facebook instagram
Cuiabá, 22 de Novembro de 2024
logo
22 de Novembro de 2024

Entrevista da Semana Terça-feira, 17 de Março de 2020, 08:44 - A | A

17 de Março de 2020, 08h:44 - A | A

Entrevista da Semana / DESAFIOS NO AMBIENTE DE TRABALHO

“Fui muito discriminada no início da carreira por ser promotora de Justiça mulher e jovem"

Eunice Helena acredita que as mulheres estão ocupando, aos poucos, os lugares que eram geralmente preenchidos pela figura masculina

Lucielly Melo



“Fui muito discriminada no início da carreira, porque ao lado de ser mulher, fui, à época, a Promotora de Justiça mais jovem em Mato Grosso, tinha 25 anos. Os advogados entravam em meu gabinete e queriam me ensinar a fazer minhas denúncias. Veja o absurdo”.

A declaração é da subprocuradora-geral de Justiça Administrativa, Eunice Helena Rodrigues de Barros, em entrevista ao Ponto na Curva, em continuidade a série de reportagens com mulheres que exercem cargos importantes do meio jurídico, visando retratar os desafios enfrentados em ambientes predominantemente dominados por homens.

Somando quase 33 anos de carreira no Ministério Público do Estado, Eunice Barros contou sua trajetória até chegar ao cargo de subprocuradora-geral de Justiça Administrativa.

Para ela, as mulheres estão ocupando, aos poucos, os lugares que eram, geralmente, preenchidos pela figura masculina.

“Quando a mulher resolve, por opção própria, ocupar um lugar que é preenchido predominantemente por homens, a pressão sobre ela, é imensa, a cobrança é dobrada e, inevitavelmente nós, mulheres, temos que demonstrar a nossa capacidade, não basta ter um excelente currículo torna-se necessário demonstrara nossa competência para aquele cargo, aquela função... Ademais, verdade seja dita, nós, mulheres, dificilmente reclamamos do excesso de trabalho, ao contrário, vamos seguindo em frente com nossa jornada de trabalho tripla e às vezes quádrupla. Existem mulheres que além do trabalho, casa, filhos ainda dão aula tendo, assim, que elaborar aulas, provas… E isso tudo com impecável competência, modéstia à parte”.

"No Ministério Público a rotina de trabalho é exaustiva, não resta dúvida, mas é, também, gratificante, na medida que prestamos um serviço para a sociedade a que pertencemos. Só para se ter uma ideia do quanto nós, mulheres, avançamos na ocupação do nosso espaço no Ministério Público: o júri sempre foi um ambiente predominantemente masculino, quase não se viam mulheres como advogadas de defesa e, menos ainda, no papel de acusação, como é o caso das promotoras de Justiça. Entretanto, em Mato Grosso, temos uma colega promotora de Justiça como presidente da Confraria do Júri e uma colega procuradora de Justiça na coordenação do Gaeco, além de outras colegas atuando no Gaeco. Isso, por si só demonstra o quanto estamos avançando na ocupação de espaços que antes eram ocupados mais por homens! Vejo, ainda, com alegria nos dias de hoje um número crescente de mulheres me dizendo que sonham em ingressar na carreira do Ministério Público. Mas, reconheço, ainda há muito por fazer… precisamos, por exemplo, de mais mulheres na política, até para nos dar respaldo aos nossos direitos, editarem leis que venham nos favorecer", completou.

VEJA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:

Ponto na Curva: Inicialmente, gostaria que falasse um pouco sobre sua carreira profissional.

Eunice Helena: Assim que me formei na Universidade Federal, trabalhei no Judiciário como assessora jurídica. Atuei também na Câmara Municipal de Cuiabá como consultora jurídica. Depois fui fazer concurso público para Procuradoria-Geral do Estado, porém, por determinação judicial, o certame foi adiado, quando surgiu o concurso para o Ministério Público. Aliás, costumo dizer que sempre tive o MP no DNA, porque desde pequena, frequentava o meio do Ministério Público porque meu pai era promotor de Justiça, hoje aposentado. Ao estudar para o concurso do Ministério Público, isto nos idos de 1987, fui cada vez mais me apaixonando pela instituição. Felizmente, logrei êxito em ser aprovada e, lá se vão quase 33 anos de instituição em que me vejo completamente realizada.

Ponto na Curva: A senhora trabalhou em diversas áreas até chegar a de procuradora?

Eunice Helena: Sim, porque quando se entra no Ministério Público, é o que costumo dizer, se torna um clínico geral do Direito: atua na área cível e na criminal no início da carreira. No meu tempo ainda não tínhamos funcionários, sequer uma secretária ou atendente, éramos somente nós, os promotores de Justiça, alguns livros jurídicos para consulta, uma máquina de escrever manual e nada mais. Com o tempo comprei minha máquina de escrever elétrica e depois a instituição foi se modernizando e adquirimos máquinas elétricas. Logo depois, chegaram os computadores. A medida que fui progredindo na carreira, me enveredei para a área cível e me encontrei na Promotoria de Família e Sucessões. Hodiernamente, cheguei ao ápice da carreira no Ministério Públicos, no cargo de procuradora de Justiça e, atualmente, aceitando o honroso convite do procurador-geral de Justiça, José Antonio Borges Pereira, estou subprocuradora-geral de Justiça Administrativa.

Se olharmos para traz e vermos o quanto avançamos, desde a conquista ao direito de estudar (a mulher no império era propriedade do marido) e, depois, o nosso direito a voto que nos propiciou, depois, o ingresso na carreira política, até os dias de hoje, há muito o que comemorarmos, mas, igualmente, ainda há muito por fazer

Ponto na Curva: Qual a atribuição da senhora?

Eunice Helena: Na condição de subprocuradora-geral administrativa, todas as demandas, como o nome está a indicar, administrativas, passam pelas minhas mãos: férias, licença-prêmio, aposentadorias, enfim. É um trabalho bem dificultoso, porque algumas decisões que tomo, evidentemente, não agrada todo mundo, aliás ainda não foi descoberta a fórmula de agradar a todos. Quando tomei posse no cargo de promotora de Justiça, meu pai me deu um quadro que me acompanha desde então e ocupa a parede de meu gabinete e que contém uma frase atribuída a John Kennedy que diz: ‘Não posso lhe dar a fórmula do sucesso, mas a do fracasso é querer atender a todos’.

Ponto na Curva: Mato Grosso já teve alguma mulher à frente da Procuradoria-Geral de Justiça?

Eunice Helena: Nunca tivemos procuradora-geral de Justiça, mas subprocuradora-geral e corregedora, cargos estes ocupados pela procuradora de Justiça Eliana Cícero de Sá Maranhão Ayres Campos e as corregedoras adjuntas: procuradora de Justiça Naume Denise Nunes Rocha Muller e procuradora de Justiça Mara Lígia Pires de Almeida Barreto.

Ponto na Curva: A senhora atribui essa falta de representatividade à quê? Discriminação, política, falta de interesse?

Eunice Helena: Acho que existe uma resistência interna no sentido de que a mulher é mais difícil. É difícil mesmo conseguir convencer uma mulher de uma determinada situação. Se a mulher não pensa daquele jeito, ela não vai fazer. Tem hora que não temos jogo de cintura nas convicções, isso dificulta, vejo, às vezes, por mim.

Ponto na Curva: As mulheres têm participação, voz ativa no Ministério Público?

Eunice Helena: Sim, temos, não só na Administração Superior, ocupando cargos de direção, como também na nossa Associação Mato-grossense do Ministério Público. Eu mesma fui a segunda mulher a ocupar a Presidência da nossa entidade de classe, a primeira foi a procuradora de Justiça Lilia Alves Correa, já aposentada e, atualmente, diversas Diretorias de nossa entidade de classe são ocupadas por colegas promotoras e procuradoras de Justiça. Ao todo, somos 82 mulheres na instituição, sendo 72 promotoras de Justiça e 10 procuradoras de Justiça.

No Ministério Público a rotina de trabalho é exaustiva, não resta dúvida, mas é, também, gratificante, na medida que prestamos um serviço para a sociedade a que pertencemos. Só para se ter uma ideia do quanto nós, mulheres, avançamos na ocupação do nosso espaço no Ministério Público: o júri sempre foi um ambiente predominantemente masculino, quase não se viam mulheres como advogadas de defesa e, menos ainda, no papel de acusação, como é o caso das promotoras de Justiça. Entretanto, em Mato Grosso, temos uma colega promotora de Justiça como presidente da Confraria do Júri e uma colega procuradora de Justiça na coordenação do Gaeco, além de outras colegas atuando no Gaeco. Isso, por si só demonstra o quanto estamos avançando na ocupação de espaços que antes eram ocupados mais por homens! Vejo, ainda, com alegria nos dias de hoje um número crescente de mulheres me dizendo que sonham em ingressar na carreira do Ministério Público. Mas, reconheço, ainda há muito por fazer… precisamos, por exemplo, de mais mulheres na política, até para nos dar respaldo aos nossos direitos, editarem leis que venham nos favorecer.

Ponto na Curva: No mês de março, comemoramos o Dia Internacional da Mulher. O que representa essa data para o universo feminino? Há o que se comemorar?

Eunice Helena: Penso que temos muito o que comemorar nessa data que, a meu sentir, representa o marco de luta das mulheres por seus direitos. Se olharmos para traz e vermos o quanto avançamos, desde a conquista ao direito de estudar (a mulher no império era propriedade do marido) e, depois, o nosso direito a voto que nos propiciou, depois, o ingresso na carreira política, até os dias de hoje, há muito o que comemorarmos, mas, igualmente, ainda há muito por fazer. Ter esse dia que nos representa nos impulsiona a relembrar nossas lutas do passado e a seguir em frente sem esmorecer.

Ponto na Curva: Os índices de violência contra mulher ainda são preocupantes. Como vê esses números e essa realidade?

Eunice Helena: Isso é muito preocupante. Penso que a questão passa por políticas públicas de educação. A criança tem que ser educada desde a escola, com palestras, professores capacitados, educando aquele aluno do sexo masculino de que tem que respeitar a mulher. Isto sem se falar no seio da própria família, onde a criança aprende as primeiras lições de cidadania e o respeito a mulher. O pai tem que demonstrar respeito pela mãe dentro de casa. A criança, por exemplo, que vê o pai batendo na mãe, cresce achando que aquilo que é certo. A filha que pega a mãe apanhando do pai entende que aquilo que é vida e que tem que apanhar também. Essas meninas crescem sufocadas em seus direitos e não se veem capazes de serem pessoas plenas, detentoras de diretos e que devem ser tratadas com respeito.

Ponto na Curva: A senhora tem pretensão de ser procuradora-geral de Justiça? Existe um desejo pessoal?

Eunice Helena: Vejo que nós mulheres somos pessoas de luta, guerreiras por natureza, encaramos diversas batalhas para nos posicionarmos nos diversos aspectos da vida profissional e familiar, mas mesmo tendo, como mulher, essa verve lutadora não tenho vontade de me candidatar a procuradora-geral de Justiça.