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Opinião Sábado, 14 de Janeiro de 2017, 08:15 - A | A

14 de Janeiro de 2017, 08h:15 - A | A

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O sigilo advogado-cliente é sagrado, Moraes!

Os caminhos que estão a ser trilhados conduzem inexoravelmente ao retrocesso. Isso não se pode negar

Filipe Maia Broeto Nunes



O Brasil verdadeiramente tem vivido, como bem observado pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “tempos estranhos”. A cada dia que passa uma nova e estarrecedora notícia é veiculada pela mídia, evidenciando que Estado Brasileiro tem se tornado cada vez menos democrático e menos de direito. Os caminhos que estão a ser trilhados conduzem inexoravelmente ao retrocesso. Isso não se pode negar.

Problemas político-institucionais têm mostrado que o governo, ao que parece, pelo menos em certos casos, está “(des)governado”, sem saber o que fazer com certas mazelas que de há muito assolam a sociedade de modo geral. Esse quadro vem influenciando drasticamente o Direito, como norma de convivência e pacificação social que é.

Levando-se em consideração que os fatos ocorridos na sociedade devem ser valorados para, somente depois, tornar-se normas (teoria tridimensional de Miguel Reale), poderia se afirmar que tudo está a seguir a normalidade. Afinal, como dizem alguns, situações drásticas pedem medidas enérgicas. E, assim, a cada “fato novo”, uma “nova medida” é adotada.

Ocorre, no entanto, que toda e qualquer medida, abrangendo-se aqui mormente as jurídicas, antes de ser implementada no “mundo real”, tem que observar o conjunto de normas jurídicas posto, uma vez que se o contrariar, fomentará a desordem, e não a ordem – o que não se almeja, destaque-se.

É de ser ver, contudo, que ultimamente o dito “ordenamento jurídico” brasileiro tem sido deveras inobservado e, o pior, reiteradamente desrespeitado. Inobservado, quem sabe, por negligência; desrespeitado, talvez, por dolo.

Malgrado haja inúmeras medidas merecedoras de críticas, far-se-ão, na oportunidade, algumas singelas ponderações no que tange à declaração proferida pelo Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, publicada em diversos meios de comunicação , na qual propôs que fossem gravadas as conversas entre advogado e cliente.

Veja-se, nesse sentido, fragmento da referida entrevista, disponível no site da Folha de São Paulo:

O sr. acha que tem que gravar conversa do advogado com os chefes de facção presos?

Eu acho que tem de ter o controle desse advogado. Recentemente, foi feita uma operação em São Paulo em que foram presos mais de 20 que não eram advogados.

Uma coisa é o advogado da causa, que está defendendo a pessoa, outra é toda pessoa que se identifica como advogado poder ingressar e conversar. Obviamente que, em São Paulo, eram advogados só de fachada, eram criminosos com carteira de advogados, como a própria OAB disse.

Fica clara a generalização feita por Alexandre. Com efeito, indaga-se: por conta de um número ínfimo de advogados que desvirtuam a nobre advocacia (como ocorre em qualquer profissão ou cargo público), prejudicar-se-á a todos? Óbvio que não! Não se criam “regras” com base em exceções! Adotar medidas nesse sentido é afirmar, em outras palavras, que todo advogado é um criminoso com a carteira da OAB e que, por isso, deve ser monitorado. Isso, em absoluto, não condiz com a realidade.

É evidente que tal proposta não encontra qualquer respaldo jurídico e só torna manifesta a falta de razoabilidade que invadiu o Ministro naquele momento o fazendo propalar tão deplorável pensamento. Diz-se deplorável por conta do currículo de quem difundiu a malfadada ideia.

Ora, Alexandre de Moraes sempre foi tido como um grande constitucionalista, profundo conhecedor das temáticas atinentes à regra fundamental do Estado Democrático de Direito, qual seja, a Constituição. Não era de se esperar dele um ataque desse quilate à Carta Magna e à legislação infraconstitucional.

Observe-se que a Constituição Federal é clara ao dizer, em seu artigo 133, que o advogado é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão”. Na mesma toada, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), ao abordar os direitos do advogado, consagra “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

Tamanha a afronta levada a efeito pelo Ministro, que não foi sem razão a crítica da Advogada Criminalista integrante do Instituto dos Advogados Brasileiros, Maira Fernandes, ao afirmar que “é de estarrecer que um constitucionalista proponha a violação do sigilo advogado-cliente, medida evidentemente inconstitucional e ilegal. Há um capítulo inteiro no Código de Ética e Disciplina da OAB sobre isso. Ele já leu? Pois deveria.”

Não obstante as diversas críticas feitas por especialistas, a questão, ao que parece, ultrapassa as barreiras da prerrogativa do advogado. Permeia todo o rol de direitos e garantias fundamentais consagrados no artigo 5º da Carta Política, revelando-se verdadeira clausula pétrea, ínsita ao próprio direito fundamental à ampla defesa e ao silencio em seu desdobramento do nemo tenetur se detegere (vedação de produção de provas contra si mesmo).

A bem da verdade, como se falar em devido processo legal, em contraditório e em ampla defesa tendo o constituinte (preso) receio de falar com seu advogado? Como se advogar para um preso que, ao conversar com seu defensor, omite informações indispensáveis à sua defesa por receio – e com razão, ressalte-se – de serem utilizadas em seu desfavor posteriormente?

Se na conversa, por exemplo, o preso confessar o delito para seu advogado e constar das gravações, o que será feito com esse conteúdo? Decerto não poderá servir para nada, visto que é uma clara hipótese de prova ilícita. Todavia, como aponta Advogado Criminalista André Lozano, “Quem garante que essa conversa não será usada – ainda que não oficialmente – para agravar a situação do réu ou para a acusação antecipar as teses defensivas?”

Insofismavelmente, tal medida é de todo inviável, uma vez que inviolabilidade do advogado, o sigilo advogado-cliente, o direito à ampla defesa e a vedação à prova ilícita consubstanciam cristalinos mandamentos constitucionais, verdadeiras cláusulas pétreas. Bem por isso que Lenio Streck, de modo bastante severo, afirmou no sitio virtual do Conjur que “Até o porteiro do Supremo Tribunal Federal iria declarar essa proposta inconstitucional”.

Em verdade, não há qualquer interpretação que confira validade à ilusória manifestação do Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes; por qualquer prisma que se analise, sua opinião, ao menos nesse caso especifico, não pode e não deve ser levada a sério. Como não ele não pode (des)dizê-la, resta a todos (os defensores do Estado Democrático de Direito) rechaçá-la.

Filipe Maia Broeto Nunes - Acadêmico de Direito da Universidade de Cuiabá - aprovado no 9º semestre no XX Exame da OAB - e Estagiário no Escritório Valber Melo Advogados Associados (Atualmente); Estagiário do Ministério Público Federal, aprovado em 1º lugar, 2015.2; Estagiário do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, aprovado em 1º lugar, 2015.1; Estagiário da Defensoria Pública do Estado do Ceará, 2014.2;