facebook instagram
Cuiabá, 22 de Novembro de 2024
logo
22 de Novembro de 2024

Entrevista da Semana Quinta-feira, 05 de Setembro de 2019, 09:17 - A | A

05 de Setembro de 2019, 09h:17 - A | A

Entrevista da Semana / ABUSO DE AUTORIDADE

Turin: a lei é mal redigida e mal feita, vai acabar por cercear o combate à criminalização com seus artigos nocivos

Para Turin, o texto fará com que os promotores passem mais tempo respondendo a ações do que trabalhando

Lucielly Melo



“Fizeram uma lei que vai acabar dificultando o abuso real, o verdadeiro, que é pior do que a lei antiga que já existia sobre isso. Na prática, vai acabar dificultando a atuação de quem vai trabalhar. Tem várias situações nessa lei nova, que são nocivas, que são prejudiciais. (...) O promotor vai passar mais tempo respondendo representações por eventual crime que não aconteceu do que trabalhando”.

A declaração é do promotor de Justiça Roberto Aparecido Turin, que preside a Associação Mato-grossense do Ministério Público (AMMP).

Ele é contra a sanção do Projeto de Lei de Abuso de Autoridade, já aprovado pelo Senado e pela Câmara Federal e que está agora nãos mãos do presidente da República, Jair Bolsonaro.

Turin afirmou que é a favor de punir quem abusa da autoridade, mas que o projeto foi “mal feito” e “mal redigido”, que pode cercear o trabalho contra a criminalidade.

Em entrevista ao Ponto na Curva, o promotor, que atua na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa, também falou sobre o caso da Grampolândia e a suposta participação de membros do Ministério Público do Estado em práticas ilícitas, como barriga de aluguel.

Ele comemorou a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que determinou a remessa das investigações dos promotores citados ao procurador-geral de Justiça. E também criticou a atuação da OAB no caso, por entender que há conflito de interesse.

“Sempre defendi que há um conflito de interesse entre a OAB, como instituição, que é composta por advogados que defendem seus clientes e o acompanhamento das investigações nas quais ela não faz parte”.

Turin também falou sobre a suspensão dos processos que envolvem compartilhamento de dados fiscais e bancários, sem autorização judicial. Segundo ele, a decisão é “absurda” e atrapalha as investigações.

VEJA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:

Ponto na Curva: Primeiramente, gostaria que o senhor falasse sobre sua atuação no Ministério Público de Mato Grosso.

Roberto Turin: Sou promotor de Justiça há 25 anos. Desses 25 anos, passei uma parte no interior do estado: Nova Xavantina, Água Boa, Araputanga, Quatro Marcos, Cáceres e o restante aqui em Cuiabá. Aqui, trabalhei no Gaeco [Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado] e no Tribunal do Júri em Várzea Grande. Depois vim para o Patrimônio Público, onde estou há 15 anos.

Ponto na Curva: Qual sua opinião sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que determinou a remessa do caso que envolve promotores ao procurador-geral de Justiça?

Roberto Turin: Nós do MPE, já há bastante tempo nessa investigação da Grampolândia, vínhamos defendendo a tese, da questão da competência. Todo mundo quer e nós também queremos, uma investigação desse caso, que é sério, muito grave, envolvendo agentes públicos e o direito do cidadão de sua intimidade. Mas, a investigação, obviamente, tem que ser feita nos órgãos competentes. O que chamamos de órgãos competentes? Aqueles que a lei define – lei prévia, já em vigor antes dos fatos da Grampolândia – quais são os órgãos que investigam determinadas situações e determinadas pessoas. É o caso dos agentes do Ministério Público, é o caso de juízes de Direito e dos militares – que tem a Vara dos Crimes Militares. O que a lei prevê? Olha, qualquer ato considerado crime, que foi imputado a um juiz de Direito, a investigação é feita pela Corregedoria. Se for promotor de justiça, a investigação é feita pelo procurador-geral de Justiça e isso vinha sendo descumprido desde o início. Tínhamos a declaração do promotor Mauro Zaque, que era ex-secretário de Segurança, dizendo que tinha dado conhecimento dos fatos ao governador, a história já conhecida. Ele declarou isso e assinou. Com isso, o Ministério Público já entendeu, naquela época, há dois, três anos, que haveria indício de participação do então governador do Estado. Se haveria indícios de participação do governador, ele é investigado e julgado perante o STJ, então o processo, naquele momento, tinha que ser remetido ao STJ e era isso que o Ministério Público defendia. Houve uma insistência em manter esse processo aqui, dizendo que não tinha envolvimento do governador, mas tinha declaração que em tese o envolvia. Em determinado momento, esse processo, por provocação do próprio governador da época junto ao STJ, foi avocado para lá. Depois que Pedro Taques deixou de ser governador, voltou o processo para cá, mas ficou a questão: “Olha se vai investigar juízes de Direito, é a Corregedoria; se vai investigar promotor de justiça, tem que ser o PGJ”. Por isso, o MPE impetrou novamente no STJ, que determinou que essa lei fosse cumprida, que a investigação sobre os juízes fosse à Corregedoria e a investigação referente aos promotores fosse integralmente da PGJ. A decisão do STJ é só isso, ela não absolveu ninguém, não encerrou investigação, não anulou todas as investigações que foram feitas – ela anulou parte que teria sido feita depois que o processo retornou do STJ. Então colocou a casa em ordem, vamos assim dizer. As investigações prosseguem, agora, junto aos órgãos competentes para fazer essa investigação, que precisa ser profunda e detalhada, porque há muito falatório, muita suspeita, muito disse-me-disse e isso gera um sentimento de desconfiança. Esse sentimento de desconfiança por parte da população e de outros organismos e instituições, só vai ser esclarecido com a apresentação do resultado dessa investigação, que tem que ser pública, mostrada e publicada, para dizer "resolvemos denunciar fulano, porque tem indício de que ele praticou o crime" ou "resolvemos arquivar contra fulano, porque não existem elementos de que ele praticou crime nenhum". Isso tem que ser colocado publicamente e só assim vamos ter uma solução final para a investigação desse caso da Grampolândia.

Ponto na Curva: E como fica a OAB agora? Ela pode acompanhar as investigações referentes aos promotores?

Roberto Turin: Essa questão da OAB também precisa ser esclarecida. Tem muita gente que confunde e causa uma certa desinformação, jogando várias histórias e fatos diferentes tudo num pacote só, num balaio só, como se tudo fosse Grampolândia, o que colou e pegou, falou Grampolândia, junta tudo e não separa as coisas do que é e não é. A OAB fez uma representação junto ao Tribunal de Justiça, dizendo que em determinados casos das investigações Imperador/Ouro de Tolo, que investigavam Roseli Barbosa, Silval Barbosa, houve por parte do Ministério Público a prática de barriga de aluguel. Numa outra, ela diz que as promotoras de Justiças Ana Cristina Bardusco e Januária Dorileo, porque elas trabalham na Promotoria de Combate à Sonegação Fiscal, tinham na Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) uma senha e que acessaram indevidamente sigilo bancário e fiscal de determinadas pessoas, sem autorização judicial. E em outro, ela [OAB] diz que algumas pessoas não teriam sido investigadas aqui no estado. Basicamente, a representação da OAB é isso, que foi juntada com o caso dos militares Evandro Lesco, Zaqueu Barbosa, cabo Gerson Corrêa Júnior, que também investigava Pedro e Paulo Taques, no que chamam de Grampolândia propriamente dita, que foi o esquema que eles montaram para investigar pessoas do interesse político ou pessoal deles, que não tinham nada ver com essa representação que a OAB fez. Era preciso separar isso. Nessa representação, o TJ, na época o desembargador Perri, aceitou a OAB como denunciante, autora da notícia-crime e disse que ela poderia acompanhar as investigações. O que o Ministério Público sempre questionou? É que essas alegações da OAB são muito amplas, atingindo toda e qualquer interceptação telefônica no estado, tanto que ela pede que nos últimos cinco anos levante-se todos telefones que foram interceptados. Ora, qual que é o interesse nisso? Por que a OAB – que é composta por advogados, que defendem, dentro do seu devido papel, não há nada contra isso, mas que defendem os acusados, os investigados, as pessoas que têm, sim, o interesse na anulação das investigações – quer saber o que tem lá dentro? Por isso que sempre defendi que há um conflito de interesse entre a OAB, como instituição, que é composta por advogados que defendem seus clientes e o acompanhamento das investigações nas quais ela não faz parte. No processo penal, quem tem direito de ter acesso à investigação é o investigado, o delegado de polícia, o MP, o juiz e a vítima, se for o caso. É claro que o investigado e a vítima representados por seus advogados, é essa a lógica do processo. Os investigados nessas investigações todas já têm seus advogados, o que a OAB vai fazer lá, além dos advogados que já estão nesse processo?! "Ah, houve um advogado que pode ter sido interceptado ilegalmente e a OAB vai defender os interesses dele", ótimo, mas tem que ser naquele caso específico daquele advogado e não amplo e geral. Sempre contestamos essa participação da OAB. O que o MP está fazendo é uma contestação técnica, isso não quer dizer que não queremos a publicidade da investigação, que não queremos clareza, que não queremos que a investigação seja pública e conhecida, de que ela não seja fiscalizada. Há a fiscalização do próprio Judiciário sobre a investigação, prevista na lei, tem o controle da Corregedoria, tem controle social feito pela mídia e pelos próprios advogados do processo e pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Ninguém está fugindo de controle externo dessa investigação. O que brigamos e é papel do MP, defender a ordem jurídica, a lei e ser fiscal do estrito cumprimento dela, que não prevê a participação da OAB, não prevê que os promotores de justiça, eventualmente acusados de crimes, sejam investigados por um órgão qualquer que não a Procuradoria-Geral de Justiça. A lei não prevê que juízes acusados de eventuais crimes sejam investigados por outro órgão que não a Corregedoria. "Ah, mas isso é corporativismo", pode-se entender como corporativismo, mas o que estamos fazendo é defender o cumprimento da lei e ela vale para todo e qualquer promotor e em todo e qualquer estado desse país e vale também para os promotores de Justiça de Mato Grosso.

Ora, qual que é o interesse nisso? Por que a OAB – que é composta por advogados, que defendem, dentro do seu devido papel, não há nada contra isso, mas que defendem os acusados, os investigados, as pessoas que têm, sim, o interesse na anulação das investigações – quer saber o que tem lá dentro?

Com relação à participação dos promotores de Justiça ou não no que se chama Grampolândia. Nesses casos que a OAB denunciou, referente à Ouro de Tolo, à Imperador, a investigação da Roseli Barbosa e do Silval Barbosa, são casos onde vemos que eles estão usando argumentos de defesa. "Olha eu considero barriga de aluguel quando Ministério Público intercepta as comunicações telefônicas de outras pessoas que não são réus ou alvos daquela operação". Isso é uma tese de defesa. No caso da Roseli Barbosa, o que eles dizem o que seria barriga de aluguel: que a investigada seria ela, mas teria sido interceptados os telefones de Silval e dos filhos deles e de outras pessoas da casa. Isso é barriga de aluguel? Não é. O que é barriga de aluguel? É induzir à erro, enganar o juiz e o MP ou autoridade policial e interceptar, ilegalmente e sem ordem judicial – porque se obtém ordem judicial falsa – pessoa que não é objeto de investigação. Por exemplo, está investigando a Roseli Barbosa e quero também grampear o telefone de uma terceira pessoa. O que eu faria? Faço um pedido ao juiz, dizendo que estou investigando a Roseli e quero também interceptar os telefones de Silval Barbosa, dos filhos e de outras pessoas que estão naquela casa e elenco uma lista de telefones e no meio coloco da terceira pessoa. O juiz não sabe que aquele telefone é da terceira pessoa, mas está acreditando que seja de um dos investigados e, por isso, autoriza a interceptação. Essa é uma interceptação de barriga de aluguel, o que não aconteceu no caso da Roseli Barbosa. O que a OAB entende como barriga de aluguel é o fato de ter ouvido os filhos, o próprio Silval – então governador na época – e a própria Roseli, mas o MP fez isso porque entendia que ela tinha ligação com eles e poderia conversar sobre o objeto da investigação, já que estavam no mesmo ambiente e que inclusive poderiam usar o telefone do outro. O Ministério Público pediu isso, fez uma petição explicando ao juiz, que deu a autorização para interceptar todos os telefones. Isso é barriga de aluguel? Nem aqui e nem na China. Mas, ela [OAB] entende que é, porque ‘sou advogado e quero defender esses outros e quero provar que que foram interceptados ilegalmente, com isso eu poderia anular também a própria condenação da Roseli’. Aí volta aquela história de conflito de interesses e de teses defensivas, mas aqui não tem barriga de aluguel, diferentemente da história do Zaqueu, Lesco e cabo Gerson, lá em Cáceres. O que eles fizeram exatamente isso que falei: eles foram ao juiz à pretexto de investigarem militares da fronteira que poderiam estar envolvidos com a prática de tráfico e outros crimes. Falaram para o juiz: "Olha, estamos investigando militares aqui" e pedem a interceptação de vários telefones e no meio colocam telefones de Janaina Riva, do jornalista Muvuca, de advogados, da suposta amante do Paulo Taques, sem que o juiz de Cáceres soubesse que essas pessoas tivessem qualquer relação com o fato investigado, que era a participação ou não de militares da fronteira em crimes de tráfico. Isso é barriga de aluguel. Teve participação do MP? nenhuma. O promotor e o juiz de Cáceres foram induzidos à erro, eles não sabiam que os telefones dessas pessoas estavam dentro daquela investigação, aí é a verdadeira barriga de aluguel, que é o que sempre chamamos de Grampolândia, que não tem nada a ver com a representação da OAB. Veja o porquê da necessidade de separar as coisas, o que não é feito. A própria mídia, às vezes, trata tudo como uma coisa só, não separa uma coisa da outra. Tem que analisar essa decisão do STJ, qual extensão ou alcance dela. Se não chegou a anular o despacho/decisão que o desembargador Orlando Perri, que determinou o acompanhamento da OAB, vai continuar tendo o acompanhamento da OAB, até que essa decisão seja modificada ou não. Decisão judicial enquanto não revogada, ela precisa ser cumprida, embora não seja obrigado a concordar com ela e embora se possa criticá-la e mostrar que está errada, que é o que estamos fazendo.

Ponto na Curva: O senhor acredita que após esse caso da Grampolândia haverá mais atenção por parte dos magistrados quando houver pedido de interceptação?

Roberto Turin: Não, não vejo essa espécie de atenção. O que sempre defendemos é o seguinte, como essa história da Grampolândia veio à público, de uma maneira geral, criou-se um sentimento de repulsa à todas interceptações telefônicas, como se tudo fosse grampo, como se fosse ilegal, o que não é. Tirando essa história de Cáceres, o resto das interceptações que conhecemos, 99,99% delas são legais, são lícitas e é um meio muito importante de produção de prova, principalmente quando se investiga crimes contra a administração pública, tráfico, crimes de organizações criminosas – PCC por exemplo – são, via de regra, a comunicação telefônica. A interceptação telefônica, às vezes, é a única forma de conseguir desvendar os fatos, de reconhecer essa organização criminosa, de desbaratá-la ou mesmo de impedir a ação em alguns atos criminosos. As interceptações telefônicas feitas de maneira lícita, de acordo com a lei, é um instrumento de prova muito útil e muito válido e a história da Grampolândia não pode jogar na vala comum todas as interceptações telefônicas como se fossem ilícitas, o que não é verdade.

"Ah, o promotor de Justiça usava verba do Gaeco para comprar cachorro", quando o cabo falou isso ficou parecendo que o promotor tinha comprado um poodle para levar pra casa

Ponto na Curva: O senhor acredita que a imagem do Ministério Público, ante aos últimos acontecimentos dos grampos, está desgastada?

Roberto Turin: Por que? Eu sou promotor de justiça há mais de 25 anos. O MP de Mato Grosso, no qual tenho muito orgulho de participar, tem serviços prestados à sociedade há muito tempo. Graças a Deus temos um bom quadro de promotores de Justiça no estado inteiro. Se perguntar para qualquer pessoa, ela vai saber qual a atuação de um promotor de Justiça em várias áreas: saúde, meio ambiente, cidadania, idoso, criança e adolescente, na defesa do combate à corrupção, todas as operações que o Gaeco já realizou no estado. Agora, diante de uma representação feita pela OAB – que como já expliquei que não existe barriga de aluguel e que é notadamente técnica de defesa – e a acusação que vem dos próprios militares, esses, sim, investigados, envolvidos e até confessaram a prática de barriga de aluguel. Eles já foram interrogados, perdi a conta de quantas vezes, e sempre mudam de versão. Eles chegam e dizem: "O pessoal do Gaeco fazia barriga de aluguel". E qual é a barriga de aluguel que o Gaeco fazia? Não apontaram. Cito de novo o caso da Roseli, que a gente já provou tecnicamente que ali não tem barriga de aluguel. "Ah, o promotor de Justiça usava verba do Gaeco para comprar cachorro", quando o cabo falou isso ficou parecendo que o promotor tinha comprado um poodle para levar pra casa. Depois se viu que era um cachorro farejador usado pelo Bope, treinado... Ou seja, a história é bem outra que àquela. "Ah usou para consertar a moto", olha, o doutor Célio Wilson, que está até aposentado, já explicou que a moto dele sofreu acidente, que tinha seguro, que pagou o seguro, que tem franquia e documentação. O que vemos é o seguinte: eles, os militares, no afã, na ânsia de conseguir eventuais benefícios de uma colaboração premiada, que o MP negou e negou corretamente, porque eles não apresentaram nenhum indício de fatos que já não fossem do conhecimento do Ministério Público, que não fossem confessados por eles mesmo, não trouxeram nada de credibilidade com relação as outras acusações que estão fazendo. "Se não consegui com o Ministério Público, vou tentar com o juiz" e aí começa esse processo. Não temos até agora [indícios], as investigações estão em andamento, vamos esperar serem concluídas, mas vamos supor que elas sendo concluídas e se comprova que algumas dessas alegações é verdadeira. Os promotores de Justiça que eventualmente tiverem feito esses atos, devem ser punidos. Pode acontecer também de eles serem absolvidos, a investigação ser arquivada, porque não vai haver prova nenhuma. Mas, vamos partir da hipótese de que realmente haja e eles venham ser denunciados, julgados e condenados. Temos que separar a instituição do Ministério Público da pessoa "a", "b" e "c". Eventuais erros – volto a frisar que não tem prova nenhuma que tenha havido erro – podem acontecer em qualquer instituição. Não é porque há erros que a instituição toda entra em descrédito. Temos que separar a instituição das pessoas. A instituição MP é muito maior e melhor do que as pessoas que a compõe. Falta aqui, na sociedade e na mídia, o que chamo de solidariedade institucional. No Brasil, não temos o costume de defender as nossas instituições. Tudo o que o Ministério Público faz e fez, tudo que enfrenta, daí aparece uma acusação contra um promotor, o Ministério Público todo está em descrédito? Isso é injusto para com a instituição, com os membros que o compõe. Não consigo enxergar o MP em descrédito perante a sociedade de Mato Grosso por conta de uma acusação de grampo contra um outro promotor, ainda sob investigação, ainda não provada e mesmo que venha ser provada, o erro seria de quem praticou e não da instituição. Se for colocar uma balança, crédito e descredito, nosso credito está muito maior do que eventualmente está essa acusação.

Ponto na Curva: Como o senhor vê a decisão do ministro Dias Toffoli, que mandou suspender os processos judiciais, inquéritos e procedimentos de investigação criminal em que há o compartilhamento de dados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, sem autorização do Poder Judiciário?

Roberto Turin: Isso é um absurdo total, é uma decisão teratológica, infundada, que desrespeita a própria lei! O que é o Coaf? É a Unidade de Inteligência Fiscal, que está relacionada com as outras unidades de inteligência fiscal de outros países do mundo inteiro. Temos leis internacionais que tratam disso, que foram internalizadas no Brasil, que assinou o tratado se comprometendo a cumprir e passou a ser lei também brasileira. Esse é o sistema da internalização das leis. A legislação sob o Coaf sempre admitiu e que quando houver indícios da prática de crimes em operações financeiras atípicas que forem detectadas pelo Coaf, que tem obrigação de comunicar as autoridades competentes para investigação. De repente o banco alerta o Coaf que dona Maria não tem renda, mas começou a movimentar valores muito altos em dinheiro. Obviamente que há indícios de que a pessoa está sendo usada como “laranja” para movimentar dinheiro, isso acontece muito. O PCC e outras organizações criminosas pegam o nome de uma pessoa que tem conta bancária e começa a jogar dinheiro naquela conta e de lá transferir para outras pessoas. Isso há indicio da prática de crime. O Coaf pega essas informações e faz um Rife (Relatório de Inteligência Fiscal) e manda para o Ministério Público Federal ou Estadual, que começa uma investigação. Isso é normal, não fere a intimidade ou quebra de sigilo bancário de ninguém. Se o Ministério Público recebe aquele comunicado do Coaf e vê que tem elementos suficientes da prática do crime e quer quebrar o sigilo da Dona Maria e de todas as contas que ela mandou aquele dinheiro, ele vai fazer pedido judicial. Mas, não tem como fazer um pedido judicial previamente como está querendo o ministro do Supremo, só vai poder fazer após receber o relatório do Coaf. Isso sempre foi assim, desde que o Coaf foi criado até hoje e isso não tem nenhuma razão para que isso seja modificado. Então essa decisão suspendendo investigações que tem como base esses relatórios do Coaf é um absurdo, embora tenha sido praticada por um ministro do Supremo, mas é juridicamente um absurdo. Isso causa prejuízo, dificulta e atrapalha as investigações e facilita a vida de bandido e não do investigador, que no caso é o Ministério Público, a Receita Federal e qualquer outro órgão que tenha recebido as informações do Coaf. É uma decisão que precisa ser revista rapidamente.

Em vez de ter só o Silval condenado, se tem outros 30, 50 agentes públicos respondendo pela prática desses mesmos crimes, devido à colaboração

Ponto na Curva: Qual sua visão sobre o instituto da delação premiada no processo penal? Não é prejudicial?

Roberto Turin: De maneira nenhuma é prejudicial. O instituto da delação premiada é um dos novos instrumentos, uma novidade que surgiu com a modernização da nossa legislação, que vem então a acolher o instituto, que já existe em outros países, que cria um novo mecanismo de provas, que é buscar pessoas que participam de uma organização criminosa e negocia com essa pessoa a concessão de determinados benefícios, como a diminuição da pena ou da não aplicação da pena ou o cumprimento da pena em condições especiais, para que essa pessoa te traga elementos de provas contra outros integrantes daquela mesma organização criminosa ou contra a própria organização criminosa, de modo que dificulta a atuação e encontra dinheiro espalhados pelo mundo inteiro ou ter a prova da prática de outros crimes, esse é o objetivo da colaboração premiada. É um instrumento de prova muito válido, muito rica, muito útil e que veio para nossa legislação para ficar de forma definitiva. Não vejo prejuízo algum na delação premiada. Mas, como é uma coisa nova, ela vai causar, sim, atritos de entendimento, de jurisprudência, de formas que pode ser aplicada. Mas, isso é normal em qualquer lei, chega uma legislação nova, começa a trabalhar com ela e vai surgindo os atritos, as diferentes interpretações, que com o tempo vão sendo pacificadas no Judiciário e tem a plenitude da aplicação daquela lei. A delação premiada está nesse momento ainda de turbulência, mas é um instrumento altamente válido que não causa prejuízo algum, que tem de ser resguardado, preservado, melhorado e estimulado.

Ponto na Curva: Em Mato Grosso, muitos delatores já estão em liberdade e levando uma vida normal após firmar o acordo com o Ministério Público. Isso não aumenta a sensação de impunidade?

Roberto Turin: Veja bem, a maioria dos casos que ouvimos isso se referem à Silval Barbosa, por exemplo, que foi um acordo firmado pelo Ministério Público Federal junto com o STF, então não teve participação do Ministério Público do Estado nesse acordo. Obviamente, não vou entrar no mérito do caso de Silval, até porque não participei dele, mas conheço o caso. Eventualmente, quando se trata de pessoas como o ex-governador, que esteve preso por algum tempo, foi acusado de vários crimes, vai haver por parte da sociedade uma reação maior de que ele deveria estar preso. Se olhar bem, o Silval Barbosa, mesmo que não houvesse a delação, de acordo com a legislação brasileira, ele não ficaria preso por muito tempo. Cumpre parte da pena e sai. Por outro lado, tudo o que ele já falou nessa colaboração, que é usado em vários outros processos, que desvendou, trouxe à público todo um esquema de corrupção que existia no Estado, na Assembleia Legislativa, no Poder Executivo, em empresas, pagamento de propinas a parlamentares para aprovarem contas, de recebimento de propina de empresas que faziam obras... É uma forma de passar a limpo esse tipo de coisa, é uma forma de toda a população saber de tudo aquilo que já desconfiava. É uma mea-culpa feita por essas pessoas, uma forma de desnudar todo esse sistema e ajuda muito na educação, na conscientização do povo de tomar ciência do que a corrupção faz. Em vez de ter só o Silval condenado, se tem outros 30, 50 agentes públicos respondendo pela prática desses mesmos crimes, devido à colaboração. É um preço que se tem que pagar, o Ministério Público e o Judiciário tem que avaliar e colocar na balança toda essa situação e no final chegar à conclusão que é melhor pagar o pato, vamos assim dizer, de deixar a pena menor e em liberdade uma pessoa como o Silval e ao mesmo tempo fazer com que ele conte tudo e colocar um número maior de agentes políticos na berlinda respondendo por crimes, o que poderia não acontecer se ele não falasse. Mesmo nesse caso, ainda vejo vantagem na delação. Poderia ter feito de outra forma, se estivesse feito aqui e não no MPF, mas mesmo assim vejo vantagem.

Ponto na Curva: Sobre a aprovação do projeto da Lei de Abuso de Autoridade, o senhor concorda ou discorda?

Fizeram uma lei que vai acabar dificultando o abuso real, o verdadeiro, que é pior do que a lei antiga que já existia sobre isso

Roberto Turin: Uma lei que puna o abuso de autoridade, concordo. Acho que no Estado Democrático de Direito, ninguém pode ser contra que se puna os abusos. Os abusos de toda e qualquer autoridade deve ser punido. O que nós questionamos é essa lei, que foi recentemente aprovada pelo Congresso e está para ser sancionada pelo presidente e que o MP através de organizações vem pedindo o veto, porque ela é muito mal feita, é tecnicamente mal redigida, é uma lei que não se presta ao papel que é punir o abuso de autoridade. É uma lei que vai acabar dificultando, fragilizando, cerceando a atuação normal da polícia, do Ministério Público, do Judiciário no combate à corrupção, à criminalidade, por ter feito uma lei tão ruim, colocando tipos penais abertos, que dão diversas interpretações. Fizeram uma lei que vai acabar dificultando o abuso real, o verdadeiro, que é pior do que a lei antiga que já existia sobre isso. Na prática, vai acabar dificultando a atuação de quem vai trabalhar. Tem várias situações nessa lei nova, que são nocivas, que são prejudiciais. Com relação à polícia, tem o uso de algemas. Ninguém quer que a polícia sai algemando todo mundo, mas não posso, a priori, dizer que a polícia vai poder algemar quando a pessoa demonstrar interesse de fugir. Sobre o promotor de justiça: tem artigos que fala que não pode instaurar investigação sem justa causa. O que é justa causa? Uns vão entender que o fato de receber uma denúncia anônima é justa causa, outros, que não. E ele vai poder ser processado por abuso de autoridade por exercer seu papel natural de investigar, de tentar descobrir se aquele fato é real ou não? Obviamente os advogados, no papel deles, vão usar isso para cercear. O promotor vai passar mais tempo respondendo representações por eventual crime que não aconteceu do que trabalhando. Temos que ter uma lei mais clara, com técnica precisa do direito penal, que é trazer fatos concretos e objetivos e essa lei não foi feita dessa maneira.