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Entrevista da Semana Quarta-feira, 03 de Julho de 2019, 09:00 - A | A

03 de Julho de 2019, 09h:00 - A | A

Entrevista da Semana / DEZ MEDIDAS CONTRA CORRUPÇÃO

Posicionamento contra projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade é míope, diz presidente da OAB-MT

Para Leonardo Campos, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 27/2017 traz diversos benefícios para a advocacia e precisa ser melhor debatido

Lucielly Melo



O Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 27/2017, conhecido como “Dez medidas contra a corrupção”, recém aprovado pelo Senado Federal, tem gerado polêmica em torno do ponto em que criminaliza o abuso de autoridade por parte de magistrados, promotores de procuradores de Justiça.

Entretanto, o texto, que já foi encaminhado para a Câmara de Deputados, é visto com bons olhos pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), Leonardo Campos.

Em entrevista ao Ponto na Curva, ele listou os benefícios que a classe ganha com a aprovação do projeto de lei.

Na oportunidade, Campos classificou como “míope” o posicionamento contrário ao texto, que, segundo ele, ainda precisa ser melhor debatido.

O presidente da OAB falou ainda de outros temas como captação ilícita de clientes, quebra de sigilo de dados de forma clandestina, do fim do exame da Ordem, além de seu futuro perante à instituição.

VEJA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA

Ponto na Curva: Recentemente, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 27/2017, conhecido como “Dez medidas contra a corrupção”, que por sua vez afeta a advocacia. Quais as vantagens e desvantagens para a classe, diante da enxurrada de críticas que o texto tem sofrido?

Leonardo Campos: O projeto vem trazer a igualdade para a advocacia. Advogado, promotor e juiz sentando no mesmo plano, não teremos mais plano diferenciado entre o advogado e o promotor, valorizando o direito de defesa. A parte, ao chegar numa audiência, vê o juiz e o promotor num patamar acima, agora, não, verá todo mundo no mesmo plano. O juiz está no centro da mesa, porque a justiça é cega e ele cabe estar no centro para ouvir de forma igual as duas versões do fato, uma feita pelo promotor e outra da defesa feita pelo advogado e de forma imparcial aplicar a justiça. Portanto, tem que estar no mesmo plano, no mesmo pé de igualdade, trazendo a paridade de armas no processo penal.

O projeto também torna crime o exercício ilegal da advocacia, que era só contravenção penal. Agora passa a ser punido com detenção de 1 a 2 anos, aquele que se passar por advogado enganando as pessoas, enganando terceiros, enganando os jurisdicionados.

Torna crime a violação das prerrogativas. Essa talvez seja a maior conquista da advocacia em todos os tempos. Quando criminaliza a violação das nossas prerrogativas, não está assegurando ou protegendo o advogado, está protegendo a parte, o cidadão que contrata o advogado, outorga à ele poderes para, em pé de igualdade com os demais atores do processo, fazer uma defesa técnica, ampla, absoluta e restrita de modo que possa levar ao juiz a efetiva garantia da defesa e do contraditório. A violação às prerrogativas, que era punido apenas na esfera administrativa, passa a ser crime.

Trouxe a criminalização do caixa 2 nas campanhas políticas, assim como o impedimento da doação de pessoa jurídica. A OAB foi até o Supremo, que reconheceu como ilegal ou inconstitucional a doação por pessoa jurídica, nos reviramos uma página e precisou retroceder um pouco. Identificou-se no processo eleitoral de doação de pessoa física e pessoa jurídica – a Lava Jato expôs as entranhas do processo político brasileiro-, as empreiteiras financiando campanhas para ter verdadeiros office boys ao invés de cuidar dos interesses de seus eleitores, cuidavam dos interesses daqueles que financiavam suas campanhas. Isso ficou muito claro na Lava Jato, desencadeando uma gama de corrupção envolvendo as maiores empreiteiras do país. A OAB foi até o Supremo, que reconheceu como inconstitucional a doação de pessoa judicia, passou, portanto, a ter só a doação por pessoa física. Acertadamente. A pessoa jurídica não participa do pleito eleitoral. Quem participa é a pessoa física, o que a pessoa jurídica tem que estar envolvida, financiando campanha, se ela não é destinatária de um processo eleitoral? O destinatário do processo eleitoral são os eleitores e os eleitos. Acabou-se, portanto, a doação por pessoa jurídica, mas passamos a ter um outro problema: a fidedignidade da prestação de contas. Aquilo que o candidato declarou, gastou na campanha efetivamente corresponde com a realidade? Foi aquilo mesmo ou teve gastos por fora, que é o caixa 2? Aí veio a proposta da OAB. A pena para o caixa 2 ela é pura e tão somente a reprovação de contas, que não interfere no registro de candidatura, no processo de cassação. Pode até haver a cassação, após reprovadas as contas, mas se tiverem sido reprovadas por uso de caixa 2, vira um outro processo que pode culminar com sua cassação. Mas, o fato de ter a conta reprovada não perde o mandato. Por isso a necessidade de criminalizar o caixa 2, para dar a dimensão ao candidato de que os recursos que ele deve aplicar na sua campanha têm que respeitar o limite do teto de gastos e ser único e exclusivamente aqueles declarados em sua prestação de contas e nada por fora. Isso traz mais lisura ao pleito eleitoral e a garantia que prevaleça na urna a paridade, a igualdade de concorrentes nos mesmos patamares.
Outra iniciativa importante é a mudança na ação popular, que é um instrumento a disposição de cada um de nós que preenche os requisitos, um deles é ser eleitor, na fiscalização dos danos ao erário público. Mas, poucas pessoas utilizam desse instrumento. Agora, instituiu um valor a ser pago ao autor da ação, uma espécie de indenização. Qualquer indivíduo, preenchendo os requisitos pode ingressar com uma ação popular havendo a constatação ou para evitar dano ao erário. A corrupção é uma forma de lesão ao erário, só que ninguém fiscaliza, ninguém tem um incentivo "Ah, manda para o MP, manda para a OAB, para a delegacia, não vou mexer com isso". Agora não. O indivíduo que propuser uma ação popular e obtiver êxito na ação, ele terá direito a um percentual de 10 a 20% sobre o valor da condenação, que volta pra ele, pago pelo condenado. Isso fará com que o cidadão esteja mais atento na aplicação de recursos públicos e seja incentivado, que constatando uma irregularidade, proponha uma ação e não esperar o Ministério Público - que em que pese a atuação, não consegue abraçar o mundo e nem estar ativo nas cidades brasileiras, ou seja, o que vem nessa mudança é que cada cidadão passa a ser um fiscalizador efetivo da boa aplicação dos recursos públicos e, agora, com o incentivo de ter de 10 a 20% sobre o valor que a parte condenada, pagará, além da restituição ao erário. Quem tem condições de fiscalizar por exemplo a merenda escolar há mil quilômetros de distância daqui? O cidadão que está lá, aquele pai que seu filho está na escola e a merenda não chegou mesmo estando paga. Ele já pode, mas agora terá um incentivo à ele próprio de ingressar com uma ação, que ele sabe se for precedente, receberá um percentual.

Conseguimos, ainda, dentre essas criminalizações, o sigilo dos escritórios dos advogados, a inviolabilidade da comunicação entre o advogado e cliente, sob todos os aspectos, isso é importante dentro estrutura do devido estado de direito, do devido processo legal.

Ponto na Curva: O projeto traz também a criminalização do abuso de autoridade por parte de membros da Magistratura e do Ministério Público. Aliás, um ponto que tem sido muito criticado, qual a opinião do senhor sobre o assunto?

É um discurso míope, porque é feito por um lado só que tenta jogar a sociedade contra a aprovação da criminalização contra o abuso de autoridade. Eles [magistrados] não conseguem dar um argumento jurídico e lógico do porquê que o projeto vai prejudicar

Leonardo Campos: Primeiro, nós temos que desmitificar o debate, que não pode ficar só centrado em torno do crime de autoridade, o projeto é muito maior que isso. Com todas as vênias, é uma discussão superficial e política, que tenta travar os setores da magistratura e do Ministério Público - colocando que esse projeto pode ceifar a Lava Jato ou a atuação de combate à corrupção. A Lava Jato é uma operação consolidada, um patrimônio do povo brasileiro e tem o apoio de todos os seguimentos da sociedade, então não está sob ataque. O projeto que pune o abuso de autoridade, como o próprio nome diz, ele pune o abuso, pune o excesso, a falta de razoabilidade. E mais: de modo doloso, ou seja, o agente público – juiz, promotor, delegado, guarda, quem quer que seja – tenha a intenção de abusar dos direitos do cidadão, está praticando o crime de forma intencional. Mas, pune o abuso e isso é comum em todas as democracias, não existe poder absoluto na República, todos temos que estar abaixo e sob fiscalização da lei. O magistrado, o juiz que cumprir com o que determina, por exemplo, a Constituição, o Código Penal, a Lei nº 8906, ele não é punido. Agora, houve o excesso, houve o abuso! Portanto, é um discurso míope, porque é feito por um lado só que tenta jogar a sociedade contra a aprovação da criminalização contra o abuso de autoridade. Eles [magistrados] não conseguem dar um argumento jurídico e lógico do porquê que o projeto vai prejudicar. E repito: o projeto pune o excesso, pune aquilo que extrapola os limites da lei e todos nós temos como limite a Constituição Federal da lei. Passou daquilo, cometeu o ilícito. Só que antes o ilícito era só funcional, agora passa a ser criminal, pois está provado que apenas o ilícito funcional não serviu para corrigir determinados rumos e determinados excessos. Os magistrados, promotores, delegados e policiais, mesmo a despeito da punição já estar caracterizada na esfera funcional, não serviu a repreensão para eles, quando houve repreensão, porque, também com todas as vênias, não falo especificamente de Mato Grosso, mas se demonstrou que as Corregedorias são corporativas, então não havia punição na esfera administrativa, não restando outra alternativa para a proteção da sociedade criar um tipo penal que criminalize o abuso de autoridade.

Ponto na Curva: Nos últimos dias tem se falado muito sobre as conversas expostas do ex-juiz federal, Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça, com a força-tarefa da Operação Lava Jato. O senhor entende como provas as informações obtidas através da quebra de sigilo de dados?

Leonardo Campos: Dentro das investigações que se instaurará ou que se instauraram, elas vão ter que ser auferidas se essas provas são licitas. Sendo ilícitas, é bandeira histórica da OAB, em que prova ilícita é imprestável ao processo. Mas, para considerar lícita, preciso da apuração das circunstâncias dela. É muito gravíssima a possibilidade de autoridades públicas terem tido seus telefones hackeados, isso coloca em cheque a própria segurança institucional de órgãos de autoridades brasileiras. Primeiro passo é investigar a proteção desses dados. Segundo, se esses diálogos forem verídicos, revela-se uma relação de promiscuidade entre julgador e o acusador. É princípio basilar, no Estado de Direito, todo o cidadão tem direito a um julgamento imparcial. A promiscuidade do juiz orientando promotor a como conduzir uma investigação sai da relação institucional ou da relação profissional que é legal e lícita. Do promotor, advogado, de despachar com o juiz de forma oficial e passa para a relação de promiscuidade, que pode manchar ou criar rusga na parcialidade do magistrado. Advogado pode e deve conversar com o juiz, é constitucional, o promotor também, mas o juiz deve ser receptor das informações, das razões, do convencimento do advogado e do promotor, mas não condutor de operação. Se qualquer dia algum advogado tiver restrição ao acesso a magistrado, a OAB buscará garantir esse direito. É obrigação do magistrado atender o advogado, o que não pode é conduzir investigação de processos que ele está apenas para julgar. O que vemos nessas conversas é que o Moro conduzia a forma de investigar do Ministério Público, se verídico e comprovado a veracidade desse diálogo.

A promiscuidade do juiz orientando promotor a como conduzir uma investigação sai da relação institucional ou da relação profissional que é legal e lícita

Ponto na Curva: Isso gerou até um estudo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que pretende proibir conversas entre juízes, advogados e membros do Ministério Público.

Leonardo Campos: Parte da magistratura está fazendo que não está entendendo. O que vi na imprensa é que o grupo de trabalho do CNJ visa criar regras e orientações de conduta de magistrados em mídias sociais. Não despacho com magistrado por WhatsApp, no Facebook ou no Instagram, e sim no gabinete dele. O que o CNJ visa é criar uma regra de postura de magistrado em mídia social.

Ponto na Curva: Mato Grosso ganhou repercussão a nível nacional devido a captação ilícita de cliente, realizada por alguns profissionais da advocacia. A OAB criou uma comissão para aprofundar no assunto. Onde a instituição pretende chegar? Como fica a atribuição do Tribunal de Ética e Disciplina?

Leonardo Campos: Criamos duas comissões. A primeira, a nível do TED, para a fiscalização do exercício profissional, que atuará contra o feirão “limpa nome”, que é uma forma de captar cliente que contraria o que dispõe o Estatuto da OAB. Vamos difundir isso em todo o Estado, as subseções vão criar comissões, formadas por advogados, que farão a fiscalização no escritório ou na internet e encaminhará o termo para o TED, que instaurará procedimento competente para apurar essa conduta. Essa comissão atuará também em outros escritórios, como, por exemplo, “Sua placa está irregular, não pode ter um escritório de advocacia junto com contabilidade", "O tamanho está irregular". Não regularizou, manda para o TED.

Já no Colégio de Presidentes, foi criada uma comissão para fazer um estudo e elaborar uma proposta de alteração da nossa lei, visando aumentar a pena por captação ilícita de clientes, tornando-a mais severa. Montamos uma comissão que fará um estudo, que submeterá à Diretoria da OAB, que submeterá ao Conselho Seccional, porque depende de alteração no Código de Ética e no Estatuto. As duas comissões vão atuar junto ao TED.

Ponto na Curva: Sobre a obrigatoriedade da prestação de contas da OAB ao Tribunal de Contas da União, qual o posição do senhor sobre o tema? Lembrando que o caso está no STF e a ministra Rosa Weber concedeu liminar suspendendo a obrigação até o julgamento do mérito.

Submeter a OAB à prestação de contas do TCU é a mesma coisa de colocar uma mordaça nela, que passará a ter uma vinculação política e a ordem não flerta no campo político, mas sim no campo da constituição e da fiscalização da aplicação dos recursos públicos

Leonardo Campos: Somos absolutamente contra a fiscalização do TCU. Quem fiscaliza a OAB são os próprios advogados. Todas as Ordens de Advogados do Brasil têm seus portais de transparência, as contas estão na advocacia, de modo que a OAB tem um sistema rigoroso de prestação de contas acessível a todos os advogados e sociedade, basta entrar no site da OAB. As contas da Ordem passam por uma Comissão de Fiscalização, de Orçamento e Contas. Essa comissão emite um parecer. Vem uma auditoria do Conselho Federal e audita as contas da OAB, que é encaminhada para a Comissão de Fiscalização. Fez a auditoria, encaminha o relatório à Comissão de Orçamento e Contas, que faz um parecer e um voto recomendando a aprovação ou não com base técnica. Esse parecer é remetido ao Conselho Pleno da OAB. Mais de 80 conselheiros julgam esse relatório do Conselho Federal e da Comissão Estadual. Aprovado aqui, encaminhamos essa prestação de contas ao Conselho Federal, que passa por uma segunda auditoria, que é submetida a Terceira Câmara do Conselho Federal que é composta por 27 conselheiros, um de cada Estado. E lá, passa por uma terceira votação. Então, a OAB tem suas contas abertas para a advocacia e a sociedade e colocar a OAB sob a fiscalização do TCU, é colocar a OAB vinculada a um agente político. É querer tirar a autonomia e direcionar a voz da instituição. Não recebemos nenhum centavo em recurso público. A única fonte da OAB é o exame de Ordem e a anuidade paga pelos advogados brasileiros. Submeter a OAB à prestação de contas do TCU é a mesma coisa de colocar uma mordaça nela, que passará a ter uma vinculação política e a ordem não flerta no campo político, mas sim no campo da constituição e da fiscalização da aplicação dos recursos públicos.

Ponto na Curva: Houve a retomada do debate sobre o fim do exame da OAB, inclusive o presidente da República, Jair Bolsonaro, se manifestou contra a aplicação da prova aos recém formados, já que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Como o senhor vê esse posicionamento?

Leonardo Campos: Totalmente equivocado. O exame é um instrumento de proteção social, uma garantia mínima da sociedade de que ela terá um profissional capacitado para tratar de seus direitos fundamentais, como o direito à vida, por exemplo, quando busca o leito de uma UTI, de um medicamento, direito à liberdade. Então esse discurso caminha na contramão da história. Hoje, o que se espera dos parlamentares é que unam os exames de proficiências nos demais conselhos e não que acabem com aquilo que já existe, uma vez que o próprio STF já atestou o exame da OAB nada mais é que uma garantia social.

Ponto na Curva: Muitos dizem que o senhor faz um trabalho mirando presidir o Conselho Federal da OAB. Esse interesse existe?

Leonardo Campos: Acho que é sonho de todo advogado presidir a OAB, de um modo geral. Não digo que não tenho vontade, mas isso deixo para 2021. Nesse momento, queremos devolver à advocacia os 80% de votos que tivemos na urna. Fazer uma gestão voltada aos compromissos que prometemos em 2018 e superar os 92% de aprovação que tivemos na gestão passada. Lá em 2021, quando teremos o pleito eleitoral, decidimos quais os desafios a advocacia nos chamará, um deles, por óbvio, se for o caso, o Conselho Federal. Não digo nem presidir, mas fazer parte do Conselho Federal, acho que é uma posição que todo o advogado que pertence ao sistema OAB e exerce os cargos que já exerci, almeja um dia chegar ao Conselho Federal. A vida política partidária não faz parte dos meus planos.