedade, já que a cultura é de demandar ações no Judiciário? O que beneficia o Judiciário com isso?

Ana Maria Moser: O que sinto nesse período que estamos trabalhando com a Câmara é que temos efetividade no acordos, eles acontecem de acordo com a real necessidade das partes; manter relacionamento, seja comercial, amizade ou familiar, reestabelecendo esse relacionamento; e as pessoas começam a focar a sua energia efetivamente dentro de questões que realmente são necessárias e passam a pensar naquele problema que até então estava sem solução. O Poder Judiciário reduz o número de demandas e começa a ter mais oportunidades de trabalho dentro dos processos que efetivamente dependem dele. O Poder Judiciário não vai acabar. A sociedade precisa dele para estar definindo questões que não estão sendo passíveis de solução entre as partes. Agora, a Câmara vem para trazer uma nova oportunidade, é uma ferramenta nova que inclusive o advogado deve oferecer ao seu cliente se este for o caso. Ele deve identificar, quando fizer entrevista com o cliente, se aquilo que está acontecendo é um caso de mediação ou não. O estatuto da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] prevê isso. Temos a responsabilidade técnica na condição de advogado de entregar ao cliente todas as formas de solução para o conflito que ele está vivendo. A mediação, conciliação e a arbitragem ou o Poder Judiciário, cabe ao cliente tomar essa decisão, temos agora um leque de possibilidades.

Ponto na Curva: Essas novas oportunidades trazem ao cliente menos demora na resolução do conflito. No entanto, alguns advogados preterem a Câmara, pois querem judicializar a situação. Como a senhora vê isso?

Ana Maria Moser: Na verdade, quando saímos da faculdade, a gente tem a expectativa de judicializar, já saímos treinados para isso. Mas, existe também, se observar nesse novo momento que está sendo vivido, os advogados estão buscando consultoria preventiva, trabalhar mais a questão de marketing sem entrar em conflito ético com a OAB, eles estão inovando. O profissional precisa identificar essas possibilidades, ele precisa estar atualizado, observando como o mercado está modificando para que ele consiga acompanhar esse movimento do mercado. A Lei fala, o artigo 334 do Código de Processo Civil determina que o processo judicializado somente não será encaminhado para a conciliação caso na petição inicial o advogado diga que não quer. E se a outra parte ainda manifestar interesse, o juiz ainda vai dar oportunidade para ser encaminhado para a mediação ou conciliação. É um novo momento, isso tá acontecendo porque tem resultado. Estamos trabalhando com processo dentro do Poder Judiciário que estão demorando no mínimo 8 anos, falando até a fase de execução. O cliente nesse período de 8 anos e ele vai enrijecer porque ele não vai mais depender de uma indenização ou qualquer coisa desse processo, quando chegar a fase de execução e a parte contrária tiver interesse de fazer o acordo, ele vai estar enrijecido, já passou a etapa, já passou o período. Ele pode fazer isso lá na frente? Pode, só que é comprovado que pode fazer isso no início. O novo CPC vem com essa proposta, incluindo a possibilidade de antes de dar seguimento no processo, fazer uma tentativa de mediação e conciliação, pois efetivamente gera resultado.

Existe no Tribunal Regional do Trabalho um movimento buscando mediação. Já se trabalhava o índice de acordo no TRT e sempre foi muito alto. Na primeira audiência era feita a tentativa de conciliação e se não desse certo que iria para instrução, e agora estão com uma proposta diferente, estão em fase de estudo. Eles já estão colocando a audiência de conciliação sem apresentação de defesa. Está mostrando que isso é o caminho. Os advogados ainda estão inseguros, mas eles precisam conhecer a ferramenta. Conhecendo a ferramenta não vão ter insegurança. A sessão acontece na presença de advogados, ele é a segurança jurídica. Podemos ter mediadores e conciliadores que não são advogados, e quem vai garantir que aquele título executivo extrajudicial está dentro dos parâmetros legais? É o advogado. Ele não perde o espaço e nem a questão financeira, pelo contrário. Já existem decisões, inclusive dizendo que não modifica os honorários do advogado. O trabalho dele foi feito. A questão do mediador é de estar conduzindo dentro de uma sessão, ouvindo as partes e facilitando a comunicação, e isso não prejudica o envolvimento dos advogados no processo.

Ponto na Curva: Nos grandes centros já é muito comum a utilização desse novo sistema. Você acredita que em Mato Grosso é um caminho em volta?

Ana Maria Moser: Acredito que sim. Hoje vivemos uma busca constante, as pessoas e os advogados começam a procurar mais, começam a identificar a necessidade utilização desse mecanismo, desse instrumento, desses métodos adequados. Sinto que não tem mais volta. A minha concepção é que isso é para sempre e é para realmente mudar comportamento, mudança de comportamento social.