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Opinião Quinta-feira, 13 de Junho de 2024, 08:30 - A | A

13 de Junho de 2024, 08h:30 - A | A

Opinião /

Defesa processual delas

A defesa dos agressores de crime sexuais demanda não somente o conhecimento das leis, mas, também, a empatia com o emocional e o psicológico das pessoas envolvidas



Em 23 de maio do corrente ano, foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF nº 1107, que decidiu, por unanimidade, ser inconstitucional a prática de desqualificar e questionar a vida sexual ou o modo de vida da mulher/vítima na apuração e julgamento dos crimes de violência contra as mulheres.

Desde a redemocratização brasileira, com a Constituição Federal de 1988, foi reconhecida no artigo 5º, a igualdade entre homens e mulheres. Já o artigo 226, §5º, dilucida que a sociedade conjugal será exercida igualmente pelo homem e pela mulher. Assim como pelo princípio da dignidade da pessoa humana, artigo 1º, III, que garante as necessidades vitais dos seres humanas.

O conceito dantes utilizado pelo Código Penal Brasileiro quanto à “mulher honesta” não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo retirada mencionada expressão no ano de 2009. Se perfazia em um conceito da cultura do estupro, alimentado pelo machismo estrutural. Apenas rememorando, antes de 2009, para que houvesse a configuração dos crimes contra a dignidade sexual era preciso aferir se se cuidava de “mulher honesta” a respectiva vítima.

Em 2014, através da Recomendação 33, a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, CEDAW, tratou do acesso das mulheres à justiça. O ambiente do sistema de justiça sempre se constituiu em bastante masculinizado, dando azo a que as mulheres não fossem recepcionadas da melhor forma. A participação das mulheres com o acesso digno ao sistema de justiça é medida imprescindível para que se possa falar em democracia.

No ano de 2021, o Conselho Nacional de Justiça trouxe para o Poder Judiciário Brasileiro a obrigatoriedade de adotar o Protocolo para Julgamento com a Perspectiva de Gênero. Assim, passou a ser premissa o julgamento com as lentes de gênero. Atualmente, há que se falar de gênero no espaço de justiça, não se constituindo em parcialidade tal observância.

Através do sofrimento da jovem Mariana Ferrer em uma audiência durante o período pandêmico, foi possível a gravação do ato virtual, advindo a Lei nº 14.245/21. Mariana externou ter sido dopada e estuprada em uma festa, motivo da ação penal. Todavia, foi humilhada e constrangida durante o julgamento do agressor, sendo intimidada e culpabilizada, inclusive, com exposição de fotos íntimas dela. Com a norma que ficou conhecida por Lei Mariana Ferrer, se visa coibir o desrespeito contra as vítimas ou testemunhas judicialmente.

A temida e absurda “legítima defesa da honra”, instituto que nunca existiu processualmente e foi utilizada, passou a ser vedada desde agosto do ano de 2023, tendo declarado o Supremo Tribunal Federal pela respectiva inconstitucionalidade, na ADPF nº 779. Alguns homens foram absolvidos outrora, por terem cometido feminicídio contra as suas parceiras, com a alegação de “legítima defesa da honra”. Com a leviana tese, por um lapso temporal do passado, foi possível matar mulheres quando a conduta delas supostamente houvesse ferido o agressor. No ato da decisão a Ministra Carmem Lúcia disse que a resolução desse assunto é uma questão de humanidade.

Todas as pessoas possuem o direito de defesa, sem que essa venha a ferir a vítima. A defesa dos agressores de crime sexuais demanda não somente o conhecimento das leis, mas, também, a empatia com o emocional e o psicológico das pessoas envolvidas.

A palavra de ordem, com o arcabouço de normas que fazem parte dos direitos humanos das mulheres, é a vigilância.

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública e mestra em Sociologia pela UFMT.