facebook instagram
Cuiabá, 24 de Agosto de 2024
logo
24 de Agosto de 2024

Penal Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2023, 17:40 - A | A

20 de Janeiro de 2023, 17h:40 - A | A

Penal / CASO THAYS MACHADO

Juíza cita crença de impunidade e decreta prisão preventiva de filho de deputado

A magistrada considerou a gravidade dos fatos e ainda o risco da aplicação da lei caso o acusado fosse colocado em liberdade

Lucielly Melo



A juíza Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá, converteu a prisão em flagrante do empresário Carlos Alberto Gomes Bezerra em preventiva.

Carlinhos, como é conhecido, é acusado de matar a servidora do Judiciário, Thays Machado e o namorado dela, William César Moreno, assassinados a tiros na quarta-feira (18), na Capital.

Em decisão tomada nesta sexta-feira (20), a magistrada levou em consideração o desprezo pela vida e crença na impunidade por parte de Carlinhos, principalmente diante da posição social, já que é filho do deputado federal Carlos Bezerra.

“Contudo, era JUSTAMENTE a posição social ostentada pelo custodiado, o estudo e a experiência de vida que, em casos semelhantes deveria impedir que o mesmo atentasse contra a vida de qualquer pessoa, mas que, em análise preliminar neste momento, alimentou a certeza da impunidade. Em que pese as famílias cuiabanas ao longo de décadas terem consagrado o “é gente de quem” como forma de assegurar-se sobre a companhia de seus filho(a)s, neste caso, tristemente, a procedência familiar do custodiado não bastou para respaldar sua conduta moral. Gente de quem, não é, infelizmente, necessariamente sinônimo de gente de bem”.

A magistrada também afirmou que, no caso, não é possível a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, já que, em liberdade, o suspeito pode pôr em risco a aplicação da lei. Ela lembrou que, após cometer o crime, Carlinhos fugiu e só foi localizado horas depois, numa fazenda da família, no município de Campo Verde.

“Não bastasse isso, o crime praticado abalou severamente a ordem pública pela crueldade de se matar duas pessoas, que conforme imagens constantes no “Relatório Preliminar de Investigação Policial” de Id: 107699261, minutos antes da prática do crime estavam conversando, sorrindo, de mãos dadas, sendo uma delas a ex companheira do custodiado, que ele sabia possuir uma filha menor de idade e na porta da residência da mãe dela”, completou.

Feminicídio

Outro fato pontuado pela juíza na decisão é o agravante da prática do delito, configurando o crime de feminicídio. A magistrada salientou que Carlinhos matou sua ex-companheira por, em tese, não admitir que ela não o desejasse mais como companheiro, tratando-a como objeto.

“Desta forma, o que cabe ao Judiciário neste momento é a proteção dos direitos das mulheres e o uso de convenções internacionais de proteção aos direitos humanos para fundamentar suas decisões, assegurando às vítimas especial proteção observando a Constituição da República e a Lei nº 11.340/2006 e com isso, agindo como agente garantidor da ordem pública”.

Ela citou a atuação de Thays numa Vara de Violência Doméstica.

"Toda a dinâmica do crime praticado foi amplamente divulgada pela imprensa desde minutos após o cometimento do violento e reprovável crime causando grande comoção social registrada na mídia e nas redes sociais, não só pelos fatos acima registrados dando conta que o casal que demonstrava felicidade minutos antes da morte ocorrida em frente ao prédio da mãe da vítima, que por sua vez era mãe de uma filha que ainda não atingiu maioridade, mas também, em razão de que vítima mulher, a Srª Thays Machado, era servidora do Poder Judiciário, tendo, inclusive, trabalhado em uma das varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher, deixando na sociedade, e principalmente nas mulheres, a certeza de que nenhuma está segura", frisou a juíza.

“Isto porque não estamos aqui tratando apenas deste caso específico, ou ainda somente em razão das pessoas nele envolvidas, mas sim de uma conduta criminosa, perigosa e violenta, estruturada culturalmente, que vem dizimando mulheres em razão da simples condição de ser mulher em um país estruturalmente machista e que merece profundo repúdio e imediata atenção do Estado, enquanto detentor do direito da persecução penal”, completou.

Neuropatia

Ainda na decisão, a juíza rebateu as alegações do acusado, que confessou ter assassinado o casal após “neuropatia” causada pela diabetes.

“Diante disso, rui por completo a frágil e estapafúrdia justificativa do custodiado acerca dos motivos que o teriam levado ao cometimento do crime ao aduzir que estaria acometido por “neuropatia diabética” que haveria lhe “descompensado emocionalmente”, primeiro pelos indícios de que seu “descompasso emocional” é muito anterior ao crime e tem outras origens que não a doença diabetes e segundo porque a alegada neuropatia diabética não tem como sintoma a agressividade, o descontrole e nem a violência capaz de levar a prática de um feminicídio e um homicídio qualificado[1], tendo, prima facie e salvo melhor juízo, como sintomas tão somente a afetação dos nervos periféricos das extremidades do corpo (mãos e pés), não possuindo qualquer afetação neurológica capaz de alterar o comportamento do custodiado”, disse a juíza.

Segredo de Justiça afastado

A juíza também afastou o sigilo decretado nos autos.

O crime

Thays e William foram mortos com disparos de arma de fogo no momento em que saíam de um edifício residencial no bairro Alvorada, em Cuiabá. A Delegacia de Homicídio foi acionada assim que foi comunicada sobre o crime e iniciou o trabalho investigativo para identificação do autor dos disparos.

As vítimas foram mortas ainda na calçada do prédio. O casal foi até o edifício Solar Monet, onde mora a mãe de Thays para deixar um veículo na garagem, e ao sair na portaria para aguardar a chegada de veículo de transporte por aplicativo, as vítimas foram surpreendidas pelo suspeito, que conduzia um veículo modelo Renault Kwid, e passou a fazer os disparos contra Thays e William, que foram a óbito ainda no local.

Conforme os primeiros levantamentos realizados pela equipe da DHPP, Thays e William estavam em um relacionamento, mas a mulher vinha sofrendo ameaças do ex-companheiro e suspeito do crime. Ela teria comentado com familiares que estava sendo ameaçada de morte e ia registrar um boletim de ocorrência contra o agressor.

A perícia preliminar de criminalística da Politec constatou que Thays foi atingida por três disparos, sendo dois nas costas e um na altura do quadril. William, mesmo atingido no braço esquerdo e no peito com três disparos, ainda tentou fugir do atirador, mas caiu na calçada, a poucos metros de Thays.

Após cometer o crime, o suspeito fugiu do local e a DHPP iniciou as diligências, acionando unidades da Capital e do interior a fim de localizá-lo. A equipe do Núcleo de Inteligência da DHPP apurou que o autor dos homicídios estava escondido em uma fazenda, na região de Campo Verde.

As informações foram repassadas à delegacia da Polícia Civil no município, que fez as buscas na propriedade com apoio da Polícia Militar local.

Na fazenda, as equipes policiais localizaram o veículo usado pelo suspeito para cometer os homicídios. O Renault Kwid estava guardado em um galpão de tratores da fazenda. Também foram apreendidas uma pistola, carregadores, celulares e um canivete tático.

Quando as equipes policiais se identificaram para entrar na residência da fazenda, o suspeito saiu da casa com uma sacola nas mãos, contendo uma arma, munições, celulares e recebeu voz de prisão. Ele foi conduzido à Delegacia da Polícia Civil em Campo Verde, onde foi autuado em flagrante por homicídio.

Após passar por audiência de custódia, Carlinhos foi transferido para a Penitenciária Central do Estado (PCE), numa cela especial por possuir curso superior.

LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA DECISÃO:

Anexos