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Opinião Terça-feira, 08 de Janeiro de 2019, 11:25 - A | A

08 de Janeiro de 2019, 11h:25 - A | A

Opinião /

Justiça do Trabalho pra quê?

A mudança de competência para a Justiça Comum não reduzirá as demandas e o custo do processo poderá até aumentar, inclusive para o empregador

Graziele Cabral Braga de Lima



Após uma recente entrevista do Presidente Jair Bolsonaro para uma rede de televisão, o assunto “extinção da Justiça do Trabalho” voltou à tona e vem sendo alvo de discussões, ainda que um pouco abafadas pela “relevante” questão a respeito da cor da roupa das crianças.

Circulam nas redes sociais e grupos de conversas inúmeras opiniões sobre o assunto. As abordagens oscilam do mero “achismo” a opiniões técnicas, sendo que, e infelizmente, a maioria expressa análises encharcadas de ideologias com nuances vitimistas e comentários permeados de irresignação com a eleição do Presidente da República, em tom acusatório a seus eleitores, culpando-os pela eventual extinção desse ramo do Poder Judiciário.

Penso que a questão é extremante técnica e assim deve ser analisada, respondendo a algumas questões, tais como: Qual o papel da Justiça do Trabalho? Ele tem sido cumprido? O fim do Justiça do Trabalho significa o fim da legislação trabalhista e das ações trabalhistas? A Justiça do Trabalho é necessária?

A Justiça do Trabalho é um ramo especializado do Poder Judiciário que tem como função a resolução dos conflitos gerados nas relações de trabalho, aplicando a lei ao caso concreto. Em largas linhas (sem qualquer tecnicismo), significa que, caso o empregador descumpra o que a lei trabalhista determina, o empregado entra com uma ação requerendo que haja uma determinação judicial (sentença) que obrigue seu patrão a cumprir a lei. Embora na prática seja mais raro, o mesmo ocorre caso o descumprimento da lei ou do contrato seja do empregado, caso em que se faculta ao empregador buscar a Justiça Trabalhista.

Nessa situação, o Juiz do Trabalho, assim como qualquer juiz de outro ramo do Poder Judiciário, deve resolver o conflito observando a legislação existente, de forma imparcial, sem tendências ou preferências, exceto aquelas especificamente previstas na lei que será aplicada. Ou seja, a lei pode prever situações protetivas, conceder alguns benefícios a uma das partes, geralmente a mais fraca, mas esta parcialidade jamais poderá ser adotada pelo magistrado, que deve ser imparcial, inclusive na interpretação dessa legislação.

Mas o papel imparcial da Justiça do Trabalho infelizmente não vem sendo observado em diversos casos. Devido à sua gênese em época de hipossuficiência extrema e exploração do trabalhador, ela já foi criada com o estigma de ser um ramo do Poder Judiciário nascido para “proteger” uma das partes. Tornou-se, inúmeras das vezes, uma justiça de um lado só. Aprendemos nos bancos das faculdades e nas mais conceituadas obras indicadas ao preparo para o concurso que na dúvida devemos interpretar a lei em favor da parte mais fraca.

Essa postura poderia até se justificar décadas atrás. No entanto não tem lugar nos dias atuais e apenas faz com que a Justiça do Trabalho seja vista como o algoz do empreendedorismo, que impede a geração de empregos, o crescimento econômico, a lucratividade do empregador, além de outros tantos “atributos” que fazem com que tenhamos boa parte da opinião pública a favor do nosso fim! É o preço que está sendo cobrado pela “encarnação” do papel de “justiça social”, criadora de direitos e que acaba por estimular o conflito, ao invés de resolvê-lo.

Essas palavras podem parecer estranhas vindas de uma Juíza do Trabalho! Mas exatamente por fazer parte desse ramo do Poder Judiciário e me deparar diariamente com situações que extrapolam a razoabilidade, como pedidos de indenização por danos morais por uma foto 3x4 devolvida com um furo, desvio de função por ter sido a empregada contratada para fazer lasanha e ter sido solicitada a fazer saladas e bifes, demonstram que há algo errado. Gastamos a maior parte do nosso tempo e nossa estrutura com “aventuras jurídicas” e questões como quem deve pagar o sabão em pó que o funcionário gasta para lavar o seu uniforme ou se jogar futebol na firma significa tempo à disposição do empregador (horas extras), quando deveríamos, de fato, nos debruçar em causas em que há o efetivo descumprimento dos direitos.

O pagamento de salário, verbas rescisórias, concessão de férias, limitação de jornada de trabalho são exemplos de direitos mínimos que devem ter seu cumprimento garantido pelo Poder Judiciário Trabalhista. E é para isso que a Justiça do Trabalho existe e sua manutenção é imprescindível para o ordenamento jurídico e para a sociedade. Ela é necessária para julgar as questões em que a legislação básica e o contrato de trabalho foram descumpridos. Para aplicar regras claras e simples e dar segurança jurídica aos patrões e empregados, sem vilões e mocinhos, tratando-os como partes que adentram à sala de audiências de uma Vara do Trabalho com as mesmas perspectivas de ganhar ou perder a demanda, conforme tenha havido ou não lesão aos direitos.

A extinção da Justiça do Trabalho não é a solução. Falo isso de forma técnica, sem qualquer corporativismo. Seu fim não acabará com os conflitos e ações trabalhistas. A mudança de competência para a Justiça Comum não reduzirá as demandas e o custo do processo poderá até aumentar, inclusive para o empregador. O Direito do Trabalho permanecerá e apenas haverá a transferência de órgão julgador das causas trabalhistas!

Por isso, o caminho é mudar, e não extinguir. Quanto à nós, Juízes do Trabalho, é preciso reconhecer os nossos equívocos. Canalizar nossas energias em prol da construção de uma legislação com garantias mínimas e direitos previstos contratualmente, de forma individual ou coletiva, que atendam às peculiaridades das partes envolvidas. Defender a elaboração de regras claras pelo Poder Legislativo, sem “pegadinhas” e que possam ser compreendidas por patrões e empregados, e, principalmente, aplicar as novas regras elaboradas pelo poder competente, ainda que não concordemos com elas.

Concomitantemente é necessário edificar uma Justiça do Trabalho moderna, aberta às inovações sociais e tecnológicas, desprovida de ideologias e tradições, com atuação imparcial, livre de paixões e viés legislativo, cumprindo seu papel de aplicar a lei ao caso concreto e gerar segurança jurídica para a sociedade!

Justiça sem lado, sem viés, sem preferência. Apenas um ramo do Poder Judiciário cumprindo seu papel!

Graziele Cabral Braga de Lima é Juíza do Trabalho há 12 anos no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, professora e autora.