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Entrevista da Semana Segunda-feira, 05 de Fevereiro de 2018, 11:56 - A | A

05 de Fevereiro de 2018, 11h:56 - A | A

Entrevista da Semana / PESSOAS COM FORO PRIVILEGIADO

"A colaboração vem rompendo um paradigma e nunca se viu gente que era intocável respondendo ações penais", diz chefe do Gaeco

O promotor de justiça, Marcos Bulhões, ainda contou sobre a expectativa de trabalho do Gaeco para este ano, a competência dos delegados para firmar acordos de colaboração, da prerrogativa de foro e sobre a condução coercitiva aplicada em operações

Antonielle Costa



"A colaboração vem rompendo um paradigma e nunca se viu gente que era intocável respondendo ações penais".

O posicionamento foi feito pelo promotor de justiça, Marcos Bulhões, coordenador do Grupo Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), em conversa com o Ponto na Curva sobre o efeito da colaboração premiada nas investigações criminais.

Durante a Entrevista da Semana, o chefe do Gaeco ainda falou sobre a competência dos delegados para firmar acordos de colaboração, da prerrogativa de foro e sobre a condução coercitiva aplicada em operações.

VEJA A ENTREVISTA ABAIXO NA ÍNTEGRA:

Ponto na Curva: Gostaria que o senhor fizesse um balanço do trabalho Gaeco no ano passado. Houveram poucas operações se comparado aos anos anteriores, é o perfil do senhor?

Marcos Bulhões: Na verdade a gente tem que ver o histórico local e nacional que teve um pico em 2015, 2016. Até o ritmo da Lava Jato não é aquele ritmo intenso. A gente trabalha muito hoje é com o material colhido nesse período. Evidentemente quando se atinge um certo ápice de atuação, as pessoas esperam que isso permaneça e que durante um período que essa seja a regra. O trabalho existe e está sendo feito. A questão é, tudo tem seu tempo para acontecer.

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Ponto na Curva: Então podemos dizer que o Gaeco hoje realiza um trabalho mais interno com provas oriundas de delação premiada?

Marcos Bulhões: Não necessariamente. Nós temos material novo. O ano passado por exemplo, a Operação Convescote é um material novo, é algo que não tínhamos antes de 2016, e corriqueiramente surgem notícias de fatos, só que não necessariamente toda denúncia que chega aqui tem a procedência, a gente trata com bastante responsabilidade para não sair instaurando procedimento e ir estourando operação com fato que não tem procedência. A gente recebe as denúncias, os materiais, sejam de órgãos, sejam de populares, buscamos verificar se isso é ou não procedente para depois darmos os encaminhamentos. Temos também, além de material novo que sempre está chegando, muita coisa para trabalhar em cima das ações que ajuizamos. Nossa preocupação é cuidar para que as ações que foram ajuizadas tenham procedência e tenham resultado útil. Quando se fala em trabalho do Gaeco não é só operação. Cuidamos das ações penais, tentamos recuperar patrimônio, com o julgamento a gente tem que verificar se esteve a contento com o pedido do Ministério Público, se não, temos que recorrer. Esses procedimentos todos a gente faz. Não é só questão investigativa, a gente faz toda questão processual também.

Ponto na Curva: O senhor saberia me dizer uma média de investigação em trâmite hoje?

Marcos Bulhões: De cabeça é difícil. Temos algumas investigações que elas tiveram alguns percalços que é a questão de foro de prerrogativa e isso atrapalha muito. Às vezes está avançando em uma investigação, tem que parar porque esbarra em pessoas com prerrogativa de foro. Então vamos supor: tem investigação que ela pode dar bons frutos, que dá para evoluir, descobrir todo o esquema, mas daí esbarra em um a prerrogativa de foro e daí tem que mandar para o Tribunal de Justiça, para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal e a gente depende da boa vontade desses tribunais em analisar e nos devolver. Isso tem acontecido com muita frequência.

Ponto na Curva: O senhor é a favor da prerrogativa de foro?

Marcos Bulhões: Isso não é muito simples. Ao mesmo tempo que a prerrogativa de função ela impede, ela dificulta a investigação pelo menos aqui em primeiro grau, por outro lado são garantias que devem existir para garantir o trabalho da investigação, do processamento, que os juízes tenham a liberdade e competência para julgar. Então é uma matemática que não é muito simples. É uma decisão que parece ser política, evidentemente o Congresso vem debatendo isso, mas deve ser bem pensada e discutida.

A sociedade tem que compreender é que muitas vezes tem que abrir mão de penalizar alguém que fez alguma coisa errada, para que possa descobrir outras pessoas ou esquemas maiores que foram praticados

Ponto na Curva: O senhor reconhece que muitas vezes isso gera impunidade, uma vez que existem casos de processos que ficam indo e voltando e depois acabam prescrevendo?

Marcos Bulhões: A experiência tem mostrado isso, a gente vê na Lava Jato, a quantidade de casos que são julgados na primeira instância e a velocidade que isso é julgado nos tribunais superiores. Isso é uma demonstração de que a eficiência do julgamento, até por ser menos burocrático do que nos tribunais, em primeiro grau é maior, é muito mais rápido o julgamento no primeiro grau do que nos tribunais quando não tem prerrogativa de função.

Ponto na Curva: O foro em si, além de colocar a questão da competência, não é comum a gente ver pessoas que estão no cargo sendo investigadas, certo?

Marcos Bulhões: Em 2014, às vezes até tinha investigação, mas não tinha evolução dessa investigação em torno dessas pessoas com essa prerrogativa. Já de 2014 a 2015, com a popularização do instituto da colaboração premiada tornou-se mais comum as investigações evoluírem, progredirem sobre aquelas pessoas que tinham prerrogativa, foi uma tendência iniciada com a colaboração. Hoje, uma vez que faz acordo de colaboração, a pessoa colocou no papel o que ela sabe envolvendo pessoas com prerrogativa, não tem mais como voltar atrás. Antes, queira ou não, as pessoas ficavam melindradas, com receio "ah porque vou falar de sicrano, beltrano, depois com eles não acontecem nada e acaba sobrando tudo pra mim", e a pessoa acabava que não ganhava nada com isso. Ela via que dava o depoimento, a pessoa que era delatada acabava não sendo responsabilizada, porque tem um trâmite mais demorado, e acabava sofrendo consequência daquilo. Hoje com a colaboração, essas pessoas se sentem mais motivadas em falar o que elas sabem pois elas têm benefício para fazer isso. Na minha visão, esse é um grande mote na evolução das investigações sobre essas pessoas com prerrogativa. Temos a expectativa é que os tribunais, que também não tinham uma prática de instruir processos envolvendo essas pessoas, que eles criem mecanismos mais ágeis para que isso aconteça, para que eles acompanhem o que está sendo feito aqui no primeiro grau.

Ponto na Curva: Hoje a investigação nos tribunais superiores ainda é um pouco lenta?

Marcos Bulhões: É mais burocrático, não só a investigação no tribunal, mas os processamentos das ações nos tribunais são mais lentos do que em primeiro grau.

Ponto na Curva: Sobre o instituto da colaboração, não tem como não reconhecer que é um avanço nas investigações criminais, mas ele ainda é alvo de críticas. As pessoas ainda não entendem, questionam que o colaborador que delatou, desviou R$ 100 milhões, por exemplo e devolveu R$ 20 milhões, fez acordo e o Ministério Público pediu redução de pena ou perdão judicial. Qual é o posicionamento do senhor com relação a questão da penalidade do acordo?

Marcos Bulhões: Veja bem, a lei ela dá alguns parâmetros para seguir. Como todo instituto jurídico novo, é evidentemente que ele passa por uma fase de ajustes. Isso aconteceu com a Lei nº 9.099 que, quando foi criado o juizado, os delitos de menor potencial ofensivo, iniciou-se ali a prática de negociação da pena, uma coisa que não fazia parte da nossa cultura jurídica. Na época causava crítica, porque a pessoa era levada ao Poder Judiciário e não era penalizada como as demais vítimas esperavam que fossem. Hoje não é muito diferente da colaboração. É um instituto que está entrando no nosso ordenamento ainda recente, queiram ou não, embora as pessoas dizem "fulano desviou dinheiro, praticou determinado crime, delatou todo mundo e acabou não sendo penalizado". Se não der estimulo, benefício para que essas pessoas digam o que elas fazem, porque quando se fala em crime organizado especificamente só vai ser esclarecido o crime organizado quando alguém de dentro falar como funciona. E não vai convencer ninguém a falar se não der benefício. A sociedade tem que compreender é que muitas vezes tem que abrir mão de penalizar alguém que fez alguma coisa errada, para que possa descobrir outras pessoas ou esquemas maiores que foram praticados. Se não abrir mão, não abdicar dessa punição, infelizmente a gente vai ficar naquela mesma mesmice de sempre. Ou seja, a gente pegaria um ou outro, ficaria limitado ao que se descobrisse e nunca as coisas iriam evoluir. É um paradigma que a colaboração está rompendo, tanto que nunca se viu tanta gente que era intocável respondendo ações penais.

A medida da condução coercitiva ela visa causar um dano menor, e talvez é essa visão que as pessoas não tenha, então se evita de prender para os fins investigatórios usando o instituto da condução coercitiva

Ponto na Curva: Existe uma discussão de que os delegados podem fazer acordo de colaboração. Como o senhor vê isso? Entende que é um papel primordial do Ministério Público?

Marcos Bulhões: Não vou adentrar nessa questão se eles podem ou não fazer colaboração. Uma coisa é certa: o Ministério Público tem que participar do processo de colaboração, porque queira ou não a titularidade da ação penal é do Ministério Público, é ele quem vai poder ou não dispor e. E também cabe o controle do judiciário para verificar a legalidade desses acordos que são feitos. Particularmente, entendo que toda prática que visa esclarecer o fato, ou seja, o crime, é válida, mas a forma de que ela vai ser feito é que cabe uma discussão mais aprofundada. O Ministério Público não pode ficar fora, em hipótese alguma, desse processo de negociação. Ninguém pode negociar aquilo que não tem. Não tem como abrir mão de uma punição, se não é ele o titular da ação.

Ponto na Curva: Houveram muitas colaborações nos últimos anos. Um fato meio difícil identificar, é a mentira na colaboração. Como atuar pra evitar que isso ocorra?

Marcos Bulhões: A colaboração não se restringe exclusivamente às palavras do colaborador. Ela tem que vir acompanhada de outros elementos de provas que deem amparo àquilo que o colaborador está dizendo. Evidentemente que dentro de tudo que ele fala, de dentro de todo o universo de informações que ele traz de provas, alguma coisa não esteja acobertada de uma prova material, um documento, mas ele tem que dar pelo menos o caminho de como se buscar a comprovação do que ele está dizendo. Quando firma acordo de colaboração, a pessoa que está firmando acordo com o Ministério Público, ela tem obrigação de apresentar as provas daquilo que está dizendo, assim como dar caminho das provas daquilo que está afirmando. Uma vez feito o acordo de colaboração, é possível que a defesa da outra parte vem e demonstra que aquilo que o colaborador disse é mentira, aquilo que ele provou de alguma forma é mentira, isso é possível de acontecer. Não é porque o colaborador disse, fez a declaração e assinou, que aquilo lá é imutável. Ele que é colaborador que tem a obrigação de se prender na sua consciência e dizer aquilo que sabe e como ele prova aquilo lá, e não inventar alguma coisa para seduzir o órgão acusador para que faça colaboração com ele e ficar impune. Ele vem e faz a colaboração, se ela for substancial e proceder, ela é feita e homologada pelo juiz. Mas, se descobrir se ele faltou com o compromisso de dizer a verdade, ele vai responder pelo fato, ele perde o benefício, e aquilo que ele falou pode ser usado contra ele. Não é possível no momento da colaboração ter uma certeza absoluta que tudo aquilo que ele está dizendo é verdade. A questão é, o que ele apresenta tem que estar amparado por outras informações. Aquilo lá vai ser colocado em juízo e se ficar provado que o indivíduo mentiu, ele vai responder pelo fato.

Ponto na Curva: Recentemente houve um debate muito grande sobre a condução coercitiva. As pessoas às vezes criticam que tem muitas conduções coercitivas e prisões, que talvez seriam descabidas, que poderiam aplicar outras medidas e não se aplicam. Como que o senhor vê isso?

Marcos Bulhões: Quando se diz outras medidas, também ninguém fala quais são essas outras medidas que teriam a mesma eficiência. A condução coercitiva já é uma medida, e isso as pessoas acabam não analisando, mas é uma medida para causar o mínimo de dano possível às pessoas que são investigadas. Poderia optar pela prisão temporária, como era antigamente, não é pior? Se tem que ouvir alguém e tem que evitar que as pessoas que serão ouvidas no mesmo momento possam combinar uma versão entre elas, ao invés de pedir uma prisão temporária que vai causar um impacto negativo no investigado, um trauma muito maior, se conduz, ouve e libera. Mas, uma parcela no meio jurídico ainda acha que isso é demais. Mas, não se apresenta outra possibilidade que cause tão pouco dano com a mesma eficiência. A medida da condução coercitiva ela visa causar um dano menor e talvez é essa visão que as pessoas não tem, então se evita de prender para os fins investigatórios usando o instituto da condução coercitiva.

Ponto na Curva: Como vai ser o trabalho do Gaeco para este ano? Tem uma perspectiva de quantas operações ocorrerão?

Marcos Bulhões: Nós temos algumas investigações que estão em andamento. Temos expectativa de receber material decorrente de outras investigações nossas. O planejamento desse ano é em cima do que a gente tem em andamento e ainda temos guardar espaço para dar seguimento as operação todas que acabaram de alguma forma limitadas pela questão de competência. Algumas coisas vão evoluir, muitas ações estão sendo julgadas, e algumas delas têm por onde evoluir. Além disso, temos o material que a gente trabalhou o ano passado.