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Cuiabá, 29 de Abril de 2025

Legislativo Domingo, 05 de Março de 2017, 13:25 - A | A

Domingo, 05 de Março de 2017, 13h:25 - A | A

ação contra câmara de cuiabá

Finalidade de ação popular é anular ato concreto que lesione o patrimônio público, decide juíza

Com esse entendimento a juíza Célia Vidotti, da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Popular indeferiu e extinguiu uma ação popular contra a Mesa Diretora da Câmara Municipal de Cuiabá da gestão passada

Antonielle Costa

“A finalidade da ação popular é anular ato concreto que lesione, prejudique, danifique ou ofenda patrimônio público, patrimônio de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, meio ambiente ou, ainda, patrimônio histórico ou cultural”.

Com esse entendimento a juíza Célia Vidotti, da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Popular indeferiu e extinguiu uma ação popular contra a Mesa Diretora da Câmara Municipal de Cuiabá da gestão passada.

O autor pleiteava a ‘declaração de nulidade do Projeto de Lei de 27 de dezembro de 2016, que aumentou o valor da remuneração dos vereadores ‘.

Para tanto, argumentou que a proposta ‘que fixa a nova remuneração dos vereadores da Câmara Municipal de Cuiabá ofende o Regimento Interno da Casa de Leis, bem como a Lei de Responsabilidade Fiscal, além de lesar o patrimônio do povo’.

Na decisão, a magistrada consignou que ‘somente seria possível o manejo da ação popular com a finalidade de anular um ato ou contrato que tenham causado lesão, de forma ampla, ao patrimônio público’.

“Isto porque o resultado seria a revogação pura e simples da Lei, o que o Poder Judiciário não pode fazer, pois a sua incumbência é aplicar a lei nos casos concretos onde existam conflitos de interesses e pretensões. Enquanto uma lei estiver em vigência, os Tribunais não podem negar sua aplicação e validade, a exceção da declaração de inconstitucionalidade, mas também esta somente tem eficácia no caso concreto, submetido ao julgamento pelo Poder Judiciário”, diz um trecho da decisão.

Leia abaixo a íntegra:

Vistos etc.

Trata-se de Ação Popular com pedido de liminar ajuizada por Fernando Roberto Souza Samtps, em face da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Cuiabá, composta pelos vereadores Haroldo Kuzai, Faissal Calil e Chico 2000, objetivando, em síntese, a declaração de nulidade do Projeto de Lei de 27 de dezembro de 2016, que aumenta o valor da remuneração dos vereadores do Município de Cuiabá. Alega o autor popular, em síntese, que o Projeto de Lei que fixa a nova remuneração dos vereadores da Câmara Municipal de Cuiabá ofende o Regimento Interno da Casa de Leis, bem como a Lei de Responsabilidade Fiscal, além de lesar o patrimônio do povo. Aduz que mesmo diante da manifestação social de indignação quanto ao referido Projeto de Lei, a Mesa Diretora da Câmara Municipal de Cuiabá não se adequou a legalidade, não havendo alternativa senão o ajuizamento desta ação popular.

Requereu a concessão de liminar para determinar: “que a Câmara Municipal de Cuiabá, já nos contra-cheques do mês de Janeiro/2017 e nos próximos, não insira o valor do Subsídio Adicional de Atividade Parlamentar nos vencimentos dos parlamentares, retornando aos valores anteriores.” (sic)

É o relatório.

Decido.

Analisando detidamente a inicial e os documentos que a acompanham, verifico a pretensão deduzida nesta ação não deve prosperar, haja vista a falta de interesse processual, por inadequação da via escolhida.

Sobre a ação popular, dispõe o art. 1.º, “caput” e § 1.º, da Lei n.º 4.717/1965: "Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. § 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.”

A Constituição Federal de 1988, recepcionou a norma supra, ampliando suas hipóteses de incidência, conforme se verifica pela leitura do seu art. 5º, inciso LXXIII, verbis: “Art. 5.º (...) LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”

Da leitura dos artigos supramencionados, extrai-se que qualquer cidadão, em pleno gozo de seus direitos políticos, pode, por meio da ação popular, pleitear a nulidade de ato lesivo: a) a bens públicos e direitos públicos de valor econômico, artístico, estético, histórico, turístico e cultural (patrimônio público); b) ao meio ambiente e c) à moralidade administrativa.

A finalidade da ação popular é anular ato concreto que lesione, prejudique, danifique ou ofenda patrimônio público, patrimônio de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, meio ambiente ou, ainda, patrimônio histórico ou cultural.

Da análise dos fatos narrados na petição inicial, verifica-se que o autor popular impugna um projeto de lei, que não possui qualquer eficácia, nem validade, tampouco efetividade. Não se trata de ato normativo formalizado, mas apenas uma proposta, que precisa obedecer à tramitação regular para se efetivar em lei.

Ainda que se tratasse de lei com plena vigência e eficácia, somente seria possível o manejo da ação popular com a finalidade de anular um ato ou contrato que tenham causado lesão, de forma ampla, ao patrimônio público. Isto porque o resultado seria a revogação pura e simples da Lei, o que o Poder Judiciário não pode fazer, pois a sua incumbência é aplicar a lei nos casos concretos onde existam conflitos de interesses e pretensões. Enquanto uma lei estiver em vigência, os Tribunais não podem negar sua aplicação e validade, a exceção da declaração de inconstitucionalidade, mas também esta somente tem eficácia no caso concreto, submetido ao julgamento pelo Poder Judiciário.

E, no caso vertente, não está o autor popular buscando a invalidação ou nulidade de nenhum ato concreto lesivo ao patrimônio público, portanto, incabível a ação popular.

Neste sentido: “CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. DANOS AMBIENTAIS. QUIOSQUES. ORLA MARÍTIMA. INDIRETA PROTEÇÃO A DIREITO DE TERCEIROS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. A ação popular é o meio utilizado para a anulação de atos ou contratos administrativos lesivos ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, no que tange à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Para a propositura da ação constitucional requer-se a condição de eleitor do autor da ação, a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar e o a lesividade ao patrimônio público. Hipótese em que a pretensão do autor não subsiste diante da exigência de ilegitimidade do ato que se pretende invalidar ou a lesividade ao patrimônio público. O interesse motivador da ação em comento é nitidamente de cunho particular, material e divisível atingindo a esfera dos interesses dos comerciantes locais que utilizam quiosques, o que desvirtua a finalidade da ação popular. As estruturas físicas de quiosques existentes no local não são ou tampouco foram parte do meio ambiente local, e sua permanência somente perpetua os efeitos negativos no ecossistema e impede a necessária recuperação da área degradada. Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir. Apelação improvida”. (TRF-4, Terceira Turma – Processo: 2005.71.00.005263-4; Relator José Paulo Baltazar Junior – fonte DJ 05/04/2006 PÁGINA: 540). “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL DE AÇÃO POPULAR E CONSEQÜENTE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ESPECÍFICAS PARA O LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA AÇÃO. ILEGALIDADE E LESIVIDADE NÃO DEMONSTRADA. I – O autor popular, ao propor a demanda, deverá afirmar e demonstrar desde logo a conduta ilegal perpetrada pela Administração Pública, de notório potencial ofensivo ao patrimônio público, a fim de tornar possível a decisão do meritum causae. (...) III – A não satisfação da condição específica do legítimo exercício do direito da ação, nomeadamente a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio tutelado, implica crise no processo que leva a sua extinção sem a apreciação do mérito consoante as normas dos arts. 267, I e 295 do Código de Processo Civil. IV – Remessa necessária desprovida.” (Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Sexta Turma, REO 145442 97.02.26456-1, Relator Desembargador Federal André Fontes, julgado em 05/11/2003). Destarte, o interesse processual consiste na necessidade e à utilidade da tutela jurisdicional pretendida pelo requerente. A necessidade fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de ser entendida como última forma de solução de conflito. Também compreende a adequação, a utilidade e a necessidade do provimento, de modo que o que se pretende alcançar deve ser pleiteado pela forma devida, sob pena de faltar ao requerente interesse de agir, em suas acepções utilidade/adequação. Luiz Rodrigues Wambier exemplifica o conceito acima descrito de forma muito clara, vejamos: “O interesse processual está presente sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, consequentemente, instaurar o processo) para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo (pedido) seja útil sob o aspecto prático. Essa necessidade tanto pode decorrer de imposição legal (separação judicial) quanto da negativa do réu em cumprir espontaneamente determinada obrigação ou permitir o alcance de determinado resultado (devedor que não paga o débito no vencimento).” (Wambier, Luiz Rodrigues, Curso Avançado de Processo Civil, São Paulo, Editora RT, pag. 141)

Diante do exposto, com fundamento no art. 330, inciso III, do Código de Processo Civil, indefiro a inicial e por consequência, julgo extinto o processo, com fulcro no art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Sem custas.

Sentença sujeita a reexame necessário, nos termos do art. 19, da Lei n.º 4.717/65.

Publique-se.

Intime-se.

Cumpra-se.