Lucielly Melo
Cerca de 45 mil processos de execução penal de Mato Grosso já rodam 100% pelo Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU). Isso significa que, todos os dados, petições e rotinas relacionados ao sistema carcerário não são mais protocolados de forma física.
É o que explicou o juiz auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça (CGJ), Otávio Affi Peixoto, ao Ponto na Curva.
Entre as benesses do sistema, conforme Otávio Peixoto afirmou, está a notificação enviada ao juiz sobre os benefícios assegurados ao detento. Toda vez que algum direito garantido ao preso está preste a vencer, o magistrado é avisado automaticamente pelo SEEU, o que impede o presidiário de cumprir pena a mais do que foi lhe aplicado.
Apesar de afirmar que o SEEU está em pleno funcionamento no Poder Judiciário mato-grossense, Peixoto disse que ainda restam dados a serem inseridos.
Ele destacou que dentro de 60 dias, a implantação do sistema deve ser totalmente finalizada.
“Ainda estamos vivendo numa fase de implantação, que é lançar todas essas datas de prisão e soltura, para que os cálculos ocorram de uma forma automática, isso é feito de uma forma organizada, primeiro os casos mais urgentes regime fechado, semiaberto e aberto, no sentido de atender o regime fechado que são os presos que demandam mais atenção”.
“O que falta ainda é que o sistema rode o seu maior benefício que é ninguém ter mais que mandar o processo para o computador para fazer um cálculo de pena. Temos mais 60 dias para terminar a implantação, o que falta é essa funcionalidade, terminar de lançar esses dados”, completou.
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Ponto na Curva: Inicialmente, faça uma explanação do que é o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU)?
Otávio Peixoto: Na verdade, o SEEU é um projeto do Poder Judiciário hoje. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso assinou um termo de adesão antes da resolução tornar obrigatório, porque, agora, há cerca de 30 dias, o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] editou uma norma tornando obrigatória a implantação em todos os tribunais que executam a pena, até 31 de dezembro. Antes disso, o TJMT reuniu com o CNJ, os juízes auxiliares e secretários gerais e na ocasião ficou definido o mês de fevereiro para assinatura do termo de adesão. Em fevereiro foi assinada a adesão, mas desde antes já vinha se preparando. Não é um projeto da Corregedoria, mas do Poder Judiciário, que na parte operacional, a atribuição quase que toda é da Corregedoria, com supervisão das varas, verificação da implantação e outros. Mas, é um projeto que engloba praticamente todos os departamentos do TJ, por exemplo a Tecnologia da Informação, Infraestrutura, Coordenadoria Militar, Presidência e a Corregedoria.
Ponto na Curva: Sobre o projeto em si, o que vai mudar na execução penal?
Otávio Peixoto: A ideia da execução eletrônica veio em 2016 com o primeiro ato do CNJ, que deu um prazo de três meses para que os tribunais começassem a implantar. Na última gestão, o CNJ acabou não colocando como prioridade, mas, agora, na gestão do ministro Dias Toffoli junto com o DMF, que é o Departamento de Monitoramento de Fiscalização do sistema carcerário e medidas socioeducativas, ele fez uma parceria com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e colocaram algumas frentes de trabalho para melhorias na questão da execução penal e dos reeducandos no Brasil todo. A primeira ação é justamente essa, tornar todos os processos eletrônicos por meio do SEEU. Depois disso, o projeto prevê ações do CNJ em parceria com o Executivo e o Tribunais dos Estados, como a biometrização de todos os presos e o aparelhamento das varas de custódia, para que quando a pessoa ingressar no sistema prisional já entrar biometrizado. Uma terceira e quarta etapa são ações para ressocialização, relacionadas a trabalhos extramuros e a fortalecimento dos escritórios sociais. É nesse cenário que o SEEU se insere, ele vem como uma primeira etapa de melhoria da execução penal como um todo.
Ponto na Curva: Qual o objetivo específico? Como ele funciona?
Otávio Peixoto: Hoje, temos algumas ações a nível nacional no sentido de tornar os cadastros da justiça criminal mais eficientes. Uma delas é a biometrização e a própria implantação do sistema eletrônico, porque a partir do momento em que o Brasil estiver todo rodando dentro do SEEU, não vai ter mais pessoas com duas guias de execução. Às vezes, a pessoa tem dois processos de execução no mesmo Estado ou em Estados diversos. O sistema, assim que implanta, toda vez que cadastrar nova condenação a alguém que já tem uma guia de pena tramitando, é obrigado a inserir essa nova condenação no mesmo processo. Isso gera eficiência na execução e afasta a possibilidade de ter questões injustas, tanto no ponto de vista da cobrança da pena, como fazer que a execução seja justa no ponto de vista do reeducando. Além disso, há outras ações que contam com o esforço do Ministério da Justiça, como por exemplo o banco de DNA, que foi criado um comitê nacional. Existem hoje em todos os estados os laboratórios com relação ao banco genético, para se ter um modelo em que tem todas pessoas que tenham recebido condenação por crimes mais graves, tenham sua base de dados genéticas registrada, inclusive para apuração de crimes posteriores. A tendência é unificar os cadastros de todos os órgãos ligados à execução de penal e a justiça criminal tenha fidelidade tanto nas consultas como nas inserções. Junto disso veio o BNMP 2.0, que é o banco nacional dos mandados de prisão, também a tendência é que todos os estados migrem, tanto na esfera judicial como na policial, para um único controle de prisões e de guias de execuções, ele não expede só mandado de prisão e alvará, ele também expede guias de execuções. Isso é uma tendência atual de conseguir unificar todos os dados.
Quando falta 30 dias para vencer algum benefício, o sistema já alerta, se o benefício vence sem nenhuma providência ele também alerta
Ponto na Curva: Como está o projeto de implantação do SEEU em Mato Grosso?
Otávio Peixoto: Ainda no mês de janeiro passado, logo que o TJ sinalizou que faria a adesão no mês de fevereiro, fizemos uma visita técnica no Estado de Rondônia, que estava fazendo a implantação do projeto. A partir disso, começamos então a digitalizar os processo, houve uma capacitação ao servidores que foi feita por videoconferência. No mês de março, o CNJ veio para ajudar com uma força-tarefa, iniciando o período de implantação com dois juízes e cerca de 10 servidores de Minas e do Paraná e começamos a fazer o cadastro, porque fazer o sistema funcionar implica em trazer o acervo para dentro do sistema de modo digital: gera os arquivos ou escaneia os processos, insere no sistema e depois cadastra o número único, nome das partes, datas de prisão e de soltura. Feito isso, o sistema passa a calcular todos os benefícios, tudo aquilo que impacta no cumprimento da pena de forma automática, dando, inclusive, alertas para o juiz, promotor e advogado. Quando falta 30 dias para vencer algum benefício, o sistema já alerta, se o benefício vence sem nenhuma providência ele também alerta. O que aconteceu é que os processos foram digitalizados, eram cerca de 45 mil execuções de pena, ao mesmo tempo que foi feito a digitalização, a Corregedoria determinou um enxugamento para verificar aquilo que já foi prescrito, aquilo que era pra ter sido arquivado, o que tinha a pena vencida e o que ainda existia nas escrivaninhas. Depois disso com o CNJ aqui, já foi feito o cadastro e hoje o Estado já roda plenamente no SEEU, não se recebe mais nenhuma execução penal de forma física. Toda a execução penal nova entra no sistema imediatamente e as execuções que existiam já foram inseridas. Hoje, qualquer peticionamento, manifestação do sistema penitenciário de comunicar uma falta, atestado ou outro é tudo feito por dentro do sistema. Ainda estamos vivendo numa fase de implantação, que é lançar todas essas datas de prisão e soltura, para que os cálculos ocorram de uma forma automática, isso é feito de uma forma organizada, primeiro os casos mais urgentes regime fechado, semiaberto e aberto, no sentido de atender o regime fechado que são os presos que demandam mais atenção e também os casos urgentes na medida que tem um pedido, algo urgente para se fazer, as penas são implantadas de imediato no sistema e aí o juiz vai apreciando.
Ponto na Curva: Isso funciona com as guias provisórias e guias definitivas?
Otávio Peixoto: Para todas as guias, inclusive guia de internação, não só pena restritiva de liberdade. Para dentro do sistema vão todas as penas restritivas de liberdade, todas as penas restritivas de direito, sejam elas fixadas de maneira provisória ou definitiva, portanto, vai guia provisória ou definitiva como também as guias de internação, que são aquelas condenações a medidas de tratamento ambulatorial de internação, quando a pessoa é declarada incapaz de receber pena criminal, portanto, não é presa, mas internada ou com medida ambulatorial para o tratamento.
Ponto na Curva: Nesses processos são só criminais ou colocam os cíveis, no caso de multa ou pena restritiva de direito?
Otávio Peixoto: Não, as prisões civis ou qualquer outra condenação no âmbito cível não vai para dentro do SEEU. Inclusive no SEEU não coloca aquelas medidas que são aplicadas no Juizado Criminal, até porque elas não tem natureza de condenação, são penas antecipadas aceitas por acordo e isso se exclui do SEEU. O sistema só recebe condenações de restrição de liberdade ou de direito. Se o processo é suspenso, chamado sursis processual, isso não gera um procedimento de cumprimento para ser feito dentro do SEEU. Ele é feito o cumprimento dentro do processo, até porque não é condenação também, é uma suspensão do processo. De resto, hoje, todo o Estado está inserido no SEEU. Estamos na última fase agora, na medida em que o sistema já está rodando, de implantar as penas. Mas, hoje, ninguém mais pratica ato físico nos processos, os processos físicos estão sendo arquivados, na medida em que termina de lançar a prisão, a soltura e o sistema começou a calcular sozinho, vai uma certidão para o processo físico e ele é arquivado definitivamente.
Ponto na Curva: Hoje são 45 mil processos?
Otávio Peixoto: No início dos trabalhos eram 45 mil processos, esse número varia, porque conseguimos baixar muito processo enquanto estava fazendo essa preparação. É bom lembrar que durante esse período, as guias continuaram entrando, então se tem uma distribuição que não para, que continua existindo.
Ponto na Curva: Baixar é quando a pessoa já cumpriu a pena e é colocada em liberdade?
Otávio Peixoto: Isso, evitamos levar para o sistema o processo que já tinha terminado e estava existindo fisicamente na escrivaninha dependendo de uma declaração do juiz de que a pena foi cumprida. Quando estávamos digitalizando os processos fomos verificando o que tinha de prescrição, pagamento de pena já que as vezes faltava uma multa, as vezes faltava publicar edital de uma multa ou de uma sentença que extinguiu a pena, a punibilidade do reeducando... era evitar um retrabalho, de ter que fazer a digitalização, cadastro de um processo que ia virar eletrônico só para morrer. A pessoa não tinha nenhuma pena para pagar e o processo estava só aguardando ser declarado extinto. Quando a pessoa termina de pagar a pena depende ainda de um ato posterior em que o juiz vem e declara que o processo terminou e tem uma série de atos praticados, essa era a ideia evitar que fossem inseridos no sistema processos que não tinham mais porque existir.
Ponto na Curva: Quanto ao socioeducativo, os dados também são cadastrados no SEEU?
Otávio Peixoto: Não, mas existe uma tendência natural de que o CNJ venha depois expandir a plataforma para a execuções de medidas socioeducativas, só que isso não existe hoje, as medidas socioeducativas não são colocadas dentro do SEEU.
Com o SEEU é possível que faça o agendamento para a soltura da pessoa no dia em que ela tem direito ao benefício, no dia que vence o prazo
Ponto na Curva: Qual a data limite para que o programa esteja 100% em execução?
Otávio Peixoto: Não se pode dizer que hoje não está 100% rodando. O Estado hoje é 100% eletrônico em execução. Está rodando, hoje, ainda que o juiz tenha que enfrentar uma petição urgente, um benefício que está para vencer ou que está vencido, o procedimento é exigir da escrivaninha que faça a implantação ou o cálculo. Não tem mais ninguém em Mato Grosso que trabalha com processo físico. Se hoje uma cadeia ou penitenciária, emitir um atestado de comportamento, por exemplo, para efeitos de progressão e chegar no Fórum para protocolizar, o Fórum não aceita mais. Se ele tentar fazer por algum dos outros sistemas, como o Apolo, o sistema não aceita mais. A gente não pode dizer que o Estado não está 100% no SEEU, o Estado já está. O que falta ainda é que o sistema rode o seu maior benefício que é ninguém ter mais que mandar o processo para o computador para fazer um cálculo de pena. Temos mais 60 dias para terminar a implantação, o que falta é essa funcionalidade, terminar de lançar esses dados.
Hoje, ele é o processo mais eletrônico que temos, porque há automação, ele elimina uma função humana que é de calcular a pena. Tem lugares do Brasil, em Minas Gerais, por exemplo, não roda 100% no SEEU, pois nas comarcas de primeira instância decidiram pegar só os novos processos, os velhos eles deixaram morrer físico. Nós não. Pegamos todos os velhos colocamos para dentro e ficamos com a opção de ficar com o acervo eletrônico. O SEEU é muito melhor que o PJE. Mato Grosso do Sul é 100% eletrônico, inclusive execução penal, só que eles são eletrônicos no SAJE, que é um sistema de processos eletrônicos. Só que existe umas funções automáticas, expedir DJE, intimação, só que quando chega no ponto mais sensível da execução que é mais ou menos assim, tem que ter uma organização muito boa na vara. O sistema quando ele é alimentado com as datas calcula tudo automático e avisa, então ele funciona bem, alimentado. Todos os processos eletrônicos são digitais, não são eletrônicos, tem PDF, tem comunicações de intimações, mas ele não tem esse nível de automação e o SEEU tem. Tem Estado que fez a implantação mal feita e ficou com o processo digital, não eletrônico. O SEEU se não alimentar, continua fazendo as coisas por dentro do sistema, mas se não calcular não tem muita valia.
Ponto na Curva: Então ele tem um trabalho muito importante, mas é preciso lançamento correto dos dados?
Otávio Peixoto: Nele se elimina a atividade humana de fazer cálculo e aquela ineficiência que havia, porque é impossível, sem esse equipamento, dar os benefícios à pessoa no dia que vence. Nunca vi nenhuma vara que conseguiu. Com o SEEU é possível que faça o agendamento para a soltura da pessoa no dia em que ela tem direito ao benefício, no dia que vence o prazo. Já tem tribunal fazendo isso, Paraná fez um sistema de instrução normativa em que 30 dias antes, o juiz pede o atestado, quando o sistema alerta e tem uma portaria conjunta entre a Defensoria, a OAB, o MP e o Tribunal de que o juiz solta aquilo. Nesses 30 dias, quem quiser reclamar, tem chances de reclamar, mas já estão sabendo que no dia o preso vai receber o alvará lá na cadeia.
Ponto na Curva: O SEEU pode evitar com que condenados cumpram tempo a mais de pena?
Otávio Peixoto: Isso e evita também que as pessoas não deixem que cumpri a pena porque a Justiça não consegue responder a tempo. O SEEU tem um ganho de eficiência, permite que o juiz tenha preocupação com outras atividades essenciais. Junto disso vem outras coisas, que é a videoconferência que estamos trabalhando para acabar com a presença física, pois no sistema penitenciário tem muita liberdade para aplicar os meios eletrônicos, pois tem que desmitificar isso. A relação do Judiciário ao cumprimento de pena é uma atividade administrativa, tem muito pouco de judicial, ela pode ser chamada de judicial porque nosso sistema entrega para um juiz a atividade de fiscalização do cumprimento da pena, mas há países que sequer isso é feito com o juiz. Existem instâncias de intervenção judicial de cumprimento da pena em outros países que são bem menores do que no Brasil. Aqui se optou pelo modelo em que o juiz acaba fazendo muito, mas só que é uma atividade eminentemente administrativa, pois a pessoa já está condenada. A guia é um cheque da sociedade contra o indivíduo, que passa por uma vara para ser resgatado, está ali resgatando pena. Existe muita margem legal para se automatizar as tarefas, para utilizar videoconferência... Esse tipo de ferramenta torna possível fazer a Justiça mais eficiente e subir a pressão para o Executivo, que é exigido pela sociedade para que melhore nisso, questão penitenciária sabemos como que é, não está nas mãos do juiz construir cadeias, penitenciárias e centros de detenção. É uma tarefa que está fora do âmbito judicial, mas no final, o débito dessa conta de executar mal as penas acaba caindo sob o judiciário, que tem essa atividade burocrática de lidar com as guias de execução.