Por maioria, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) negou anular a ação penal oriunda da Operação Rêmora, por suposta atuação indevida do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco).
A tese definida na sessão de julgamento desta quarta-feira (29) é de que os membros do Gaeco podem, sim, atuar no decorrer do processo penal.
Quando o julgamento iniciou, o relator, desembargador Rondon Bassil Dower Filho, votou para atender o pedido da defesa dos réus e anular todo o processo. Ele entendeu que os promotores de Justiça Jaime Romaquelli e Kledson Dionysio de Oliveira, que integram o Gaeco, não deveriam ter participado das audiências realizadas sobre o caso.
O desembargador Gilberto Giraldelli votou contra o relator. Segundo ele, a atuação do Gaeco isolada ou conjunta com o promotor de Justiça natural, em processos que envolvam organização criminosa, é facultativa. Na época, o julgamento não foi concluído por conta do pedido de vista do desembargador Juvenal Pereira da Silva.
Nesta quarta-feira, o julgamento foi retomado, quando Juvenal decidiu por acompanhar a divergência.
Ao longo do seu voto, o magistrado explicou que, assim como o relator, entende que o Gaeco pode participar da instrução criminal, somente quando o promotor titular da 7ª Vara Criminal de Cuiabá (especializada no combate ao crime organizado) autorizar.
Porém, ele averiguou que o promotor Kledson Dionysio não praticou nenhuma irregularidade. Isso porque, mesmo sendo membro do Gaeco, possui também competência para atuar nos autos, tendo em vista que ele faz parte da promotoria de combate aos crimes contra a administração pública e a ordem tributária – ilícito que também é investigado. Desta forma, Kledson seria também o promotor natural do caso.
Conforme o desembargador, o Colégio de Procuradores de Justiça de Mato Grosso editou diversas resoluções, que preveem a pluralidade de promotores de Justiça em uma só ação.
“Entende-se atribuição concorrente de membros do Ministério Público a prerrogativa de atuar, que divide capacidade processuais entre promotores diversos sob determinados critérios impessoais, permitindo assim que todos eles possam atuar isolada ou simultaneamente em uma mesma ação judicial, o que significa, diante da necessidade de combate a macro criminalidade, uma estreita relação de correspondência a teoria de poderes explícitos”, citou o desembargador.
Juvenal ainda afirmou que “as regras sempre foram de comezinho dos operadores de Direito, de modo que a participação do doutor Kledson jamais causou qualquer forma de surpresa à defesa do paciente”, uma vez que a atribuição do membro ministerial já era prevista por meio das resoluções do MPE.
Em relação ao promotor Jaime Romaquelli, o desembargador identificou que ele recebeu permissão do titular para atuar no processo.
Por conta disso, Juvenal não viu nenhum motivo para anular todos os atos processuais proferidos na ação. Desta forma, ele acompanhou o voto de Giraldelli.
“Cafiquiano”
Após o voto do colega, o relator se posicionou e explicou, novamente, sua visão sobre o caso.
Rondon disse que não estava defendendo seu voto, mas que precisava se colocar na “pele” do advogado.
“Me coloco na pele do advogado, que se surpreende na audiência com a presença do promotor, que não é o promotor único para promover a acusação contra o seu cliente. Não estou aqui, nesse momento, com a intenção de criticar a existência de mais de um promotor de Justiça na Vara Especializada de Combate ao Crime Organizado. Estou apenas preocupado com a surpresa que assalta o advogado no momento da audiência quando aparece um promotor de justiça que não é o promotor de Justiça que ele estava esperando que oficiasse perante a Vara do Crime Organizado. Cabe ao Poder Judiciário garantir a paridade de armas. Quando Poder Judiciário delega ao Ministério Público a possibilidade de escolher quem vai fazer a denúncia num mesmo processo, ele está deixando de fiscalizar a paridade de armas. E eu entendo que nesse sentido a defesa sai prejudicada”, disse.
“Pelo resultado do julgamento, a paisagem que se descortina é que em crime comum o advogado pode ir até a audiência e ele sabe qual o promotor de Justiça vai encontrar para promover a acusação, conhece o que é que pode vir daquele profissional, segundo aquela linha de acusação, com provas e indícios existentes no processo. Nos crimes de organização criminosa e de outros da competência da 7ª Vara Criminal de Cuiabá isso não existe. Essa possibilidade do advogado saber quem é que vai fazer a acusação contra o cliente dele, pelo o resultado do julgamento de hoje, não existe a possibilidade. O advogado será sempre surpreendido e, mais do que isso, ele não pode nem imaginar quem é o promotor que vai promover a acusação. Se dar a interpretação do termo coadjuvar em que se baseou o julgamento de hoje, no meio de uma audiência pode entrar um outro promotor e fazer uma pergunta para o réu. Acho isso cafiquiano! Não posso concordar com isso, fere ao princípio da paridade de armas. (...) Vira algo sem controle! Eu não sei o que pensar. Os advogados a partir desse julgamento vai ter o direito de surpreender a acusação também!”.
Entenda o caso
A ação em questão é fruto da Operação Rêmora, deflagrada em maio de 2016, que investigou um esquema de combinação de licitações no valor de R$ 56 milhões para reformas e construções de colégios na Secretaria de Educação.
Nesse referido processo são réus: Leonardo Guimarães Rodrigues, Moises Feltrin, Joel de Barros Fagundes Filho, Esper Haddad Neto, José Eduardo Nascimento da Silva, Luiz Carlos Ioris, Celso Cunha Ferraz, Clarice Maria da Rocha, Eder Alberto Francisco Meciano, Dilermano Sergio Chaves, Flavio Geraldo de Azevedo, Júlio Hirochi Yamamoto Filho, Sylvio Piva, Maria Lourenço Salem, Alexandre da Costa Rondon, Benedito Sergio Assunção Santos e Leonardo Botelho Leite.
Em fevereiro passado, o desembargador Rondon atendeu liminar em habeas corpus impetrado pelos advogados Ulisses Rabaneda e Renan Fernando Serra Rocha Santos, que representam o empresário Joel Barros Fagundes Filho.
Os advogados alegaram que, após as investigações e o recebimento da denúncia, o Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) permaneceu atuando no caso, o que fere o princípio do promotor natural e à Lei Complementar 119/2002 que criou o grupo.
Eles citaram que nas audiências realizadas em novembro e dezembro passado foram acompanhadas pelos promotores de Justiça, Jaime Romaquelli e Kledson Dionysio de Oliveira, que integram o Gaeco.
Desta forma, pediram, liminarmente, a suspensão do trâmite do processo, sendo atendidos pelo relator.
Agora, com o mérito do HC julgado, a liminar será derrubada e a ação voltará a tramitar normalmente.
ASSISTA ABAIXO O JULGAMENTO: