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Opinião Terça-feira, 21 de Junho de 2022, 14:36 - A | A

21 de Junho de 2022, 14h:36 - A | A

Opinião /

Olhares a assediar

‘Olhares que despem’ com fixação, podem e devem ser compreendidos como invasão do respectivo corpo



O mundo passa por sensíveis e importantes mudanças. Visível na atualidade é a compreensão de que o aceitável outrora, hoje pode se constituir em crime.

Os olhares insistentes machucam os corpos, principalmente das mulheres.

Elas passaram por muitas situações e tiveram que se esconder atrás do ‘véu’ que a tudo escondia. Chegar em determinado local e encontrar pessoas que feriam, e muitas vezes com a obrigação de retorno, era realidade.

Era comum ouvir que algumas mulheres evitavam cumprimentar ou se aproximar de homens que a abraçavam com veemência, ou que as beijavam no rosto com a malícia de se aproximar da boca. Elas preferiam evitar, pois, era mais fácil.

Os assédios que aconteciam antigamente, além de as ferir e adoecer, eram como uma ‘obrigação’ a serem toleradas por elas. As repetições corriqueiras também deixavam marcas. “Ele é assim mesmo.” “Foi a forma que ele foi criado”. “Ela precisa entender que é a natureza do homem.” “Não há nada a fazer, pois os homens são assim.” “Ela que não dê motivo para o assédio...”

Elas sentiam ‘asco’, mas evitavam criar imbróglios. Se constituía em mais fácil a praticidade de impedir fadigas, com o silêncio. No ambiente de trabalho muitas situações eram vivenciadas e enfrentadas por conta do assédio. Nas ruas, dantes trocavam-se as vestes para impedir a ocorrência dos delitos contra a dignidade sexual.

E se mesmo com todo o ‘cuidado’ sofriam assédios, recebiam a culpa por alguma atitude.

Atualmente se perfaz em inconcebível os ataques sofridos a título de assédio. As exposições são múltiplas, ainda bem. E a procura por dias melhores, narrando os fatos às autoridades tem crescido. É crime, e pronto! Tem sido aberto para a sociedade alguns episódios criminosos que elas enfrentaram, ou, ainda, enfrentam.

A indignação é geral, não havendo outra reação. As explicações inexplicáveis dadas por muitos é de que nasceram e foram criados em outra época. Se antes era possível, segundo alguns homens, é difícil mudar concepções aprendidas e vivenciadas como corretas. A realidade das vivências é a mudança para melhor, a cada dia. Justamente por esse motivo os direitos humanos já conquistados não podem retroceder.

Dias atrás foi apresentado projeto de lei semelhante ao que já existe na Europa quanto ao olhar. Recebeu o número 1.314/2022 a possível modificação do Código Penal Brasileiro para incluir como crime os olhares fixos com conotação sexual. Por óbvio, existem diversas formas de constrangimentos e cometimentos de delitos contra a dignidade sexual.

A visão é um sentido que não pode ser ignorado. ‘Olhares que despem’ com fixação, podem e devem ser compreendidos como invasão do respectivo corpo. E se a liberdade é premissa, toda e qualquer forma de assediar deve ser punida.

O questionamento sempre será o mesmo: como provar que determinado olhar é invasivo e assediador? E como não provar? E como continuar sendo praticamente ‘obrigada’ a aceitar situações ofensivas e maliciosas diariamente?

Então, não se pode nem olhar atualmente? Como viver assim, dirão os contumazes agressores? Até onde se pode tolerar? O que é lícito e possível? E o que é ilícito? As reflexões são necessárias. As perguntas somente acontecem se existe dúvida. E se há dúvida, algo de errado está acontecendo.

Agir naturalmente e licitamente não pressupõe o cometimento de delito. Simples, assim! Mimimi, frescura, excesso de zelo, ou qualquer outra denominação não existirá agindo legalmente. Se dúvida, até no olhar, crime terá...

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.