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Penal Quarta-feira, 14 de Agosto de 2019, 09:56 - A | A

14 de Agosto de 2019, 09h:56 - A | A

Penal / SENTENÇA ANULADA

"Deve-se evitar a espetacularização da justiça", diz Perri ao acolher suspeição de Selma

Para o desembargador Orlando Perri, as provas trazidas na exceção de suspeição demonstram que Selma Arruda, juíza aposentada, escolheu o processo contra o ex-conselheiro Humberto Bosaipo para usar na sua carreira política

Lucielly Melo



“Tanto quanto possível, deve-se evitar a espetacularização da justiça, impedindo que a ação penal se torne um reality show. E quando se leva a justiça para a praça pública, ela se perde no caminho, pois “a justiça feita em público, geralmente é para o público””.

A declaração é do desembargador Orlando Perri ao prolatar seu voto vista durante o julgamento da exceção de suspeição movida pelo ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT), Humberto Bosaipo contra a juíza aposentada Selma Arruda, hoje senadora.

A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) acolheu o procedimento nesta terça-feira (13) e anulou a condenação de 18 anos de prisão.

No decorrer do seu voto, Perri citou que lhe causou estranheza vários fatos que colocaram em xeque a conduta da ex-titular da Sétima Vara Criminal de Cuiabá. Dentre eles, foi que a então juíza, após dez dias de ter conhecimento sobre a exceção de suspeição, decidiu por sentenciar o ex-conselheiro, mesmo diante da existência de outras ações penais que tramitavam naquela vara por mais tempo e que teriam prioridade no julgamento.

Ele explicou que assim que o TJ admitiu a exceção, seria "prudente" a juíza não proferir decisão naqueles autos, justamente para evitar qualquer tipo de dúvidas quanto à lisura de seu comportamento – o que não ocorreu.

Depoimentos de ex-assessoras jurídicas de Selma, em especial a Daiane Balerini Bocardi, afirmou que a magistrada aposentada escolheu o caso de Bosaipo para concluí-lo, uma vez que tinha “relevância social” e que ela se sentia pressionada pela mídia e pela sociedade para julgar o caso.

Ao ver do desembargador, o magistrado julgador precisa ter cuidado diante de “processos vitrine”, dos quais “deitam todas as atenções da opinião pública”, não devendo, portanto, fazer um espetáculo da justiça.

“Percebe-se, às escâncaras, que “processos de relevância social”, na concepção da magistrada, segundo depoimento de sua ex-assessora, eram aqueles com maior repercussão na mídia, ou seja, processos que estavam em voga e que certamente lhe traria maior visibilidade", observou Orlando Perri.

De todo o contexto probatório amealhado nesta exceptio, exsurge, com cores fortes e vibrantes, evidências de que a condenação do excipiente obedeceu a intenção de a excepta se projetar no meio social com vistas a ingressar na política, como de fato se viu poucos meses depois, quando – após frêmitos e frenesis de partidos políticos, que a cortejava sem rebuços – registrou sua candidatura ao Senado

Prioridade

O desembargador citou outras situações que demonstraram a intenção ilegal de Arruda. Tais como, tomar o trabalho da assessora jurídica, proferindo a decisão, sem que as preliminares da defesa tivessem sido analisadas inicialmente; inclusão do processo como metas determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo que existiam outras 38 ações mais antigas e prontas para julgamento; e colocar o feito como prioridade no Programa Justiça Plena – que aborda a transparência no andamento de processos de grande repercussão – de forma indevida.

“Com todas as vênias possíveis, a conduta da magistrada, ao analisar o mérito da ação penal antes de decidir as preliminares, demonstra, ao meu sentir, sua intenção em condenar o acusado, determinando, de antemão e, implicitamente, o indeferimento de possíveis questões processuais suscitadas nas alegações finais”, frisou Perri.

Perri questionou o fato de a magistrada julgar o referido processo sendo que haviam quatorze ações prontas para julgamento e que também havia o ex-deputado estadual José Riva que também “ostentava o suposto caráter de relevância social”.

Ele ainda afirmou que o fato do TJ não ter suspendido a ação penal que originou a exceção fez com que Selma aproveitasse para sentenciar Bosaipo e "robustecer ainda mais sua campanha eleitoral", mesmo assumindo o risco de ser afastada do caso.

“Vacina”

Outro fato que chamou a atenção do desembargador, foi que realmente Selma aproveitou da decisão para usar na sua campanha eleitoral. É que materiais de marketing foram produzidos e denominados como “vacinas”, para que Selma utilizasse da sentença condenatória para limpar sua imagem no decorrer da disputa ao Senado.

“A meu entender, a inserção do nome de Humberto Bosaipo no programa de marketing da juíza aposentada revela, cabalmente, que sua condenação teve, como pano de fundo, cunho estritamente midiático”,

“De todo o contexto probatório amealhado nesta exceptio, exsurge, com cores fortes e vibrantes, evidências de que a condenação do excipiente obedeceu a intenção de a excepta se projetar no meio social com vistas a ingressar na política, como de fato se viu poucos meses depois, quando – após frêmitos e frenesis de partidos políticos, que a cortejava sem rebuços – registrou sua candidatura ao Senado”.

“Fatos e circunstâncias entremostraram que a excepta flertava mesmo com uma possível candidatura a um cargo político. Poucos tiveram uma exposição pública tão acentuada. Seu mote de campanha foi o combate à corrupção. Isso é público e notório dispensa provas”.

O desembargador negou que acredita na inocência de Bosaipo, mas que ele tinha o direito de ser julgado de forma imparcial.

Entenda mais o caso

Nesta terça-feira (13), a Primeira Câmara Criminal do TJMT, por unanimidade, reconheceu vícios na decisão de Selma Arruda, que condenou Humberto Bosaipo a 18 anos e quatro meses de prisão, em regime fechado.

A condenação é fruto de uma ação penal que Bosaipo responde por suposta participação no esquema de desvios na Assembleia Legislativa, época em que ele era deputado estadual. O caso é investigado na Operação Arca de Noé.

Após ser sentenciado, o ex-conselheiro ajuizou a exceção de suspeição contra a magistrada, justificando que Selma teria usado seu cargo para promoção pessoal visando ascensão política e que ela mandava a ex-assessora negar todos os requerimentos da defesa.

LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DO VOTO DO DESEMBARGADOR: