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24 de Agosto de 2024

Penal Sexta-feira, 16 de Agosto de 2024, 10:06 - A | A

16 de Agosto de 2024, 10h:06 - A | A

Penal / ABANDONO DE CAUSA

TJ mantém multa contra advogado por atentar contra prestação jurisdicional

A conduta do advogado ainda será apurada pelo Ministério Público e pela OAB-MT

Lucielly Melo



A Turma de Câmaras Criminal Reunidas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por maioria, manteve o advogado Airton Jacob Gonçalves Graton obrigado a pagar 180 salários mínimos (em torno de R$ 254 mil) por abandono de causa.

O resultado do julgamento, dado nesta quinta-feira (15), se baseou no voto do desembargador Hélio Nishiyama. O magistrado entendeu que houve falta de lealdade, boa-fé e compromisso do advogado com a prestação jurisdicional, visto que teria provocado os adiamentos do júri popular de um réu por duplo homicídio que, por fim, teve a pena anulada em razão da prescrição.

Os autos serão encaminhados ao Ministério Público – que irá apurar se houve danos à coletividade, em razão dos custos gerados pelo Judiciário pelos julgamentos frustrados – e ao Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT)

No processo, Graton defendia o réu pelo crime ocorrido em 28 de agosto de 1997. Inicialmente, o acusado chegou a ser condenado a 28 anos de prisão, mas a pena acabou sendo anulada em sede de recurso e a realização de um novo júri popular foi determinada pelo TJMT.

Quando os autos retornaram ao Juízo de origem, setembro de 2023, o advogado fez uma série de requerimentos nos autos, o que fizeram com que o julgamento fosse postergado em quatro oportunidades. Dentre as condutas relatadas estão: o fornecimento do endereço errado do réu, negativa de conceder o telefone do acusado, petição para ter acesso a documentos dos autos e pedido para substituição de testemunhas. Diante da situação, o magistrado de 1º grau aplicou as multas ao advogado, que não compareceu à sessão do Tribunal do Júri em que o réu foi condenado novamente a 28 anos de prisão – cuja pena acabou sendo prescrita.

A própria OAB-MT recorreu ao TJMT, contestando as multas aplicadas. Isso porque deveria ser considerada a Lei n. 14.752/2023, que exclui qualquer menção à aplicação da sanção da multa, por autoridade judiciária à advogados.

Ao divergir do relator, o desembargador Hélio Nishiyama concluiu que a multa deve ser mantida. Ele explicou que a conduta do advogado foi atentatória à Justiça, o que o fez acreditar que as petições nos autos, às vésperas do processo ser declarado prescrito, teriam sido “meticulosamente” planejadas por Graton para isentar o seu cliente da pena.

Para Nishiyama, a norma citada pela OAB-MT tem natureza processual e não deve retroagir ao caso e que a multa contra o advogado, prevista no 265 do Código de Processo Penal, é a consequência prática do abandono da causa.

“Tenho enorme dificuldade de acreditar que os atos praticados pelo advogado não foram planejados e empregados para protelar o andamento processual, com o fim de alcançar a prescrição da pretensão punitiva e desse modo isentar seu cliente da pena a qualquer custo. As causas que levaram à prescrição me causam espanto, mormente diante aos indícios de que foram meticulosamente planejados pelo defensor”.

Nishiyama enfatizou que o advogado é essencial à prestação jurisdicional, como o promotor de Justiça e o magistrado, mas reforçou que o profissional deve atuar dentro dos limites éticos.

“A atuação do advogado é norteada por um compromisso com a justiça, assegurando que cada etapa do processo seja feita com transparência e justa preservando os direitos e garantias fundamentais de todos os envolvidos. Portanto, sobretudo nos processos criminais, o advogado exerce função vital: proteger o inocente de uma condenação indevida e garantir que os culpados sejam submetidos a um processo justo, com penas proporcionais aos crimes cometidos”.

Oriundo da OAB-MT, o desembargador enfatizou que foi difícil formular o voto. Entretanto, frisou que o caso se tratou de uma “gincana processual”.

“Lógico que sendo membro da Corte vindo da advocacia, em especial de uma advocacia criminal, é um voto difícil e que não vejo que seja uma traição às origens. Eu fui pela minha vida um advogado criminalista e consigo compreender quando um advogado não comparece à um ato de forma legítima, quando, eventualmente, foi constituído às vésperas de uma audiência e não deu tempo de se preparar e pede a redesignação... Aqui não se tratou de uma advocacia criminal. Aqui se viu uma gincana processual, foram cinco júris consecutivos com o advogado não comparecendo. O juiz desconstituiu o advogado, que e pediu para desconsiderar e o juiz acolheu, mas o advogado não compareceu”.

“Eu que venho de uma advocacia criminal tenho a convicção que o que foi julgado aqui não é uma advocacia legítima. Atentar contra o andamento do processo, atentar contra a prestação jurisdicional não tem nada a ver com a advocacia. O advogado, assim como o promotor, como o magistrado, tem um papel fundamental para a justiça. Tem que convergir energias para que o processo criminal tenha um desfecho. Nem a advocacia quer esse tipo de conduta”, encerrou.

Placar

Acompanharam a divergência os desembargadores Orlando Perri, Luiz Ferreira, Gilberto Giraldelli, Marcos Machado, Rondon Bassil e Paulo da Cunha.

Restaram vencidos o relator, desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues, e os desembargadores Lídio Modesto, Pedro Sakamoto e José Zuquim.