facebook instagram
Cuiabá, 02 de Julho de 2024
logo
02 de Julho de 2024

Opinião Sexta-feira, 28 de Junho de 2024, 13:02 - A | A

28 de Junho de 2024, 13h:02 - A | A

Opinião /

Defesa sob ataque: a crescente criminalização da advocacia criminal no Brasil

A criminalização de práticas advocatícias legítimas pode abrir precedentes para abusos de autoridade



Introdução

No Brasil, a advocacia criminal enfrenta um crescente escrutínio e até criminalização, com diversos advogados sendo acusados de condutas ilícitas simplesmente por exercerem suas funções profissionais. Este artigo examina os desafios enfrentados por esses profissionais, analisando o contexto legal e ético, e discutindo o impacto dessa tendência para o estado de direito e a democracia.

Contexto Legal e Ético

A advocacia, regulamentada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por seu código de ética, garante a todos os cidadãos o direito à defesa, que é um pilar do sistema jurídico democrático. A função do advogado, especialmente no âmbito criminal, é essencial para a manutenção da justiça, assegurando que todas as partes tenham direito a um processo justo, conforme estabelecido no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988.

Casos e Controvérsias

Recentemente, observamos um aumento nos casos em que advogados são acusados de envolvimento nos crimes de seus clientes, especialmente quando esses são provenientes de honorários pagos por indivíduos já condenados ou em processo de julgamento. Essa associação entre a defesa do cliente e a participação no crime é um terreno perigoso que ameaça não só a carreira dos advogados, mas também a integridade do sistema judiciário.

A complexidade da representação de clientes acusados de atividades criminosas aumenta quando os próprios advogados são acusados de participar dessas atividades. Por exemplo, recentemente, a Justiça de Mato Grosso manteve a prisão preventiva de três advogados suspeitos de repassar informações a chefes de organizações criminosas, além do policial militar envolvido no crime.

Em outra operação policial, "Apito Final", sete advogados foram presos preventivamente sob acusações graves, incluindo associação com facções criminosas e lavagem de dinheiro. Conforme a investigação, o alvo principal, que havia saído recentemente da prisão, utilizava amigos, familiares e advogados, que atuavam como ‘laranjas’, para comprar imóveis, comprar e vender carros e locar veículos com dinheiro do crime.

Será que receber honorários advocatícios de um cliente que está preso ou investigado configura crime no Brasil? Os honorários advocatícios gozam de proteção do sigilo profissional, assegurado pelos artigos 7º, XIX, e 34, VII, ambos da Lei nº 8.906 de 1990 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), e do próprio direito à ampla defesa (que inclui a escolha do advogado), garantido pela Constituição Federal.

Atualmente, no Brasil, não há crime tipificado por lei que proíba o advogado de receber honorários advocatícios de presos ou investigados. Contudo, destaca-se o recente Projeto de Lei 1065/2019, de autoria do Deputado Federal José Medeiros (PODE/MT), que propõe alterar a Lei nº 8.479 de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), o Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986 (Lei do Colarinho Branco), e a Lei nº 9.613 de 3 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), para exigir que, em ações de improbidade administrativa e em ações penais por crimes contra a administração pública, contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro, o réu comprove a origem lícita dos recursos usados no pagamento de honorários advocatícios.

Esse projeto adiciona o inciso III no artigo 1º, § 2º, da Lei nº 9.613/98, para criminalizar como lavagem de dinheiro a conduta do advogado que receba honorários em determinadas situações, especificamente, o dispositivo legal passaria a estipular que incorre na mesma pena do crime de lavagem quem "receba honorários advocatícios, tendo conhecimento ou sendo possível saber a origem ilícita dos recursos com os quais será remunerado."

Essa criminalização da advocacia, notadamente dos criminalistas, me preocupa, pois cabe ao Estado promover as investigações contra os acusados de crimes e não contra aqueles que exercem a nobre defesa.

Este cenário levanta questões críticas sobre as linhas entre defender os direitos legais de um cliente e ser cúmplice em crimes, desafiando a integridade do sistema judiciário e colocando em risco a carreira dos advogados. A presunção de inocência é um direito fundamental que deve se estender aos advogados, assegurando que não sejam criminalizados apenas por realizar seu trabalho. Além disso, a advocacia é reconhecida pela Constituição como função essencial à justiça, desempenhando um papel crítico no equilíbrio do sistema judiciário por garantir que todos tenham direito a uma defesa justa e competente.

A criminalização de práticas advocatícias legítimas pode abrir precedentes para abusos de autoridade, onde advogados podem ser alvos de investigações e sanções simplesmente por realizar sua função de defesa. Isso pode intimidar e inibir a atuação dos defensores legais. Tais ações podem corroer a confiança do público no sistema de justiça, levando à percepção de que o sistema é mais punitivo do que justo.

Exemplos internacionais demonstram que é possível regular a profissão sem necessariamente criminalizar os advogados, mantendo a integridade do sistema legal. Além disso, criminalizar advogados pode prejudicar a defesa de indivíduos em situações de vulnerabilidade ou violação de direitos humanos, deixando-os sem a necessária representação legal.

Percepção Pública e Imprensa

A maneira como esses casos são retratados pela mídia tem um forte impacto na percepção pública. Frequentemente, advogados são apresentados como cúmplices de seus clientes, o que prejudica a imagem da profissão. É necessário reiterar que "a mídia muitas vezes esquece que a defesa de um acusado não é um endosso de seu comportamento, mas um direito fundamental em nossa constituição".

Conclusão

A criminalização da advocacia criminal no Brasil coloca em risco o direito de defesa e, por extensão, o próprio estado de direito. É imperativo que se busquem soluções para proteger os advogados de acusações infundadas, assegurando que possam continuar a exercer sua função essencial na sociedade.

Chamada à Ação

Para enfrentar esses desafios, é crucial um diálogo aberto entre a sociedade civil, profissionais do direito e legisladores, visando reformar práticas que possam levar à criminalização injusta da advocacia. Somente através de um esforço conjunto será possível garantir que a justiça prevaleça, respeitando-se os direitos tanto dos acusados quanto de seus defensores.

Alaert Rodrigues é advogado.