O ex-deputado federal, Victório Galli, foi condenado a pagar R$ 100 mil, a título de danos morais coletivos, após declarações homofóbicas contra a comunidade de Lésbicas Gays Bissexuais e Transexuais ou Transgêneros (LGBT).
A decisão é da juíza Célia Regina Vidotti, da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, que ainda condenou o ex-parlamentar ao pagamento das custas processuais.
A condenação é fruto de uma ação civil, proposta pela Defensoria Pública. Nela, o órgão citou as manifestações preconceituosas e ofensivas feitas por Galli, que teriam incitado a maioria da população a enfrentar a LGBT.
O processo frisou uma entrevista dada por Victório em uma rádio de Cuiabá, quando ele disse que personagens da Disney, como o Mickey e o Rei Leão, fazem apologia ao “gayzismo”. Em um vídeo feito juntamente com o então senador Cidinho Santos, Galli também fez piadas acerca da homossexualidade dos desenhos animados.
Nos autos, ele se defendeu, dizendo que tem o direito da liberdade de expressão e que não fez mais que emitir sua opinião. Alegou também, que a ação apenas destacou trechos da entrevista, de forma descontextualizada, o que não é suficiente para caracterizar o suposto incitamento ao ódio, ao preconceito e à discriminação contra homossexuais.
Mas, os argumentos do ex-parlamentar foram rechaçados pela magistrada. Na decisão, Vidotti concluiu que houve o excesso por parte do acusado.
“Em suas declarações a respeito da Disney, Mickey, O Rei Leão, A Bela e a Fera, o requerido não só atinge as pessoas homossexuais, mas também grande parte da coletividade que, de alguma forma, interage com os desenhos animados e personagens daquela companhia de mídia”, pontuou a juíza.
Não concordar com o homossexualismo ou com qualquer outro fato ou orientação sexual é um direito de qualquer cidadão, é uma garantia legal. O que não pode ser tolerado são os abusos, as manifestações que ultrapassam o razoável. Assim, evidenciando o preconceito, a injúria, ou qualquer tipo de agressão, deve-se haver reprimenda para que tais atos não se repitam
“E mais, para o requerido, família tradicional é aquela composta de casal homem e mulher, separando os homossexuais do que para ele é o “normal”. Logo, se à margem da normalidade, na opinião do requerido, as pessoas homossexuais “são anormais””, complementou.
A magistrada considerou que as declarações de Galli estão carregadas de preconceito, de repúdio e representam “um julgamento do “certo” e do “errado”, quando se refere às pessoas homossexuais, ou seja, àquelas pessoas cuja preferência sexual não corresponde ao padrão social da heterossexualidade”.
Ela lembrou que a liberdade de expressão é uma garantia que não pode ser usada de forma abusiva, permitindo atos de discriminação de qualquer natureza.
“Em outros termos: o direito de liberdade de expressão não é absoluto e deve ser exercido em observância à proteção da dignidade da pessoa humana, de maneira a não humilhar, inferiorizar, ou ridicularizar outrem, sendo esta a hipótese dos autos”, explicou.
“Não concordar com o homossexualismo ou com qualquer outro fato ou orientação sexual é um direito de qualquer cidadão, é uma garantia legal. O que não pode ser tolerado são os abusos, as manifestações que ultrapassam o razoável. Assim, evidenciando o preconceito, a injúria, ou qualquer tipo de agressão, deve-se haver reprimenda para que tais atos não se repitam”.
Segundo Vidotti, a função de parlamentar não autoriza manifestações “como forma de discriminação, como preconceito quanto à orientação sexual do ser humano”.
Destinação da indenização
Desta forma, a juíza o condenou ao pagamento de R$ 100 mil, que deve ser destinado a entidade sem fim lucrativo, em Cuiabá, que esteja regularmente constituída e tenha, dentre seus objetivos, a promoção de ações que visem combater a violência e a discriminação praticada contra a classe LGBT.
“A entidade será escolhida por este Juízo, na fase do cumprimento da sentença, a partir de indicação a ser feita pelo Conselho Municipal de Atenção a Diversidade Sexual”, determinou a juíza.
A ação
Na ação civil pública, a Defensoria Pública de Mato Grosso pediu a condenação de Victorio Galli ao pagamento de R$ 500 mil em danos morais coletivos.
No processo, o órgão alegou que o então deputado federal anunciou que seria defensor do projeto de lei que prevê a possibilidade de líderes religiosos questionarem e criticarem a homossexualidade dos cidadãos, sem estarem sujeitos a penalidade por homofobia.
Segundo a Defensoria, o discurso de ódio pelos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros sempre esteve presente em seus palanques e, que a sua atuação política se limita a categorizar, inferiorizar e ridicularizar todos cuja orientação do desejo está voltada para pessoas do mesmo sexo.
Alegou que o ex-parlamentar se posiciona a referência a duas categorias: “a do homem heterossexual e a do homem gay, este último sempre inferiorizado, quer utilizando a orientação sexual como elemento de injúria, quer atribuindo-lhes traços semânticos nitidamente negativos, como a utilização de adjetivos como “veados”, “dois barbudos se casando”, “zoológico de gays””.
Na ação, a Defensoria destacou a entrevista feita pelo ex-deputado, quando alegou estudos profundos e concluídos de que a Disney e o Mickey fazem apologia ao homossexualismo e estão acabando com a família tradicional brasileira.
Enfatizou, ainda, que Galli criou projeto de lei, que visa criminalizar o uso de banheiros públicos pelos transgêneros.
“Sustenta que as ideologias do requerido remetem a regimes que a humanidade se envergonha, como o apartheid, o nazismo, a eugenia e a islamofobia e que, mesmo diante das muitas manifestações de repudio as suas declarações e a iminência de ser processado e responsabilizado, o requerido manteve o seu discurso, afirmando que “sua opinião não pode ter limite”, disse a Defensoria.
Logo após a ação, o ex-parlamentar se manifestou e disse que tinha direito de dar opiniões. “Se é direito deles dar o que eles querem dar, porque eu não posso dar opinião?”.
Contra isso, a Defensoria foi aos autos alegando que o acionado havia, mais uma vez, se referido aos LGBTs “de maneira chula, vulgar, trivial e que a comunidade homossexual estava prestes a ser jogada novamente à cova dos leões”, pedindo, liminarmente, que a Justiça o impedisse de se manifestar sobre a comunidade homossexual.
Contudo, o pedido liminar foi indeferido e uma possível audiência de conciliação foi dispensada.