Lucielly Melo
A presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Maria Helena Póvoas, comemora o espaço que as mulheres tem conquistado nos últimos tempos em lugares que antes eram dominados pelas figuras masculinas.
Apesar de reconhecer que há muito ainda se fazer no combate ao machismo, Póvoas acredita que sua ascensão à Presidência do Poder Judiciário é prova de que as mulheres têm quebrado as barreiras na magistratura. Ao lado dela, está a desembargadora Maria Aparecida Ribeiro, como vice-presidente.
“A prova maior de que nos dias atuais isso não está mais enraizado no Poder Judiciário é a quantidade de mulheres que romperam essas barreiras como juízas e, a minha eleição com 20 votos”, disse Póvoas, que é a segunda mulher a estar à frente do TJ – a primeira foi a desembargadora Shelma Lombardi de Kato, há 30 anos.
Maria Helena tem suas reservas em relação a cotas concedidas para mulheres em outros órgãos. Na visão dela, “o tempo dirá às mulheres que não resolveu muito não”.
“Vai acontecer como nas eleições políticas, quando não encontram, eles botam laranjas para cumprirem a lei e depois deixam a mulher no meio do caminho, não explicam que precisa prestar contas ao TRE, independente se ganhar ou não eleição”.
Um dos desafios para a nova administração do Judiciário mato-grossense é a primeira instância. Póvoas afirmou que dará prioridade à finalização do concurso de juízes e realizar outras benfeitorias nas comarcas do Estado, para que o 1º grau se torne uma “sala de visita” do Judiciário para os jurisdicionados. Com isso, ela não deve seguir com o processo de preenchimento das nove vagas para o cargo de desembargador, que foram criadas na gestão passada.
Sobre o Processo Judicial Eletrônico (PJe), Póvoas admitiu que o sistema possui alguns erros – que pretende corrigi-los. Ainda revelou que a plataforma sofre, diariamente, tentativas de ataques de hackers, que acabam “sugando as energias” da TI do Tribunal. Essas situações já tem sido apuradas pelo TJ, que busca encontrar os criminosos.
A magistrada ainda falou que pretende buscar medidas para manter a Vara Especializada da Saúde Pública, cuja competência tem sido suspensa, em determinados casos, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, Póvoas destacou sobre os projetos pretende implementar alguns projetos, visando o combate à violência doméstica.
LEIA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:
Ponto na Curva: Nesta semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher e hoje temos uma mulher desembargadora à frente do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso. O que isso representa tanto para senhora como mulher quanto para a sociedade de forma em geral?
Maria Helena: Para mim, individualmente, um orgulho muito grande, o Poder Judiciário está colaborando com o gênero feminino e com a conquista de um espaço tão valoroso e de tamanha significação para sociedade. Para as mulheres, de uma forma geral, isso significa um incentivo para possam se verem nesse exemplo e dizer “todas nós podemos, basta ter foco e determinação”. Via de regra, as mulheres são criadas, assim como eu, numa sociedade machista, que vem preparando a criança de acordo com a mentalidade daquela sociedade contemporânea. Minha mãe fazia livros de receitas para que eu cozinhasse quando casasse. Ela, em especial, não se preocupava em conversar comigo sobre expectativa de carreira, de fazer uma faculdade. O meu pai sim, sempre me incentivou a fazer faculdade e não parar. Infelizmente, a sociedade que as criou colocou essa limitação implícita e muitas delas acabaram cometendo um erro muito comum, porém não é unanimidade, é refletir em um homem que seja aquele espelho daquilo que ela gostaria de ter sido. Ou seja, se ela gostaria de ser médica, ela vai transportar isso para um homem.
Ponto na Curva: Houve muitos avanços para as mulheres, mas a discriminação ainda existe. No Poder Judiciário é diferente ou já se sentiu discriminada?
Maria Helena: Acho que em todos os setores da sociedade vamos encontrar isso, não de forma generalizada, mas localizada. Hoje, não. Antigamente sim, de forma velada e até com concordância e superveniência das mulheres. Algumas se rebelaram, brigaram pelo voto feminino, e entre outras que brigaram em suas respectivas áreas, como a Chiquinha Gonzaga. Algumas delas romperam essas amarras. Outras foram coniventes por acharem que aquilo era natural. Isso hoje ainda perdura em algumas mentes.
A prova maior de que nos dias atuais isso não está mais enraizado no Poder Judiciário é a quantidade de mulheres que romperam essas barreiras como juízas e, a minha eleição com 20 votos
Logo que cheguei no tribunal, uma determinada pessoa – que já faleceu – no dia da minha posse como desembargadora disse: “Eu não sei o que a mulher quer com magistratura. Lugar de mulher é na cozinha!”. A prova maior de que nos dias atuais isso não está mais enraizado no Poder Judiciário é a quantidade de mulheres que romperam essas barreiras como juízas e, a minha eleição com 20 votos. E olha que cheguei como segunda (desembargadora), porque já tinha a desembargadora Shelma, que rompeu barreiras num período difícil onde realmente o lugar das mulheres não era na magistratura. Ela demonstrou toda sua competência e não tiveram como reprová-la no concurso, foi recebida no Judiciário, galgou todos esses cargos, ela foi inclusive minha professora na faculdade e depois colega no Tribunal. Fui a segunda a chegar no Tribunal, quando ela [Shlema] chegou nem banheiro para mulheres existia no Plenário. É uma satisfação muito grande estar rompendo barreira e demonstrar que a mulher não precisa ver em outra pessoa aquilo que ela gostaria de ser. Tente, porque vale mais a pena do que jogar essa expectativa no outro.
Ponto na Curva: Hoje, 1/3 do Pleno do TJ é composto por mulheres. O que isso representa?
Maria Helena: A chegada no segundo grau de jurisdição representa como as mulheres tem demonstrado aptidão na magistratura, garra e determinação com a toga e com a carreira. São valorosas mulheres. Essas nove desembargadoras que estão no Tribunal de Justiça tem demonstrado que chegaram aonde chegaram por brilho próprio, não por aquiescência de ninguém, mas por seus méritos.
Ponto na Curva: A violência contra mulheres ainda preocupa. Números mostram que os casos aumentaram ainda mais durante a pandemia que assola o país. Como o Poder Judiciário tem atuado nesses casos?
Maria Helena: Essa é uma das nossas preocupações. A desembargadora Maria Aparecida Riberio preside hoje a Comissão de Igualdade de Gênero das Mulheres e estamos tomando deliberações daquilo que iremos apresentar à sociedade, ferramentas que irão ajudar as mulheres a se protegerem mais. Essa é uma das bandeiras dessa gestão, além do foco no primeiro grau. Estamos empreendendo a campanha “Quebre o Ciclo”, que iremos levar às Delegacias de Polícia, estão sendo tomadas algumas providências, para mostrar as mulheres que essa violência tem um ciclo, que só se quebra se ela tomar uma atitude. O homem, depois que agride, promete que nunca mais fará de novo, mas logo depois faz de novo. Não baste só quebrar o ciclo, tem que denunciar. O Judiciário está pronto para dar uma resposta a isso.
Tenho minhas reservas em relação a cotas. Acho que o tempo dirá às mulheres que não resolveu muito não
Ponto na Curva: Recentemente, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou cota de 50% para chapas e diretorias nas seccionais de todo o país. A senhora é a favor das cotas? Acredita que esse é o caminho para a paridade de gênero?
Maria Helena: Todos esses espaços que conquistei na vida, nenhum deles tinha cota. No período que disputei a OAB, o TJ ou o TRE [Tribunal Regional Eleitoral] não tinha cota... acho que a liderança não se forma através de cotas. Porque para ocupar os espaços tem que ter luz própria e demonstrar que tem preparo, e isso não se constrói através de cotas. Tenho minhas reservas em relação a cotas. Acho que o tempo dirá às mulheres que não resolveu muito não. Vai acontecer como nas eleições políticas, quando não encontram, eles botam laranjas para cumprirem a lei e depois deixam a mulher no meio do caminho, não explicam que precisa prestar contas ao TRE, independente se ganhar ou não eleição. Tá comprovado que a questão de cotas na política não nasce dessa forma. E quantas nasceram da vontade popular e que realmente conseguiram florescer e irem à frente, independe de cotas?!
Ponto na Curva: Voltando um pouco para a gestão do Poder Judiciário, a senhora tomou posse há dois meses. Já conseguiu se inteirar de tudo e pode mencionar hoje qual o maior desafio?
Maria Helena: É realmente prover o primeiro grau de jurisdição em condições adequadas que atendam a sociedade e a magistratura, para isso precisamos urgentemente concluir o concurso para juízes, que está rolando há tempos. Isso é culpa do Judiciário? Não. O concurso é feito de várias fases, quem passa em uma, faz a outra. O candidato que reprova numa fase entra com medida judicial, questionando uma questão ou pontuação dele, o que paralisa todo o andamento do concurso. Agora veio a pandemia. Estamos na última fase, que é a prova oral. Esse é um desafio grande, prover [o concurso] num estado com dimensão grande como Mato Grosso, onde temos comarcas em lugares de difícil acesso e que precisamos promover e remover juízes. Precisamos fazer com que o 1ª grau de jurisdição seja a sala de visita do Judiciário, bem confortável para o jurisdicionado e sociedade.
Ponto na Curva: Só a contratação de mais juízes resolve?
Maria Helena: Não, não resolve. Esse [concurso] é um fecho desse vetor. Temos uma soma de vetores que vão convergir para esse sucesso que queremos dar ao 1º grau de jurisdição. O concurso é prioridade. O outro é chamar servidores aprovados no último concurso e dizer a eles, que se fez concurso em Água Boa, vai ficar lá. Porque, na verdade, faz para determinado lugar e depois quer vir para Cuiabá. Essa é uma regra não só no Judiciário.
Mesmo na pandemia, fui em algumas comarcas e verifiquei que meu antecessor [desembargador Carlos Alberto da Rocha] deu uma priorizada nas comarcas, construindo umas e arrumando outras, mas tudo dentro das limitações que tinha na época. Agora, percebi que ainda há comarcas, como a de Alta Floresta, que precisa urgentemente ser priorizada, porque senão vai cair na cabeça das pessoas. O desembargador Carlos Alberto fez uma pequena reforma lá, mas é claro que o que ele dispunha de verba não deu para atender todas as comarcas do estado. É uma soma de valores: o espaço físico de abriga os fóruns, o concurso para juízes e dos servidores – que está vigorando o último seletivo.
Ponto na Curva: Há muitas críticas com relação ao PJe (lentidão, erros e outros). O programa estava ou está preparado com essa nova era tecnológica que vivemos hoje em decorrência da pandemia da Covid-19? O que foi feito e o que se precisa fazer?
Maria Helena: Admito que esse é um outro desafio que merece carrear toda atenção a ele. Nossa estrutura de TI precisa sofrer uma nova intervenção no ponto de vista de atualização, modernização e capacitação de servidores, porque realmente temos e reconhecemos o problema. Não são só os problemas localizados na TI do Judiciário. Sofremos ataques de hackers diariamente e, isso suga nossas energias e nossa capacidade de trabalho, além de danificar nossas máquinas. Temos uma média de 12 tentativas de ataques de hacker por dia.
Ponto na Curva: Essas tentativas não tem como ser investigadas? Encontrar esses hackers?
Maria Helena: Estamos tomando algumas providências que, por ora, não vamos comentar, porque senão não vamos obter o resultado que esperamos no sentido de chegar à origem de onde vem partindo esses ataques.
Ponto na Curva: O Superior Tribunal de Justiça tem revisto algumas decisões do TJ de Mato Grosso, para reconhecer a ilegalidade da Resolução de criou a Vara da Saúde. O Poder Judiciário deve rever o tema, inclusive para evitar decisões conflitantes? Como que está sendo tratado esse tema?
Maria Helena: Acho que não obstante o fato de a lei dizer, que o caso do menor e do incapaz [que deve ser ajuizada ação na comarca onde residem], nada impede que aonde está de peticionar na Vara da Saúde Pública. Está comprovado com números a economia para os cofres do Estado e que ela deu certo. O juiz tem que se identificar com aquela vara com que foi designado. Não adianta botar um machista na vara de defesa das mulheres. E nós tivemos essa sorte de encontrar o doutor José Leite Lindote, que é um juiz que tem ligação estreita com a Vara da Saúde. Eu, se puder, vou revidar todos os esforços para manter a Vara da Saúde.
Precisamos fazer com que o 1ª grau de jurisdição seja a sala de visita do Judiciário, bem confortável para o jurisdicionado e sociedade.
Ponto na Curva: Foi aprovado o aumento do número de desembargadores no TJ e cargos de assessoria. Na gestão da senhora, isso será efetivado?
Maria Helena: Não sei se vai ser efetivado na minha gestão, porque meu foco é o 1º grau. Se isso concluir antes do meu mandato, passarei a fundo do preenchimento dessas vagas. Se não, meu sucessor fará isso. O meu antecessor conseguiu essa conquista, não podemos deixar de reconhecer isso. Eu, inclusive, já fiz, amigavelmente, um distrato com a empresa que já havia sido contratada para construir novos gabinetes. Ao invés disso, cheguei à conclusão de que está funcionando muito bem com os números de desembargadores e esse recurso será carreado para amparar os fóruns que estão na situação como o de Alta Floresta.
Ponto na Curva: Para finalizar, o que esperar da gestão Maria Helena como presidente?
Maria Helena: Darei todo o meu empenho e trabalho, farei isso com muita determinação para que possa realizar aquilo que propus fazer e realizar da melhor forma possível. A pessoa quando chega a um determinado patamar da vida, tem uma meta e, essa meta, no caso dos representantes de Poderes, é traduzida no seu discurso de posse. Espero cumprir à risca o que foi delineado no discurso de posse e fazer uma gestão que contemple todo mundo e voltada à valorização da magistratura. Mas, a par disso também poder dar aos jurisdicionados um bom trabalho. É bom lembrar que o TJMT é visto pelo CNJ como um dos melhores do país, é o selo Ouro do CNJ.