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Entrevista da Semana Quarta-feira, 06 de Março de 2019, 11:05 - A | A

06 de Março de 2019, 11h:05 - A | A

Entrevista da Semana / ASSESSORIA JURÍDICA GRATUITA

“Onde a Defensoria chega e a população tem acesso, ela é salva-vidas; onde não está, as pessoas existem e estão morrendo", afirma Clodoaldo Queiroz ao defender órgão

Sem muitos recursos e com acréscimo de R$ 5 mi no orçamento, defensor público-geral afirmou realizará um estudo visando mostrar ao Executivo e ao Legislativo a importância da instituição na vida das pessoas mais carentes

Antonielle Costa e Lucielly Melo



“Onde a Defensoria chega e a população tem acesso, ela é salva-vidas. Onde não está instalada, as pessoas existem e estão morrendo, porque não tem dinheiro e nem acesso à Defensoria Pública para socorrer. Essa situação é muito triste, uma parte da população tem acesso e a outra não”.

A afirmação é do defensor público-geral, Clodoaldo Queiroz, que, em entrevista ao Ponto na Curva, falou da atuação da instituição seja na atividade-fim – que é levar assessoria jurídica gratuita as pessoas carentes -, seja na atividade-meio (gestão administrativa, orçamentária e financeira).

Sem muitos recursos e com acréscimo de apenas R$ 5 milhões no orçamento, Clodoaldo afirmou que irá realizar um estudo com números reais visando mostrar ao Executivo e ao Legislativo a importância da Defensoria Pública na vida das pessoas mais necessitadas.

A questão orçamentária, segundo ele, reflete a atividade-fim e irá trabalhar para que seja melhorada para o próximo ano. Enquanto isso, já deu início a fase de implementação de mudanças na instituição, que devem levar o órgão a novos rumos, entre elas, a melhoria no atendimento já existente ao invés da expansão da Defensoria em mais municípios do Interior do Estado.

“Ao invés de abrirmos novos locais de atendimento, de continuarmos a expansão em lugares que a Defensoria ainda não chegou, vamos melhorar o atendimento nos locais que já temos unidades. O pouco recurso que estiver disponível será usado nesses dois anos para melhorias e fortalecimento da estrutura já existência e não vamos fazer expansão, não vamos aumentar o tamanho da Defensoria Pública sem ter recursos para isso”, declarou.

Ainda na entrevista, o chefe da Defensoria falou sobre outros assuntos como as principais demandas que chegam até o órgão, como problemas de saúde, onde muitas vezes se consegue uma decisão da Justiça, mas esta não é cumprida.

Ele falou também do não cumprimento do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê a prisão após decisão de segunda instância, já que a instituição defende a presunção de inocência até a última instância.

Veja abaixo a íntegra da entrevista:

Ponto na Curva: Quando tomou posse, o senhor anunciou que queria fazer uma gestão de mudanças. Como fazer isso na prática, diante de uma cenário financeiro sem muitas perspectivas de melhorias?

Clodoaldo Queiroz: Na verdade, já tínhamos conhecimento da situação da Defensoria Pública, mesmo de fora, mesmo antes de assumir. Fui presidente do Sindicato dos Defensores por mais de seis anos e, antes desse período, nunca me afastei das atividades da gestão, pelo menos acompanhando e buscando informações. Antes de ser presidente do Sindicato dos Defensores, fui sub-defensor-geral de 2003 até 2008, então estive na administração do órgão. A maior parte da estrutura administrativa foi feita nessa época, em que era sub-defensor-geral e eu era responsável por isso, desde as leis que regem o trabalho administrativo, a carreira dos servidores de apoio, todas foram redigidas por mim, naquela época em que não tínhamos nem muita estrutura de apoio, de assessoria, então tudo era feito por nós mesmo defensores, que faziam a função de administradores também. Por isso, quando assumi o mandato não houve surpresa. Quando dissemos que a nossa ideia era implementar mudanças, já sabíamos exatamente o que precisaria ser mudado e a forma que seriam feitas essas mudanças, que começamos a implementar desde o primeiro dia da gestão. A Defensoria tinha uma diretriz que foi seguida nesses últimos anos, em relação a forma de atuação e a forma de como deveria lidar com a falta de pessoal, falta de servidores, falta de estrutura, de como exercia suas atribuições no Estado de Mato Grosso, então tinha uma forma de administrar que pretendo mudar completamente.

Hoje, o foco é totalmente diferenciado, buscamos implementar a qualidade no trabalho da Defensoria Pública, nos Núcleos onde está instalada, dando condições para que os usuários da instituição possam ser atendidos de uma maneira mais digna, nós temos muita dificuldade com isso, por falta de estrutura física. O trabalho executado pelos defensores é muito bom e bem avaliado, as pessoas que são atendidas pelos defensores normalmente voltam, elas passam a trazer todos os problemas que têm para a Defensoria Pública e isso mostra que o trabalho é de qualidade, mas o que falta é a estrutura, é o redor do defensor e da defensora, tanto no Interior como na Capital. Várzea Grande, por exemplo, temos um Núcleo da Defensoria, que é um dos maiores do Estado, atende uma quantidade imensa de pessoas, mas não temos espaço físico nem para elas aguardarem o atendimento na recepção, pois não cabe todo mundo. Lá é comum ver várias pessoas do lado de fora aguardando atendimento, mães com crianças no braço, idosos, que estão do lado de fora porque não cabem na recepção, não comporta todo mundo. Eles tomam sol e tomam chuva. Não temos condições financeiras e nem orçamentárias para mudar o Núcleo da Defensoria de Várzea Grande. Mas, o foco da administração é esse, ao invés de abrirmos novos locais de atendimento, de continuarmos uma expansão em lugares que a Defensoria ainda não chegou, é melhorar o atendimento nesses locais. O pouco recurso que estiver disponível será usado nesses dois anos para melhorias e fortalecimento da estrutura já existente. Não vamos fazer expansão, aumentar o tamanho da Defensoria Pública sem ter recursos para isso. Essa foi a principal mudança em relação a direção que o órgão teve nos últimos anos, o investimento foi feito em expansão, cresceu bastante, embora ainda esteja muito longe de alcançar todo o Estado, mas cresceu bastante. E esse crescimento não foi acompanhado do orçamento necessário. Contratou-se defensores – ainda é necessário hoje contratar mais –, no entanto, a Defensoria não recebeu recursos para custeio, para manter a estrutura de um núcleo do Interior. Todos os nossos núcleos são alugados e a Defensoria não tem recursos para pagar aluguel de mais um prédio. Passamos por dificuldade por crescer demasiadamente, agora voltamos os olhos para fortalecer a estrutura que já existe.

O pouco recurso que estiver disponível será usado nesses dois anos para melhorias e fortalecimento da estrutura já existente e não vamos fazer expansão, não vamos aumentar o tamanho da Defensoria Pública sem ter recursos para isso

Outra mudança é o foco na gestão, na atividade-meio. A Defensoria por essa necessidade de investir na atividade-fim, de colocar mais defensor para atender a população onde a Defensoria ainda não tinha chegado, a atividade-meio ficou deixada em segundo plano. Hoje, o órgão tem muita dificuldade de gerenciar os procedimentos administrativos. Temos dificuldade para fazer licitações, contratações, acompanhamento de contratos e a parte financeira. A parte de execução orçamentária tem dificuldades gigantesca, não temos servidores na quantidade necessária para fazer o acompanhamento orçamentário adequado, trabalhar no planejamento orçamentário e estratégico, faltam pessoas para fazer isso e reflete lá na ponta. Resolvemos focar o investimento dos nossos esforços e dos nossos recursos na melhoria dessa atividade meio. Estamos trabalhando na colocação de servidores, na redistribuição de servidores administrativos para otimizar o trabalho deles, na valorização de todos. Não temos mais cargos, não temos como contratar outras pessoas e então estamos nos valendo da parceria com outros órgãos, pedindo cessão dos servidores que têm experiência em planejamento, orçamento, para nos auxiliar. Fiz alguns pedidos, estamos aguardando autorizações dos órgãos para cederem essas pessoas. Estamos focando nisso, porque reflete na atividade-fim. Dentre as várias mudanças, cito essas duas mais importantes: fortalecer os núcleos já existentes, ao invés de continuar expandindo e focar na gestão, na atividade-meio, que hoje é um gargalo.

Ponto na Curva: Atualmente quantas comarcas têm o atendimento da Defensoria Pública no Estado?

Clodoaldo Queiroz: Quarenta e quatro comarcas hoje são atendidas pela Defensoria, do total de 79, que deve cobrir em torno de 100 municípios dos 141 existentes.

Ponto na Curva: Qual o déficit de defensor? O ideal seria um núcleo para cada comarca ou não?

Clodoaldo Queiroz: O ideal seria isso, é isso que a Constituição Federal prevê, que onde houver uma unidade jurisdicional, uma vara judicial, tem que haver um defensor lá. Numa emenda foi colocado de forma expressa e deu até prazo para ser feito, 2022, de que onde há uma unidade jurisdicional, deve ter um defensor. Mas, a Defensoria nem trabalha com isso para os dois anos da minha gestão. Precisamos preencher os cargos que estão vagos. Hoje, temos 65 cargos vagos sem preencher, que são locais que deveriam ter defensor, mas não tem por falta de orçamento para poder nomear. Temos defensores que fizeram concurso aprovados aguardando nomeação, mas não temos recurso para nomear nenhum. São 65 e não estão só no Interior, estão em todo o lugar. Aqui em Cuiabá falta muito defensor, tem um déficit de 14 defensores.

O atendimento criminal da Capital tem varas criminais importantes que não têm defensor e os defensores que estão lá fazem o trabalho por dois, estão improvisando, porque os cargos estão vagos, para não deixar as varas sem atendimento, pois se isso acontecer, os processos sem defesa vão prescrever ou serem nomeados advogados dativos, daí o Estado vai ter que pagar o defensor, que já tem aqui em Cuiabá e o advogado dativo. Há uma carência grande de defensor na Capital, falta em Várzea Grande dois cargos para serem preenchidos, falta em Rondonópolis, Sinop, Barra do Garças, Cáceres e nas comarcas que não têm também. No total, são 65 cargos vagos. E se nós preenchermos os 65 vai faltar defensor ainda em muitas áreas de atuação, o número seria muito maior. Nesse primeiro ano, estamos ajeitando as coisas da atividade-meio para ter condições de fazer um planejamento e levantar dados para apresentar na Assembleia Legislativa, para o governador do Estado, da demanda que existe hoje de trabalho, além de mostrar que tem 65 cargos vagos, mostrar o quanto faz falta a Defensoria nos lugares que não está atendendo, levantar o custo – que já estamos fazendo – que gera para o Estado pela ausência da Defensoria e a nomeação de advogados dativos, levantando isso de maneira exata, para sentarmos com o governador do Estado e com a Assembleia, visando fazer um planejamento para resolver esse problema, sem honorar o Estado. Na verdade, ao contrário, vamos apresentar alternativas para economizar, diminuir esse custo e levar esse serviço da Defensoria para toda a população. É importante ressaltar que as vezes precisamos falar muito de números, mas isso nem a questão mais importante, o importante mesmo é a falta de serviço da Defensoria.

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Cito exemplos de situações para esclarecer o quanto ela faz falta. Vou citar dois casos em que a Defensoria fez intervenção na vida das pessoas: em outubro do ano passado, teve um caso que passou por mim e pelo sub-defensor de uma criança que estava no hospital, entubada, com tumor no cérebro e com diagnóstico médico que iria morrer a qualquer momento e o tumor era tratável, operável, o médico dizia que se fizesse a cirurgia ela sobreviveria. Lá na comarca de Cláudia, ela procurou a Defensoria e teve o atendimento, o defensor público, quando atende na área da saúde, faz o trabalho completo, ele não faz só a petição. Ele tenta resolver administrativamente primeiro – até porque é mais rápido – só em último caso, entra com pedido liminar e quando sai a liminar vai atrás para ser cumprida. Foi feito todo esse trabalho, a menina fez a cirurgia e dias depois encontramos com o pai dela, andando de mãos dadas, com o cabelinho raspado e andando graças à Defensoria. Se não fosse, ela teria morrido e não por causa da doença, mas por falta de dinheiro, a não ser que ela encontrasse um advogado que fizesse por boa vontade, gratuitamente, porque eles não tinham condições de pagar nada por isso. As questões de saúde chegam na Defensoria na madrugada, temos um plantão de 24 horas por dia. Onde a Defensoria chega, a população tem acesso à isso, ela é salva-vidas. Onde não está instalada, as pessoas existem e estão morrendo, porque não tem dinheiro e nem acesso à Defensoria Pública por 24 horas para socorrer. Essa situação é muito triste, uma parte da população tem acesso e a outra não.

Na área criminal, agora em janeiro, o defensor público de Diamantino, entrevistando os presos dentro da unidade penitenciária, encontrou uma pessoa inocente que nunca cometeu nenhum crime na vida e já estava há tempo preso e iria permanecer se não houvesse o defensor. A pessoa o procurou e disse “Olha, estou preso e não sei porquê. Nunca fiz nada”. O defensor acreditou, que essa é a primeira diferença, temos que acreditar é o nosso dever, quando alguém fala isso. Ele já tinha dito isso para todo mundo, mas acharam que era só mais um falando. E o defensor fez a obrigação dele, foi atrás do processo e viu porque ele estava preso e falou pra ele: “Olha, você está preso pelo crime tal e foi condenado em tal município”. Ele disse: “Eu nunca estive nesse município, doutor”. E o defensor acreditou e foi atrás do processo em outra comarca. Ele pegou o vídeo da audiência, que é gravada e quando o defensor olhou o vídeo viu que não era a mesma pessoa. Ele levou isso para o preso e mostrou para ele, que identificou que era o irmão e que não sabia que ele tinha sido preso e deu o nome dele. O irmão dele fugiu da cadeia e ficou como procurado. Ele foi encontrado e foi preso. Essa pessoa ia ficar lá, se não tivesse defensor. E são vários casos, isso ocorre rotineiramente na Defensoria. Nos locais onde não tem, existe essas mesmas pessoas que estão presas do mesmo jeito e não tem ninguém para atender. Essa falta que a Defensoria faz para as pessoas pobres, carentes, não tem nem a quem socorrer ela é muito gritante, é mais importante do que a questão financeira. Tentamos mostrar que investir na Defensoria Pública é mais barato do que ficar sem e o Estado ser condenado a pagar por cada ato de honorários de advogados. Mas, mesmo se fosse mais caro, não pode parte da população ficar sem esse serviço importante.

Ponto na Curva: Continuando na atividade-meio, qual o efeito na prática daquele entendimento do Tribunal de Contas do Estado sobre os gastos com pessoal voltarem para o Executivo? Isso fere a autonomia financeira-orçamentária da instituição?

Clodoaldo Queiroz: Essa decisão atenta completamente com a autonomia da Defensoria, que está determinada na Constituição. Quando o Tribunal de Contas externou esse entendimento e não acompanhei, mas agora já pedi cópia desse processo para buscar fazer o recurso dele, nas vias cabíveis, argumentando justamente a inconstitucionalidade desse entendimento. Se isso for implementado, fere a autonomia da Defensoria totalmente e a coloca suscetível a definição por parte do Poder Executivo, então amarraria nossa independência. Além disso, fere a emenda constitucional número 80, que determina obrigatoriamente que todos os Estados deverão implantar a Defensoria em todas as comarcas onde há a unidade jurisdicional até 2022. Prevalecendo esse entendimento, o Estado já extrapolou os gastos com pessoal e se a Defensoria estiver lá dentro, não pode contratar ninguém e isso contraria o que está expresso na Constituição Federal.

Esse entendimento do TCE não tem amparo nenhum e pode ter efeitos danosos, uma vez que condena a Defensoria a permanecer do tamanho que está hoje, sem poder aumentar seus serviços em nenhum aspecto. Agora, pegamos esse procedimento para fazer o recurso cabível, seja para rediscutir isso no próprio TCE ou se for necessário, levar isso para o Poder Judiciário, que tem que dar a palavra final, levar até o Supremo Tribunal Federal, inclusive.

Ponto na Curva: Como ficou o orçamento para 2019? Teve redução ou aumento, se comparado aos outros órgãos? O que mudou?

Clodoaldo Queiroz: O orçamento foi negociado na gestão anterior, mas como houve o atraso na aprovação, quando assumi pude interferir de alguma maneira, tentar melhorar. O orçamento inicial apresentado tinha uma pequena redução percentual, todo mundo iria reduzir um pouco, mas conseguimos na Assembleia Legislativa uma emenda para os nossos custeios justamente para pagar aluguéis, internet, que foi o menor, todos os órgãos conseguiram. A Assembleia fez emendas para aumentar o orçamento do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria também, que foi o menor de todos, um valor de R$ 5 milhões, mas que para nós é muito importante, porque não temos nada e isso vai ajudar a manter os trabalhos sem interrupção, só que a lei não foi sancionada ainda. A emenda foi aprovada, a Lei Orçamentária está no Governo e as emendas podem ser sancionadas ou vetadas, não temos essa definição. Se for sancionada vai permitir isso, a continuidade dos trabalhos, mas se for vetada teremos que fazer as adequações necessárias para poder viver com o orçamento repetido, que já vem acontecendo há algum tempo, mesmo com aumento de demandas.

Ponto na Curva: Mudando o assunto para a atividade-fim - que é a prestação de assessoria jurídica de forma gratuita, atualmente qual a área de atuação da Defensoria que possui mais demandas (cível, criminal, família). E isto está relacionado à quê?

De cada 10 casos que chegam na Defensoria, nove são resolvidos sem entrar com ação judicial, mas esses o Estado nem fica sabendo

Clodoaldo Queiroz: É a área de família, onde se tem o maior número de atendimento, seja por pensão, divórcio, inventário, uma vez que problema de família todo mundo tem. A grande maioria não pode pagar um advogado particular e busca a Defensoria. Temos demandas na área de Direito do Consumidor, que tem um núcleo específico aqui em Cuiabá, onde é muito maior do que na área da saúde, em termos de quantidade. Temos a Regularização Fundiária, que trabalha muitas vezes com conflitos coletivos e atende muita gente também. E no criminal, nem se fala, é uma parte que o atendimento é muito grande. E temos bastante na área de saúde, mas quantitativamente não é tão grande, é que elas são as que chamam mais atenção, são os casos mais urgentes. E temos o atendimento da Defensoria, como disse, é feito 24 horas por dia e no horário fora do expediente o mais procurado é o da saúde, porque não pode esperar amanhecer o dia e nem chegar a segunda-feira. O caso de urgência normalmente é da área da saúde, mas não é o maior atendimento em termos de quantidade.

Ponto na Curva: Na maioria das vezes na área da saúde, consegue-se ter uma resposta rápida do Poder Judiciário, mas as decisões acabam, em parte, não sendo cumpridas ou demoram. Como o senhor vê isso? É frustrante saber que se conseguiu o atendimento, mas a decisão não foi obedecida e pessoas morrem por inoperância de outros órgãos?

Clodoaldo Queiroz: Esse problema ocorre e é frustrante, realmente, quando tem todo o trabalho e consegue pela legislação seu alcance como defensor, faz tudo o que tem que fazer, consegue uma ordem judicial determinando o atendimento para aquela pessoa que precisa e não pode esperar os prazos normais, mas mesmo assim a liminar não é cumprida. Isso é frustrante, é difícil de explicar para a pessoa e para a família que se tem uma ordem do juiz, mandando conseguir uma vaga em uma UTI, mandando fazer uma cirurgia, mandando o Estado fornecer um remédio que é urgente e mesmo assim o Estado não cumpre, o Município não cumpre e ninguém vai fazer nada? É isso que as famílias indagam e é difícil a Defensoria responder. Por isso que os defensores, sabendo assim, fazem o trabalho além, que envolve assistente social, de correr atrás, agilizar o cumprimento das medidas. E isso é feito porque os defensores sabem se não fizerem isso é bem provável que não vai ser cumprida com a mera decisão judicial. Esse trabalho é feito antes, porque entrar com pedido judicial é a última alternativa do defensor, até porque ele sabe que vai ter toda essa dificuldade. Então tenta resolver administrativamente, eles já têm os canais de contato com secretarias de Saúde, com órgão da regulação, tanto do Estado quanto dos Municípios, então quando chega essas demandas eles já entram em contato por esses caminhos e tentam resolver administrativamente. Apenas quando a resposta é “não, não tem jeito” é que o defensor, não resta outra alternativa e entra com medida judicial e muitas vezes fala na imprensa que a Defensoria entra com muita ação judicial na saúde, mas, na verdade só se fala os casos que a Defensoria judicializa, não se fala dos que não se judicializou e resolveu sem judicializar, que é a grande maioria.

De cada 10 casos que chegam na Defensoria, nove são resolvidos sem entrar com ação judicial, mas esses o Estado nem fica sabendo. Aqueles que a Defensoria precisa entrar é que gera a discussão, mas a situação para nós não tem nem o que discutir a questão financeira-orçamentária. A pessoa, no caso de uma criança, como esse que relatei, que estava morrendo, todo mundo que se defronta com isso tenta resolver a situação: o defensor, a pessoa do hospital que não tem os serviços médicos, os funcionários, o prefeito, todo mundo que vê a situação se sensibiliza e ninguém pensa nisso, que vai desfalcar o caixa do Estado. Só quem pensa nisso é quem não está em contato, quem está longe. Aí a pessoa fala: “Ah não, esse custo com a judicialização, tem que rever isso, tem que melhorar”. Se essas mesmas pessoas tivessem lá na frente não iriam pensar nisso, elas não iam aceitar que essa criança morresse na frente delas sem fazerem nada. É essa a diferença. A Defensoria, por estar na ponta sentindo as dores, não se conforma de não resolver, não se conforma de ter uma decisão judicial e não ser cumprida. Isso motiva o defensor a correr atrás, ir até as secretarias, aos hospitais. As vezes o Estado e Município dizem “olha, não tenho onde colocar a pessoa, não tenho uma vaga na UTI e nem em hospital particular”. O defensor sai ligando em cada hospital perguntando se realmente não há vagas para ver se consegue, pois quando não tem em hospital público, o Estado tem que custear no privado. O defensor faz todo esse trabalho e as vezes há essa frustação, apesar de todo esse trabalho não consegue implementar o atendimento a tempo de salvar a vida das pessoas e elas morrem, infelizmente.

Ponto na Curva: Na área criminal, a Defensoria coaduna com o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê a prisão após a decisão de segunda instância ou defende a presunção da inocência até o fim?

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Clodoaldo Queiroz: Não acatamos esse entendimento de maneira nenhuma, porque a Constituição, no nosso entendimento dos defensores gerais, ela é bem clara ao dizer que a pessoa só pode ser considerada culpada quando transita em julgado. Veja bem, as Defensorias, como um todo, elas se manifestam sempre pelo cumprimento da Constituição. O ministro da Justiça, que hoje defende que isso vire lei, deveria propor alterar a Constituição. Se ela disser que todo mundo terá o direito de dois julgamentos, na primeira e na segunda instância e após o julgamento na segunda instância terá que cumprir a pena, pronto, estaria resolvida a situação, a Defensoria iria buscar o cumprimento da Constituição. Mas, hoje a Constituição não diz isso, a Defensoria atua da mesma maneira que o acusado que tem o advogado particular e vai até o fim argumentar isso, que a pessoa tem direito de responder em liberdade durante todo o processo, salvo aquelas que a lei prevê que têm que ficarem presas, salvo essa hipótese normal, o advogado vai defender até o final. O defensor vai fazer a mesma coisa pela pessoa carente, vai defender até o final que a Constituição não prevê, como regra geral, ficar presa antes de ser condenada em definitivo. A Defensoria mantém essa postura de exigir o cumprimento da Constituição.

Temos um núcleo que atua nas instâncias superiores, mas não estamos fisicamente em Brasília, não conseguimos fazer isso, algumas Defensorias de alguns Estados já estão e nós em Mato Grosso estamos em um processo para avaliar essa possiblidade, de compartilhando com as Defensorias de outros Estados, para economizar nos custos e poder estabelecer essa presença física em Brasília. Mas, temos um núcleo, que é o Núcleo da Segunda Instância, que a atribuição é acompanhar os processos a partir das segundas instâncias.

Ponto na Curva: O sistema prisional de Mato Grosso vive uma crise em decorrência da lotação. O que gera isso? Como a Defensoria vê esse sistema e atua em prol dos assistidos?

Se isso for implementado, isso fere a autonomia da Defensoria e a coloca suscetível a definição por parte do Poder Executivo, então amarraria totalmente a nossa independência

Clodoaldo Queiroz: Aqui em Cuiabá temos um núcleo especializado só nisso, o Núcleo de Execução Penal. Temos um grupo de defensores também com carência de defensores, é o local que mais falta defensores. Temos atuado lá três defensores junto a todas as unidades daqui de Cuiabá, o que é completamente insuficiente precisaria de muito mais. Mas, esses três estão lá trabalhando por mais, para prestar esse atendimento. Dentro das unidades daqui de Cuiabá, qualquer pessoa que presa e quiser falar com um defensor vai ter o defensor, nos dias certos da semana, para fazer o atendimento e é nessas situações que detectam esses casos, de pessoas presas no lugar de outra. Outro dia, teve um outro caso de duas irmãs gêmeas que uma estava presa no lugar da outra, a inocente estava presa e a culpada estava solta. A Defensoria detecta esse caso, porque quando a irmã fala que é inocente ninguém acredita nela, quem acredita é o defensor, que é “obrigado”, por lei, a acreditar, pois a função dele é essa. Mas, há o atendimento e no Interior cada defensor também tem as obrigações específica de atender a unidade penitenciária.

Onde a Defensoria está ela faz o atendimento dentro da unidade penitenciária, onde ela não está esse atendimento não é feito. E onde a Defensoria Pública atende a situação é totalmente diferente de onde não há. Aqui em Mato Grosso até a Defensoria implementar esse atendimento, a gente tinha rebelião de tempos em tempos. Uma das causas, não a única, é eles se sentirem abandonados, dizendo que estavam jogados e que não tinham informação nenhuma. Hoje não. Hoje os presos têm acesso à informação “minha pena é tanto, tenho direito a partir de tal data"... isso é passado rotineiramente. A Defensoria apazigua. Há muito tempo que não tem rebelião em Mato Grosso. A última que teve foi por causa de facções criminosas, que é uma coisa a parte, mas por excesso de lotação ou por falta de atendimento, há muito tempo que não tem, porque a Defensoria, através desse núcleo específico da região de Cuiabá, passou a ter um atendimento físico presencial, lá dentro tem uma defensora atendendo e isso dá uma tranquilidade aos preso de saberem que eles vão ficar presos o tempo necessário de acordo com a pena deles. Eles não estão largados lá esquecidos. Estão isso faz toda a diferença.