A recuperação judicial ainda carrega um estigma que muitas vezes não reflete sua real finalidade nem seus efeitos. Empresas que recorrem ao instituto são vistas com certa desconfiança entre parceiros comerciais, fornecedores e instituições financeiras. Esse olhar equivocado sobre a recuperação judicial ignora não apenas sua natureza jurídica, mas também sua função econômica e social.
O ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei nº 11.101/2005 (reformada pela Lei nº 14.112/2020), estabeleceu um sistema voltado à preservação da empresa viável, da fonte produtiva, dos empregos e dos interesses dos credores. Ao contrário da falência, a recuperação judicial não é um atestado de encerramento das atividades, mas sim um instrumento legal que busca reestruturar passivos, manter a operação e restabelecer a saúde financeira do negócio. Trata-se de uma solução jurídica para tempos de crise — e não de uma ameaça à segurança jurídica, como se costuma alegar de forma apressada.
A narrativa de que a recuperação judicial gera insegurança jurídica precisa ser enfrentada com base em dados, legislação e jurisprudência. É certo que o processo recuperacional traz desafios, entre eles o alongamento de prazos, a novação de dívidas e a suspensão de execuções. Contudo, todos esses efeitos são previstos legalmente e regulados pelo Poder Judiciário, com participação ativa dos credores, Ministério Público, administradores judiciais e demais órgãos de controle.
É justamente essa previsibilidade que assegura a segurança jurídica do instituto. O crédito fornecido a uma empresa em recuperação está protegido por regras claras: as classes de credores são estabelecidas, os quóruns de aprovação do plano são definidos, os meios de recuperação são delimitados e há possibilidade de fiscalização permanente durante sua execução. Ademais, a reforma de 2020 trouxe avanços importantes: admitiu o financiamento DIP com tratamento prioritário, ampliou a recuperação extrajudicial e fortaleceu o papel do credor na condução do processo.
Outro ponto importante: uma empresa em recuperação não perde sua capacidade de competir no mercado. Diversas companhias que passaram por esse processo retornaram à normalidade e, em muitos casos, emergiram mais organizadas, com gestão profissionalizada e estrutura de capital mais adequada à sua realidade. A recuperação judicial é, portanto, uma resposta jurídica estruturada a um problema econômico — e não um fracasso.
Empresas de diversos setores, inclusive do agronegócio e da indústria de base, já demonstraram que é possível se reerguer por meio da recuperação judicial. O que não se pode admitir é que o simples fato de uma empresa estar em recuperação sirva como argumento automático para o bloqueio de crédito ou exclusão de oportunidades de mercado. Essa postura, além de injusta, pode ser contraproducente: ao dificultar o acesso ao financiamento, impõe obstáculos à superação da crise e favorece, paradoxalmente, o desfecho que todos desejam evitar — a falência.
Portanto, é preciso revisar os preconceitos. A recuperação judicial, quando bem conduzida, respeitando os princípios da boa-fé, da transparência e da função social da empresa, representa um ambiente de segurança jurídica e controle institucional. É uma alternativa viável, legítima e essencial para a preservação de negócios e empregos em tempos de adversidade.
Promover essa compreensão é fundamental para que o instituto cumpra sua finalidade: preservar empresas economicamente viáveis, estimular a renegociação com credores e contribuir para a estabilidade econômica. A empresa em recuperação judicial não é uma ameaça à ordem jurídica — é uma demonstração de que a ordem jurídica está funcionando.
Bruno Oliveira Castro é advogado especializado em Direito Empresarial e sócio da Oliveira Castro Advocacia. Sua expertise abrange constituição de holdings familiares, Direito Empresarial, Societário, Falência e Recuperação de Empresas, Governança Corporativa, Direito Autoral e Direito Tributário. Atua como administrador judicial, professor, palestrante e parecerista, além de ser autor de livros e artigos jurídicos. Em 2024, lançou o livro “Herança ou Legado? O que você deixará para a próxima geração?”