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Entrevista da Semana Segunda-feira, 04 de Setembro de 2017, 09:55 - A | A

04 de Setembro de 2017, 09h:55 - A | A

Entrevista da Semana / ASPECTO PROCESSUAL

Mudança nos honorários sucumbenciais vai impactar na advocacia trabalhista e muitos profissionais ainda não se deram conta disso, diz advogado e professor sobre reforma

Avallone ainda falou sobre honorários periciais, justiça gratuita, condenação do empregado caso falte audiência e atuação dos sindicatos

Antonielle Costa



“Não há mais que se discutir se é contra ou a favor, pois a reforma já é realidade, é lei, entrará em vigor no dia 13 de novembro e o que tem que se discutir a partir de agora é como vamos assimilar essas mudanças no dia a dia”.

A declaração é do advogado e professor Marcos Avallone, ao falar da reforma trabalhista aprovada no Congresso, sancionada pela presidência da República e que entrará em vigor no próximo dia 13 de novembro.

Na entrevista da semana, Avallone aborda as mudanças do ponto de vista processual e material.

Dentre os principais pontos destacou os honorários sucumbenciais, onde para ele houve uma mudança imensa e os advogados não se atentaram para o fato.

Falou de honorários periciais, justiça gratuita, condenação do empregado caso falte audiência, mudanças no aspecto material e atuação dos sindicatos.

Veja abaixo a íntegra da entrevista:

Ponto na Curva: Quais os pontos principais dessa mudança?

Marcos Avallone: A reforma tem três pontos principais: o direito processual do trabalho, que trouxe mudança na área processual; a mudança no direito material do trabalho, que divide em dois pontos, um no direito material individual e o outro no coletivo; o terceiro ponto é a norma de caráter administrativo, que seria, por exemplo, a multa por ausência de assinatura na carteira. A multa aumentou bastante, mas ela tem um diferencial. Quando a empresa é de pequeno porte, a multa ficou bem reduzida, então o tratamento desigual para empresas desiguais vai de encontro com o princípio da igualdade, que diz tratar iguais os iguais e desiguais os desiguais, nas medidas de suas desigualdades. O direito material do trabalho de caráter individual envolve a questão de férias fracionadas, trabalho intermitente, intervalo intrajornada de 30 minutos, o fim da hora intinere, entre outras. No que diz respeito ao caráter coletivo temos a negociação coletiva, onde o negociado vai prevalecer sobre o legislado e a contribuição sindical obrigatória que caiu e será facultativa. E de caráter processual, por exemplo, a contagem de prazo.

Ponto na Curva: Como é a contagem de prazo hoje na Justiça Trabalhista e o que muda com a entrada da reforma em vigor?

Marcos Avallone: A título de esclarecimento, em 2015, entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, que alterou a forma de contagem de prazo. Na Justiça Comum, a contagem é feita em dias úteis, já na trabalhista, como tem a regra própria prevista na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o CPC não alterou esse dispositivo, então no Trabalho o prazo continuou sendo contado em dias corridos, a regra é antiga. Porém, a reforma alterou esse item, a partir do dia 13 de novembro, os prazos processuais trabalhistas começarão a serem contatos em dias úteis. É uma coisa que beneficia e muito aos advogados. Tem quem seja contra. Li uma reportagem onde uma juíza disse que a mudança vai favorecer os advogados e vai interferir na entrega rápida da prestação jurisdicional. Isso não é bem verdade, porque o que se tem visto, por exemplo, aqui em Cuiabá tem uma, duas ou três varas em que o juiz leva, às vezes, 15 a 30 dias para dar um despacho no processo. Essa questão de dias úteis, não vai com certeza, diante da realidade que nós estamos vivendo, causar nenhum prejuízo. Às vezes se impetra uma petição e a Secretaria para mandar o processo concluso leva uma semana. Não se justifica a bandeira levantada contra isso.

Ponto na Curva: Outra mudança significativa foi quanto aos honorários sucumbenciais e deve gerar muito impacto na vida dos advogados. Como o senhor avalia? 

O acesso a justiça está liberado, agora tem que respeitar, usar esse acesso dentro da lei, dentro das mínimas condições que a lei exige para ele usar. Não usou, vai ter que arcar com isso

Marcos Avallone: Isso é um caso muito grave e a classe dos advogados tem que tomar cuidado. Sabemos que a reforma entra em vigor no dia 13 de novembro e trata-se de uma lei processual e que possui aplicação imediata, não se discute se a ação foi proposta antes ou depois, isso aí é o caráter material que vai discutir. Processual não. A partir da aplicação da reforma, toda sentença que for proferida terá que abordar a questão dos honorários advocatícios, porque é regra processual. O que chama atenção? Tem advogados trabalhistas e acho que isso que causou essa mudança, que entram com pedido de tudo que se imagina. Há casos em que o empregado trabalha dois meses em uma empresa, com um salário mínimo de remuneração e pede na Justiça o valor de R$ 100 mil. Isso é um absurdo. O que acontece com isso, se julgada procedente uma ação dessa e o juiz dos R$ 100 mil condena o empregador em R$ 5 mil, considera-se que ele foi derrotado em R$ 95 mil. Além disso, o magistrado condenará a empresa ré a pagar o advogado da parte autora de 5 a 15% de honorários sucumbenciais. Sendo assim, o patrão vai pagar R$ 5 mil para o empregado e mais R$ 500 para o advogado (calculando 10% de honorários). Já o empregado terá que pagar 10% de R$ 95 mil, ou seja, R$ 9,5 mil, que ele perdeu, para o advogado da empresa ré. Isso vai sair de onde? O empregado não vai receber nada. É uma realidade que muita gente não deu conta disso. A lei fala que, ainda que beneficiário da justiça gratuita, ele vai pagar as custas processuais, sucumbência, honorário advocatício e não vai receber nada. Os defensores falam que é um absurdo tirar o dinheiro do empregado, mas o legislador não teve em vista prejudicar o empregado, pelo contrário, ele está querendo garantir que as partes sejam iguais, porque se o empregado tem direito a R$ 5 mil então que ele peça R$ 5 mil, não vai pedir R$ 100 mil. Trabalhou dois meses e quer pedir R$ 100 mil. Nós, advogados, temos que entender que a realidade mudou. Antigamente se pedia R$ 100 mil e fazia acordo com R$ 5 mil, R$ 10 mil. Não é mais assim. Pede-se R$ 10 mil e faz acordo em R$ 10 mil. Para o empregador ainda terá vantagem em fazer acordo, ainda que no valor do pedido. Esse fator me preocupa muito, os advogados não estão dando conta. Não se deram conta de que tem essa questão sucumbencial e vai prejudicar o cliente dele, que pode receber nada.

Ponto na Curva: Isso acontece em relação aos honorários periciais. Como era e o que mudou?

Marcos Avallone: Mesma coisa acontece com honorários periciais. Todo mundo trabalha em ambiente insalubre e perigoso, não vai ser mais assim, a perícia vai ser feita e se perder o pedido relacionado a perícia, ele vai ter que pagar o perito. Hoje é assim, o juiz tem que condenar alguém a pagar, ele condena o empregado, mas quem acaba pagando é o Tribunal. O Tribunal tem um dinheiro destinado à isso, um dinheiro que vem do governo. Então o que vai acontecer agora, entrou em vigor na nova lei, que quem vai pagar isso é o empregado se ele tiver crédito no processo. Se ele ganhou outros direitos e não só esse, o dinheiro que ele ganhou vai ter que pagar o perito. O Tribunal não vai pagar mais. O Tribunal só vai pagar se o empregado perder tudo. Para entrar com uma ação pedindo a insalubridade, o advogado do empregado tem que ter a garantia de que realmente o ambiente é insalubre. Outra mudança que podemos destacar é no caso de arquivamento do processo, o empregado entra com ação, movimenta todo o judiciário, marca audiência, manda intimação no correio, ocupa lugar na pauta e no dia da audiência ele não vai, simplesmente ele não aparece lá. Daí arquiva ação dele, é condenado a pagar custa, mas depois acaba isento de pagar. Depois o advogado entra de novo com a ação, marca audiência e nenhuma consequência para o empregado. Se o empregador não vai é um “deus nos acuda”. Perde tudo praticamente. O que mudou nisso? Se o empregado não for e não justificar a ausência, ele vai ter que arcar com as custas do processo e pagar, não terá mais isenção. Tem que ter no mínimo responsabilidade de ir na audiência. Não pôde ir, pois estava doente, perdeu o ônibus, então que se justifique de forma plausível para a justiça, para que o juiz isente-o das custas. Muita gente caiu em cima "está negando acesso à justiça, o empregado vai ter que pagar custas", não, a justiça não deu as costas, a justiça está esperando ele. Ele queimou a ida dele. Se não vai a audiência, ele cria uma situação que tem que arcar com isso. O acesso a justiça está liberado, agora tem que respeitar, usar esse acesso dentro da lei, dentro das mínimas condições que a lei exige para ele usar. Não usou, vai ter que arcar com isso.

Ponto na Curva: Outra mudança importante no aspecto processual se refere a liquidação de valores. Como ficou?

Marcos Avallone: Sim, na petição inicial deve constar os valores líquidos, pois se não houver o juiz vai mandar emendar. Tem que conter o valor líquido até para poder ver a questão dos honorários quem ganhou, quem perdeu. Tem juiz já mandando emendar ações com audiências marcadas depois do dia 13 de novembro.

Ponto na Curva: Na prática, o senhor acredita que vai haver uma redução na demanda de processo? O trabalhador será prejudicado?

Marcos Avallone: Muito se cogita que vai causar prejuízo ao empregado, veja bem, quando o legislador faz uma lei, ele não faz para ser fraudada e sim para ser aplicada em uma sociedade justa, onde as pessoas deveriam ser honestas. Se tiver fraude, é motivo de nulidade. Então se tem fraude tem que ser levado ao Judiciário e ele decretar a nulidade. Acredito que as demandas vão reduzir. O Judiciário não será mais uma aventura judicial. Hoje se vê muita aventura processual e isso vai acabar.

Ponto na Curva: Essa questão de aventura judicial depende muito do advogado na hora de orientar o cliente?

Hoje, o que se vê, lamentavelmente, é o dinheiro do trabalhador usado para poder fazer manifestação em prol de um partido político

Marcos Avallone: Sim. Como por exemplo, o cliente procura um advogado e diz que roubou a farmácia onde trabalhava, foi mandado embora por justa causa e quer diferença de hora extra. Ele não tem que receber nada. Daí eu falo: "não tem como, você roubou a farmácia, sua demissão está certa". Mas, ele vai até outro advogado, que lhe garante a ação com pedido de reversão da justa causa, hora extra e outros. Na concepção dele, o reclamado que se defenda. Se este não conseguir se defender, não comparecer na audiência, chegar atrasado, ter uma defesa mal feita ou até mesmo se for na audiência, o juiz pode forçar um acordo. Então, ele entra com a ação e ainda dá o azar de ganhar alguma coisa. Esse negócio tem que acabar. Esse tipo de ação é tendência que acabe, ou não, mas que se reduza muito. Já tem até advogado dizendo que irá trocar de área, porque sentiu que a coisa não vai mais acontecer como sempre aconteceu. Além disso, muitas coisas que se resolvem na justiça, passarão a ser solucionadas pelos sindicatos, que é a prevalência do negociado sobre o legislado.

Ponto na Curva: Essa mudança dará muito poder aos sindicatos. Na visão do senhor, os sindicatos estão preparados?

Marcos Avallone: Acredito que os sindicatos vão passar por uma transformação muito grande, porque como está não vai servir. O Brasil vai exigir que os sindicatos sofram uma modernização. Eles têm que ser fortes e fazer o papel deles, muitos hoje já fazem, uma vez que além da defesa ferrenha pelos seus representados, ainda oferecem retorno da contribuição com planos de saúde, lazer e etc. Hoje, o que se vê, lamentavelmente, é o dinheiro do trabalhador usado para poder fazer manifestação em prol de um partido político. Isso vai acabar, porque a contribuição do sindicato passará a ser facultativa. Os sindicatos vão ter que criar um meio atrativo para que o trabalhador passe ou continue contribuindo, vai ter que ser atraente. Se não for atraente, não vai ter o dinheiro do trabalhador.

Ponto na Curva: Outro ponto que as pessoas não se atentaram é que a mudança atingirá não só o setor privado, mas o serviço público. De que forma isso irá acontecer?

Marcos Avallone: Sobre serviços públicos, nós temos dois tipos de trabalhadores: os estatutários e os celetistas, este último não será afetado. No Poder Público temos as chamadas empresas públicas e as de economia mista, onde haverá aplicação total da mudança. Dentre as empresas públicas estão: os Correios e a Caixa Econômica Federal. Empresas mistas: Petrobrás e Banco do Brasil.

Ponto na Curva: Há muitas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de suspender a lei. O senhor acredita que surtirá efeito?

Marcos Avallone: Tive uma oportunidade de assistir uma palestra da juíza do Trabalho, Thereza Nahas e ela colocou um ponto que ninguém falou, mas que tem muita coisa para ser verdade. Ela disse que o país passou por essa reforma trabalhista por uma exigência do mercado europeu, está havendo uma integração entre o mercado europeu e o Brasil. Ela tinha dito que a reforma seria aprovada e que não teria nenhuma ação que seria acolhia pelo Supremo, porque tudo iria cair. Isso não foi feito para patrão, isso foi feito para integrar o Brasil com o mercado europeu. Acredito que em um ponto ou outro mude, que tire alguma coisa. Trabalhador perdeu direito ou não? Não perdeu férias, não perdeu 13º, pois é uma lei ordinária que não muda dispositivo da Constituição Federal. Nós temos o artigo 7º da Constituição diversos direitos trabalhistas e isso não tem como ser mexido a não ser através de uma reforma ou de uma alteração na Constituição, que se requer um foro específico.