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Opinião Quinta-feira, 17 de Agosto de 2017, 08:00 - A | A

17 de Agosto de 2017, 08h:00 - A | A

Opinião /

Vulnerabilidade do Contribuinte frente à manipulação do Direito Tributário pelo Estado

O Estado é o único credor dentro dos quadrantes do direito que, simultaneamente é o criador, executor e julgador da relação obrigacional

Daniele Fukui Rebouças



A tributação sempre existiu como imposição do Estado, com cunho político e econômico. Desde épocas passadas, mais precisamente no século XVIII era comum a imposição de deveres aos contribuintes, independentemente de normas escritas ou de prescrição das obrigações acessórias em um ordenamento jurídico, e, para garantir a eficácia arrecadatória utilizava-se como instrumento o uso indiscriminado da força. Era nítida a relação de poder, e para justificar o Fisco alegava sua debilidade na relação tributária.

A partir da segunda metade do século XX surgiu o direito tributário com a fisionomia que conhecemos hoje, assentado em uma estrutura lógica de direito, mas que ainda é possível constatar uma atuação em que ocorre uma inversão de paradigma, sendo possível constatar até mesmo uma manipulação do direito tributário.

Neste contexto são oportunas as palavras do doutrinador Benvenuto Griziotti, que em sua obra Princípios de Política aduz que “o fenômeno tributário, enquanto relação fática, socioeconômica, não se limita a ideia restrita de obrigação, de débito e crédito entre Estado e Contribuinte, mas compreende também a própria criação legislativa e sua justificação socioeconômica e, por fim, a adequada aplicação da arrecadação financeiro-tributária pela Administração estatal”. 

É flagrante a fragilidade e vulnerabilidade do contribuinte, que está completamente exposto, em busca de respeito das garantias constitucionais

Ocorre que, na história é comum se deparar com registro de arbítrios praticados pelo próprio Estado desde a criação de normas que violam os princípios constitucionais, bem como as próprias regras sobre criação das normas jurídicas tributárias, que vão até aos arbítrios cometidos pelos agentes de repartições fiscais em nome do Estado.

Valendo-se do axioma da “Supremacia do Interesse Público sobre o particular” e a debilidade da Fazenda Pública, o Estado insiste em promover distorções no Direito Tributário, deixando de buscar a justiça tributária para as partes envolvidas, tanto fisco, como contribuinte, e termina por impor um Direito Arrecadatório.

E neste contexto, com o intuito de demonstrar a vulnerabilidade do contribuinte, destaca-se a conclusão que ressaí de uma análise do ordenamento jurídico, e se constata que o Estado é o único credor dentro dos quadrantes do direito que, simultaneamente é o criador, executor e julgador da relação obrigacional. Partindo desta premissa, não resta dúvida de posição frágil do contribuinte (devedor tributário) diante do seu credor (Fisco).

Para melhor enfatizar, destacam-se as três funções exercidas pelo Estado na relação obrigacional que levam a conclusão a respeito da fragilidade do contribuinte:
Estado como criador na norma jurídica tributária (produção de leis) – Sob este aspecto, verifica-se que a maioria das leis tributárias são geradas dentro do próprio órgão fazendário, e posteriormente apresentado as câmaras legislativas por iniciativa do Governo. Logo, na grande maioria das vezes as leis são criadas pelos próprios agentes Fazendários, que focados em seu trabalho, e diante do dever de cumprir metas arrecadatórias, acabam criando normas totalmente arrecadatórias.

Na sequência, estes projetos de leis são votados pelos parlamentares, que muitas vezes não tem o conhecimento técnico suficiente para discutir a norma, totalmente despreparados, acabam seguindo a orientação de seus respectivos partidos - neste ponto leia-se o interesse de cada um.

Dentro deste contexto que surgem as injustiças tributárias decorrentes de alargamento da base de cálculo, restrições das dedutibilidades, fixação das pautas fiscais e/ou listas de preços Mínimos, penalizações confiscatórias e de cunho político, dentre outras. E para facilitar toda esta sistemática destaca-se a persistência da infralegalidade no âmbito do regime jurídico da Administração tributária, eis que os atos administrativos tributários ocorrem por meio de decretos, portarias, instruções normativas e outros tipos de normas infralegais. Assim, surge uma NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA QUE NÃO REFLETE A JUSTIÇA FISCAL, MAS ATENDE AOS ANSEIOS DO FISCO DE ARRECADAR.

Estado como aplicador da norma jurídica tributária - Sob este aspecto vislumbra-se a prerrogativa que a Administração tributária detém de investigar (fiscalizar), lançar e, ao final formalizar, inclusive unilateralmente se for o caso, o título executivo extrajudicial, que servirá de base para o ajuizamento da execução fiscal. Mais uma vez o contribuinte, está sujeito ao bel prazer do agente de fiscalização que age de acordo com as metas e objetivos estabelecidos pelo próprio Estado.

Estado como julgador da lide tributária - Ponto digno de nota sobre o julgamento da lide tributária reside no fato de que os julgadores administrativos não possuem o mínimo de autonomia, sendo integralmente subordinados ao secretário de fazenda, melhor dizendo ao Fisco, logo, não há qualquer propósito de efetivamente controlar os lançamentos e realizar a justiça. Os agentes são treinados e compelidos a atuar visando os interesses do Fisco, sob pena de sofrer aplicação de sanções funcionais. A título de exemplo destaca-se a comum utilização distorcida dos atos regulamentares expedidos pela Fazenda Pública, como decretos, regulamentos, instruções normativas e até mesmo as portarias, independentemente de lei.

Em suma, além dos argumentos acima apresentados, verifica-se também a dificuldade do contribuinte em compreender a complexidade dos sistemas tributários associados a constantes alterações legislativas; o avanço tecnológico que também tem contribuído para a realização da fiscalização pelos órgãos fazendários, eis que atualmente as operações são eletrônicas (nota fiscal eletrônica, SPED...) e ainda as prerrogativas do Fisco frente ao particular.

Portanto, não há falar em debilidade Fazendária, seja sob o argumento de inacessibilidade das informações do contribuinte, ou qualquer outro. É flagrante a fragilidade e vulnerabilidade do contribuinte, que está completamente exposto, em busca de respeito das garantias constitucionais.

Diante deste contexto arbitrário, a conclusão que se chega é a de que a garantia jurisdicional sempre será o mais valioso instrumento de defesa do contribuinte, assim, o contribuinte deve ficar atento aos seus direitos, e mais do que isso, fazer valer este direito, que vai desde o seu direito de voto, escolhendo cidadãos que realmente representem os interesses do contribuinte na criação de normas jurídicas fiscais justas, imprescindíveis para o desenvolvimento da relação jurídica tributária que favoreça o equilíbrio entre as partes (Fisco e Contribuinte).

Daniele Fukui Rebouças, advogada especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET, e membro da comissão de Estudos Tributários e Defesa do Contribuinte da OAB/MT.