Da Redação
A desembargadora Clarice Claudino, que atua no Núcleo Cultura de Paz do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), defende que é possível ampliar os benefícios da prática do Direito e da Justiça para além dos processos litigiosos.
“Podemos resolver um problema sem necessariamente termos um litígio judicial. Mas, para isso, precisamos de uma atitude sistêmica, que enxerga, escuta de maneira atenta o cliente e adota uma comunicação sem julgamentos”, explicou a magistrada em debate promovido pelo Instituto Mario Cardi Filho.
“Maria e Paulo estão brigando por uma laranja. A solução mais intuitiva seria cortá-la ao meio. Mas, se ouvirmos atentamente Maria e Paulo, descobrimos que ela quer o sumo da fruta, e ele, a casca. Cortá-la ao meio não irá resolver nada para ninguém”, exemplificou a magistrada.
A desembargadora esclareceu que o Direito Preventivo funciona no que ela chama de “formato ganha/ganha”.
“Com um diálogo bem conduzido, ouvindo atentamente, conseguimos identificar o que verdadeiramente quer o cliente. É uma quebra de paradigmas porque empoderamos o cidadão, que passa a ser o protagonista. O advogado passa a atuar como um consultor e isso requer humildade por parte do profissional”.
Atuação de advogados
O especialista Ussiel Tavares ponderou que os advogados, de forma geral, ainda têm resistências a aplicação de métodos alternativos de resolução de conflitos.
“Ainda somos treinados para o litígio. A dinâmica da advocacia preventiva gera dúvidas. Alguns questionam a forma de pagamento, perguntam se irão perder os honorários. Ninguém quer ceder o espaço profissional duramente conquistado”, observou.
E, de acordo com Clarice Claudino, a prática da advocacia permanece viva, pois o advogado é o profissional qualificado para orientar o cliente sobre outras formas de solucionar o conflito, evitando embate litigioso.
“Levamos esse novo paradigma para a OAB-MT há alguns anos. Na época, o terreno era muito árido para essa forma de se pensar a atuação profissional. Aos poucos, começaram a nos ouvir. Hoje, temos mais de 4 mil profissionais qualificados para a conciliação em Mato Grosso”, comentou a desembargadora.
Direito Sistêmico
A magistrada apontou que as “novidades” do Direito Sistêmico – que emprega o método de constelação familiar criado por Bert Hellinger no sistema judiciário – refletem, na verdade, respostas às demandas contemporâneas na área jurídica.
“Inicialmente, tivemos a preocupação em abrir as portas da Justiça à população mais pobre. A partir de 1988, surge uma segunda onda, com a consolidação dos direitos fundamentais do cidadão. Pouco depois, temos a terceira onda, marcada pelo Código de Defesa do Consumidor, quando temos um aumento considerável no volume da litigiosidade”.
Na década de 2010, somente o Poder Judiciário de Mato Grosso atinge o patamar “insustentável” de mais de 100 milhões de processos em trâmite, conforme lembrou Claudino.
“Como administrar tudo isso? A partir de então, a prioridade tornou-se ‘sair’ da Justiça, e não mais entrar, porque a conclusão dos processos era muito difícil. E isso ocorreu, e ainda ocorre, porque adotávamos um único remédio para toda e qualquer doença: a sentença judicial”, recorda a desembargadora.
“Quando percebi essa situação, passei a investir a minha energia e o meu tempo pessoal na causa da advocacia preventiva. Aprendi que a consensualidade traz leveza, gera relações mais saudáveis e é extremamente eficiente”, afirmou.
Uma das áreas com melhor resultado no emprego do Direito Sistêmico como forma de se prevenir o litígio é a Vara de Família.
“Muitos inventários familiares podem ser resolvidos de forma harmoniosa usando a constelação familiar. Se mal conduzidas, essas histórias podem não só empobrecer a estrutura familiar como um todo, como adoecer as pessoas. Com isso, todo um patrimônio não apenas material, mas emocional pode se perder”. (Com informações da Assessoria)