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Opinião Sexta-feira, 06 de Março de 2020, 10:07 - A | A

06 de Março de 2020, 10h:07 - A | A

Opinião /

Protagonismo feminino no setor jurídico e desafios da sociedade atual

No setor jurídico, a mulher advogada não tem direito à interrupção ou suspensão legal de prazos e de audiências de um processo judicial durante o período de licença – maternidade, reforçando as desigualdades existentes



Em um evidente avanço histórico, nos dias atuais as mulheres vêm desempenhando papéis aos quais antes eram preteridas, sendo o termo “empoderamento feminino” um destaque nas relações sociais. Direitos básicos como votar, estudar, trabalhar, se divorciar, exercer cargos políticos e de liderança, entre tantos outros, foram adquiridos no desenrolar do último século. Nas palavras de Joice Berth, na coletânea Feminismos Plurais, o conceito desse chamado empoderamento pode ser definido como: 

“Diferentemente do que propuseram muitos de seus teóricos, o conceito de empoderamento é instrumento de emancipação política e social e não se propõe a “viciar” ou criar relações paternalistas, assistencialistas ou de dependência entre indivíduos, tampouco traçar regras homogêneas de como cada um pode contribuir e atuar para as lutas dentro dos grupos minoritários”. (BERTH, 2018, fls. 21/22).  

Com a revolução industrial, e em razão de diversos protestos, as mulheres finalmente iniciaram uma jornada de busca de paridade nos mais diversos campos, sejam estes: familiares, profissionais, políticos etc. A cada passo conquistado novas metas se descortinam e os espaços vão se abrindo nos mais diversos setores. Evidentemente que o presente estudo, não se pauta em uma busca por minorar os direitos do sexo oposto, mas sim tentar traçar uma caminho para que ambos os sexos possam, livremente, exercer suas escolhas de forma plena e sob linhas igualitárias. Por tal razão o objetivo que deve nortear tal estudo é observar se as mulheres recebem as mesmas oportunidades para desempenhar atividades, ou se ainda há cerceamento em razão das peculiaridades do sexo feminino, como a gravidez, período de lactação, adoção e menopausa. Assim, organizou-se o estudo em inicialmente apresentar os desafios da mulher no campo jurídico e as situações onde ainda se observa a exclusão. O método de abordagem será o dialético jurídico, abrangendo pesquisa bibliográfica e análise de fatos concretos afim de alcançar os resultados propostos.  

1 PROFISSIONALISMO JURÍDICO E DESAFIOS DA MULHER  

No setor profissional e educacional é possível se observar que existe uma busca seja individual ou coletiva, de mulheres em encontrar uma posição no mercado de trabalho, exercê-la, e continuar evoluindo em suas carreiras, e na área jurídica não é diferente. Embora pode-se afirmar que as mulheres que ingressam na área jurídica buscam se preparar para os mais diversos desafios profissionais, e de existir um grande número de mulheres atuantes, ainda é tímida a visibilidade das mulheres exercendo cargos de liderança, ou comandando grandes bancas, se comparado ao sexo oposto. Claramente o que se observa ainda é a predominância de advogados homens como sócios majoritários dos escritórios de advocacia enquanto a maioria das mulheres ainda figuram como advogadas associadas/contratadas. O mundo empresarial ainda é dominado predominantemente pelos homens, e entre as dificuldades que a mulher enfrenta é ter que provar sua competência e intelectualidade, serem testadas e sofrerem pressões, além de conviverem com comentários sobre sua imagem e sofrerem assédios. Ainda terem que enfrentar situações vexatórias, ressaltando que ainda é visível resquícios de um machismo embutido em parte da população que visualiza o terno e gravata como sinônimo de competência. Quando passa-se a análise de cargos políticos de maior relevância em instituições de classe a diferença de atuação é gritante. Apesar de o número de advogadas inscritas nos quadros da OAB serem superiores as inscrições do sexo oposto, os cargos de maior escalão ainda são predominantemente ocupados por homens. Muito embora, há mais de 100 anos a primeira mulher advogada tenha aberto a porta para outras colegas (Mhyrtes Gomes de Campos), ainda hoje não tivemos uma Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, situação que se repete nas seccionais, onde a participação feminina ainda é tímida.  

Em seu papel institucional a Ordem vem se destacando na luta por igualdade de gênero, no sentido de melhorar as condições de trabalho da mulher advogada por meio de trabalhos de conscientização, e de suas comissões especializadas ao buscar um tratamento diferenciado às mulheres gestantes, lactantes e para aquelas que optam pela adoção. A Ordem dos Advogados do Brasil tem desenvolvido também campanhas contra a violência doméstica e de qualquer outra natureza, luta contra o câncer de mama e de colo de útero, na melhoria dos honorários e remunerações mais dignas para as mulheres, uma vez que essas distinções ainda acontecem com a mulher advogada no mercado de trabalho. E, em recente decisão o Conselho Federal da Ordem fixou o mínimo de 30% de mulheres como palestrantes em eventos da instituição. Entretanto, apesar de todo o trabalho desenvolvido pela Instituição de Classe na condição de proporcionar mais qualidade na vida profissional da mulher advogada, ao analisarmos os números de cargos ocupados e gêneros, a exemplo o cargo de Presidente do Conselho Federal da OAB, temos o seguinte resultado: 37 homens e 0 mulheres. E basta observar outros campos jurídicos e políticos como STF, Plenários Nacionais, Conselhos Federais para constatar essa diferença. Tal situação revela um questionamento acerca das razões para em pleno século XXI, com tamanha luta e atuação da mulher, ainda se observar tal discrepância entre gêneros. Mesmo nos dias atuais as mulheres, não raras vezes ainda não se veem no exercício do direito de desempenhar os papéis que escolheram, sendo certo que há a necessidade de se garantir a liberdade para que tal escolha seja revestida de espontaneidade. A mulher, evidentemente, pode escolher entre ser dona de casa, ou ir ao mercado de trabalho, ou ainda em decidir se casar ou não, ter filhos ou não, devendo ser a sua escolha aquilo que lhe fará feliz e não algo para suprimir uma cobrança social. Ademais, ainda se observa quando em casos de mulheres casadas que vivem situações em que as funções exercidas pelos maridos e pais, em relação à casa ou aos filhos, são tidas como ajudas à mulher, e não simplesmente o exercício de uma função que deveria ser igualmente dividida entre o casal. Em que pese terem havido muitas conquistas, a sociedade ainda sofre resquícios de uma criação com base na cultura patriarcal a qual vem sendo rebatida e modificada atualmente para que em um futuro não distante, possam todos gozarem dos mesmos direitos e deveres, sem distinção de gênero, classe social, etnia, e religião, vivendo de forma plena a palavra igualdade.  

2 EXCLUSÃO DE OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS E PROFISSIONAIS E RETRATOS EM DEFESA DE GÊNERO  

No que concerne às oportunidades educacionais e profissionais ofertadas as mulheres, mesmo em épocas passadas, onde já se observava a capacidade das mulheres para as artes, ciência, e ofícios distintos da lida com a casa, na obra “O Dilema do Porco Espinho”, o ilustre professor Leandro Karnal, nos ensina que as mulheres sempre enfrentaram os reflexos da misoginia que as privavam de certas escolhas, cumprindo transcrever as palavras do professor:  

“Algumas décadas depois, uma mulher, mesmo com pendores artísticos, literários ou musicais, ainda enfrentava dificuldade enorme para expressar seus talentos em virtude ou da misoginia prevalente, ou da absoluta falta de tempo em razão do trabalho incessante no lar junto aos filhos e aos cuidados com o marido. Pode-se dizer que as mulheres continuavam reféns das lidas domésticas. Outro aspecto crucial era a dificuldade de conquistar um espaço seu para dedicar-se ao estudo, à reflexão, enfim, à solitude criadora. (...) É fato que raramente se pensou em uma mulher como um ser autônomo (como poderia ser, se dependia inteiramente do dinheiro do marido para tudo?), dotada de possíveis anseios intelectuais, sua realização estava circunscrita às quatro paredes do lar. Sua ambição maior deveria ser suprir as necessidades físicas e emocionais do marido e dos filhos. Ninguém pensaria em perguntar se ela era feliz.” (KARNAL, 2019, fls. 55)  

Ora, ao considerar essa temática sob a luz da sociedade contemporânea, é evidente que apesar das conquistas, as mulheres ainda sofrem com resquícios dessas limitações. Por vezes, atuando como mera figurante em sua própria história. A verdade é que, ao se analisar o quadro geral em comparação de gênero, as mulheres ainda percebem remunerações inferiores que os homens, ainda que desempenhando as mesmas funções, além de sofrerem preconceito no ato da contratação pelo simples fato de existir a possibilidade de passar por uma gestação, sofrerem os mais diversos tipos de assédio, de ordem moral e sexual, e de serem sub representadas no campo político e institucional, além de ser evidente a forma como suas opiniões não são levadas totalmente em consideração. No setor jurídico, a mulher advogada somente tem direito à interrupção ou suspensão legal de prazos e de audiências de um processo judicial durante o período de licença – maternidade quando for a única patrona da causa e desde que haja notificação por escrito ao cliente, (Lei 13.363/2016), reforçando as desigualdades existentes, já que por vezes, esta desempenha jornada dupla e as vezes até tripla, pois tem que lidar com o trabalho, desenvolvimento pessoal, profissional e educacional e ainda cuidar do lar e da família, isso só demonstra a importância do atendimento prioritário e diferenciado para a advogada e servidora gestante, lactante ou adotante. Claramente a igualdade de gênero ainda é utópica, uma vez que ainda é gritante a diferença de tratamento entre homens e mulheres, principalmente em Estados menos favorecidos. Infelizmente muitas mulheres ainda vivem sob a opressão por serem “mulheres”, tendo que viver uma vida regrada sob as rédeas do machismo imperador absoluto. A questão é que uma parte da sociedade, inclusive, formada por uma parcela de mulheres, desacredita nas lutas feministas, claramente, por total desconhecimento e falta de informação, assim, torna-se imperioso trazer à tona tais lutas, e os desafios ainda enfrentados pelas mulheres. Bem como há que se demonstrar o real objetivo da luta por melhoria de condições afim de reforçar o conceito de sororidade, tornando-o conceito universal. Assim, ao valorizar o trabalho de uma colega, ou ajudar outra mulher que necessite de ajuda em outros aspectos da vida, cria-se uma rede de auto proteção ampliando a capacidade de enfrentamento. Indubitavelmente a mulher precisa de meios para ver garantida a sua liberdade de escolher o seu destino, orientar suas decisões, e livremente exercer a profissão que lhe aprouver, sendo livre inclusive para optar ou não pelo matrimônio e maternidade, e ainda se ver representada, como traços de sororidade no campo político.  

CONCLUSÃO  

A luta feminina não é por superioridade de gênero, e sim em busca de igualdade, afim de que as mulheres possam tomar as rédeas de suas próprias vidas e decisões. Imperioso que tais escolhas sejam apartadas de julgamentos que possuam qualquer relação com o gênero. A união das mulheres é essencial para que haja um verdadeiro fortalecimento de uma rede de auto proteção, uma vez que os desafios atinentes a questão de gênero, em que pese possam se apresentar de diferentes maneiras afetam à coletividade das mulheres. A luta já é histórica e as conquistas crescem exponencialmente, entretanto o objetivo final da plena equidade ainda se demonstra distante. O chamado empoderamento feminino há que ser visto como um genuíno exercício da sororidade, pois, somente com a união das mulheres, reconhecendo que a luta é constante, poderá ser efetivamente criado um movimento transformador. No ambiente de trabalho, há que se exercitar a empatia e uma verdadeira irmandade, bem como é imperioso que a cultura que ainda aprisiona as escolhas das mulheres possa sofrer uma profunda transformação. E nesse aspecto homens também devem ser convocados à discussão, pois, mesmo preservando o lugar de fala das mulheres, é essencial que entre os homens hajam vozes destoantes da cultura do patriarcado. Assim, o chamado é à união, ao apoio e à criação de uma movimento único, afim de garantir às mulheres o tripé da revolução francesa: igualdade, liberdade e fraternidade, elementos essenciais ao desenvolvimento humano, e intrínseco à conquista de um verdadeiro protagonismo feminino.   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERTH, Joice. Empoderamento, 1 Edição, Editora Pólen, São Paulo, 2019.KARNAL, Leandro. O dilema do Porco Espinho: como encarar a solidão. 1 Edição, Editora Planeta do Brasil, São Paulo, 2018.RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. 1 Edição, Editora Letramento, São Paulo, 2017.

Agnes Laís de Oliveira dos Anjos é Especialista em Direito e Processo do Trabalho, com capacitação para ensino no Magistério Superior, Representante da OAB/MT e Representante no Conselho de Defesa do Consumidor - CONDECON na Comarca de Pedra Preta / MT. Advogada, OAB/MT 19.872. [email protected].

Bruno Torquete Barbosa é Mestre em Direito da Universidade Marília – UNIMAR, Especialista em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia – UNAMA, Professor do curso de Direito da FAIR/UNIASSELVI-Rondonópolis-MT, Advogado OAB/MT 9.127, [email protected].