Lucielly Melo
O Ponto na Curva dá sequência à série de entrevistas com os candidatos à Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT). As eleições ocorrem, pela primeira vez, online, no próximo dia 18.
A segunda entrevistada é Xênia Guerra, advogada com forte atuação no interior do estado e que encabeça a Chapa 3, denominada “Coragem Para Mudar”.
Xênia falou sobre a conquista histórica de ter um processo eleitoral com paridade de gênero e acredita que a tendência é que, cada vez mais, mulheres ocupem cargos de poder na Ordem.
Entre as propostas que chamou a atenção é a ideia de mudança na formação de lista sêxtupla para indicação de vagas ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), pelo chamado “quinto constitucional”. Se for eleita, Xênia quer propor uma eleição interna híbrida, para que não só conselheiros, mas os 35 mil advogados mato-grossenses também possam participar da escolha.
Ela também falou sobre a intenção de valorizar a jovem advocacia e também de dar espaços aos advogados do interior para atuarem na tomada de decisões da OAB-MT.
CONFIRA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:
Ponto na Curva: Para começar, quem é Xênia Guerra?
Xênia Guerra: Xênia é advogada, esposa do Felipe, dois filhos, apaixonada pela OAB, uma entusiasta pela advocacia, gosto muito dessa atividade da ordem. Sou também esportista, mas meu vínculo forte é com a advocacia e com a Ordem.
Ponto na Curva: O que a levou a entrar na disputa pelo comando da OAB?
Xênia Guerra: Essa não é uma caminhada “Xênia Presidente”, é uma caminhada pelo coletivo, acredito que isso é o diferencial do meu time. Não é um aglomerado de pessoas que se uniram por cargos, e sim pessoas que se uniram para deixar um legado para advocacia. Comecei na Ordem dos Advogados em 2013, atuei com relação às mulheres, passamos por 30% [cota], paridade de gênero. Quando fui vice-presidente da Caixa de Assistência aos Advogados, lá em Sinop, tive a oportunidade de ser a segunda presidente mulher. Quis me candidatar, porque tínhamos uma única presidente mulher e sempre tive esse trabalho com as advogadas, de dizer “Vamos, dá para gente, é possível” e eu tinha sido duas vezes vice. Me habilitei para ser presidente da Subseção. Minha gestão teve mais de 85% de aprovação, não imaginávamos chegar a esse ponto de ser presidente até que os presidentes do interior nosso grupo daqui da Capital disseram “Vamos propor algo diferente para advocacia? Propor algo novo, uma bandeira de levar muitos que são invisibilizados para o espaço de tomada de decisão?”. Aí pegou no meu coração. Não sei se sou uma romântica com a advocacia ou com a Ordem, porque entendo dessa importância de se resgatar aquele orgulho de ser advogado, aquela força institucional que nós não temos. Hoje, o advogado não se sente valorizado, não se sente pertencente. Quando conversaram comigo disseram assim “Dá para mudar o projeto assim e tem que ser você”. Voltei para casa, conversei com minha família, com meu grupo de Sinop e com as advogadas que são minha base lá numa pauta coletiva... Nesse momento conseguimos reunir o time para deixar esse legado. Essa mudança da forma como se faz política na Ordem é o que me motivou, sem sombras de dúvidas, a encarar esse desafio.
Ponto na Curva: A defesa das prerrogativas da advocacia é umas pautas da campanha. Hoje, a advocacia ainda tem suas prerrogativas violadas. O que fazer para combater isso?
Xênia Guerra: Temos um trabalho coletivo com relação à defesa das prerrogativas, porque ela passa por vários vieses. Primeiro ponto é conseguir fortalecer o Tribunal de Defesa das Prerrogativas, queremos criar uma Central de Atendimento com procuradores contratados para poder dar uma resposta imediata para a advocacia, assim como para conseguir fazer esse enfrentamento em nome do advogado. Essa é uma pauta que não é só do interior ou da Capital. Quando o advogado tem que ele fazer a própria defesa, acaba se indispondo com as autoridades: delegado, servidor, magistrado, desembargador... Ele acaba não fazendo esse enfrentamento e aí temos uma advocacia enfraquecida como vemos hoje. Como resgatar isso? Através de uma Tribunal de Defesa das Prerrogativas estruturado, de uma diretoria/gestão forte e firme, que não se frute aos enfrentamentos, assim como do advogado conseguir se enxergar como representado e tendo a coragem de pedir esse apoio da Ordem, porque ele vai ser atendido. Hoje, o advogado nem recorre à OAB, porque acha que não vai resolver. Quando falo que é um trabalho coletivo é porque vem de uma gestão que se imponha, de um TDP fortalecido na base. Assim, o advogado vê que se ele fizer o pedido, vai ser atendido.
Ponto na Curva: Outra pauta de campanha é o modelo de indicação da lista sêxtupla da vaga do "quinto constitucional", já que novas vagas estão prestes a surgir no Tribunal de Justiça de Mato Grosso. É a favor da eleição direta?
Xênia Guerra: Esse foi um dos motivos que nos levou a lançar um movimento contra o sistema. Tivemos nessa gestão a indicação de lista sêxtupla e ano que vem o desembargador Luiz Ferreira aposenta e por isso que a gente já sabe que vai ter uma vaga pelo 5º constitucional. Eu entendo que boa parte dessa valorização da advocacia vai acontecer também dando ao advogado o poder na tomada de decisão para a indicação na lista sêxtupla. O melhor cenário é de conseguirmos criar um modelo que tenhamos um conselheiro titular e o suplente com o direito de voto, mas, sobretudo, de o advogado participar. Tudo evolui. É natural, na minha visão, de evoluir também o formato da indicação da lista sêxtupla. Alguns estados fazem a eleição direta, mas ela acaba colocando o poder econômico e o político como vantagens e nós temos em Mato Grosso brilhantes advogados que têm o trabalho científico, carreira de dedicação para advocacia e que, caso haja uma votação para apenas no formato direto, talvez ele não tenha condições de concorrer com paridade de armas com outros candidatos. O formato ideal, na minha visão, seria híbrido: conselheiros titulares e suplentes, indicando uma lista com 12 possíveis candidatos. Daí, os 35 mil advogados do estado podem votar nesses indicados e tirando dali a lista sêxtupla. Isso vai fazer com que a lista chegue no Tribunal com peso maior, assim como isso chegue no governo com peso maior. Uma coisa é o governador escolher, considerando a vontade de 38. Outra coisa é escolher considerando a vontade de 35 mil advogados. Até para a escolha desse desembargador faz com que consigamos não só valorizar a advocacia, mas, sobretudo, mandar um recado claro de quem são as pessoas que a advocacia gostaria que ocupassem esse espaço.
Ponto na Curva: Pela primeira vez, as eleições serão online e com a paridade de gênero. O que isso representa para advocacia?
Xênia Guerra: A votação online foi uma pauta muito cara, principalmente para o interior do estado. Nós temos mais de 140 municípios e apenas 29 subseções. Temos uma grande quantidade de advogados que são desvalorizados ao ponto de não conseguirem exercer o direito básico ao voto. Essa pauta veio da Subseção de Juína e dos advogados de Colniza, entre as duas cidades são mais de 200 km de chão. Esse advogado não conseguia exercer o direito ao voto porque, de fato, ele não vai gastar o dinheiro dele para andar 400 km e votar. Não só a segurança e comodidade ao advogado que mora num lugar que tem urna, mas para esse advogado que tinha que fazer o deslocamento e ser invisibilizado dentro do sistema a eleição online fará diferença. Apesar de termos feito o pedido durante a gestão, no dia 7 de maio, saiu o edital do Conselho Federal, indicando quais eram os estados que teriam a votação no formato online, e Mato Grosso não estava nessa lista. No dia 17 de maio, no Colégio de Presidentes, protocolamos isso por escrito e cobramos, até que então a gestão pediu a retificação do edital e Mato Grosso foi incluído. Ter a possibilidade do voto virtual é redemocratizar essa tomada de decisão tão importante sobre quem vai liderar a advocacia nos próximos três anos, assim como gera uma economia para os cofres da Ordem. A eleição online custa 30% do que custa a votação no formato antigo. Para nos advogados, principalmente do interior, foi uma grande conquista o formato do voto nessa nova modalidade.
Ponto na Curva: Acredita que as eleições online podem impactar na taxa de abstenção?
Xênia Guerra: Com certeza. A taxa de abstenção acontece porque o advogado pensa que votar ou não, não vai mudar em nada na realidade dele, que é aquele sentimento que temos quanto à advocacia de estarmos desacreditados na mudança. E aí tem essa dificuldade de deslocamento para o voto. Então, acredito que vai diminuir significativamente a taxa de abstenção, tanto pelo voto online, quanto por termos hoje quatro chapas disputando propostas que podem fazer com que o advogado resgate essa sensação de pertencimento e de representação.
Quanto à paridade de gênero essa é uma pauta cara para mim. Lá em 2014, nós tínhamos um projeto OAB Mulher e viajávamos para falar sobre a importância de ter a Comissão da Mulher nas Subseções. Quando a gente olha o histórico da participação da mulher dentro da Ordem, em âmbito nacional, somente em 2013 para cá tivemos uma evolução, de passarmos por cota de 30%, da luta pela paridade, ter conseguido transformar isso em termos de legislação. Esse ano, participei da Conferência das Advogadas e saber que fiz parte dessa história... nada na Ordem acontece sozinho, nada na Ordem acontece numa gestão para outra. É uma construção. Com as mulheres foi assim para chegar na paridade, com essa representação do interior está sendo assim, não é um projeto que nasceu com a Xênia ou com Fernando. É um projeto que vem de muitas gestões, uma luta para se conquistar esse espaço, que é legítimo. A paridade em todas as chapas é uma conquista, um marco que vai ficar para todas as gerações futuras. Sou muito orgulhosa de fazer parte, de ter contribuído um pouquinho com tudo isso. A maior parte dos advogados são mulheres, na última eleição era uma discussão que se tinha que a Ordem vai deixar de evoluir porque tem mulher ocupando espaços e hoje temos uma eleição, na qual duas chapas são encabeçadas por mulheres. É uma tendência de que, cada vez mais, a mulher ocupando esse espaço e nunca num movimento de segregação. Acho que o principal sobre as nossas diferenças é que consigamos olhar sob a perspectiva do que nos une. É isso que dá riqueza para o sistema da Ordem. Participar de um momento eleitoral com cotas para negros e pardos, com paridade para homens e mulheres e conseguir trazer para essa chapa uma proporção Capital/interior, eu tenho certeza absoluta que o tempo que viver, estar participando esse momento tão rico, é o legado que vou deixar, isso é um momento de muito orgulho que estamos vivendo hoje.
A advogada Xênia Guerra ao lado do seu vice, Fernando Augusto Figueiredo
Ponto na Curva: A inserção do jovem advogado no mercado de trabalho é um desafio. Como a OAB pode contribuir com esses profissionais?
Xênia Guerra: Muitos dos projetos que desenvolvi, junto com minha gestão em Sinop, são ideias que nasceram das dificuldades que tive. Por exemplo, o projeto Botando Banca, em que advogados mais experientes que são ou foram professores fiquem de plantão e à disposição do jovem advogado. Quando comecei, não tinha para quem ligar e saber como que usa o token, como que faz a sustentação oral. Então esse projeto é para dar suporte ao advogado, que terá a quem recorrer. Essa é a realidade do jovem advogado hoje. Aquela ideia de que se tinha de uma família tradicional de advogados é raridade. A realidade atual é do advogado que trabalha sozinho, em home office, que pega a carteira da Ordem e o token e precisa aprender a se virar nesse mercado tão competitivo.
Temos também o projeto da Caravana da Advocacia, de levar o jovem advogado para os lugares de atuação para que quando ele vai contratado, já tenha experiência e se preocupe apenas em desenvolver o trabalho dele.
Somado a isso, queremos ampliar e montar um projeto de mentoria ao jovem advogado. Advogados mais experientes, durante 60 dias, vão apadrinhar jovens advogados para poder mostrar como se faz na prática, para fazer uma audiência, uma petição, dar um assessoramento individualizado.
Uma grande novidade que trazemos é do acolhimento à jovem advocacia. O projeto do primeiro token foi desenvolvido quando estive na Caixa de Assistência aos Advogados. O Projeto do Escritório Compartilhado, para essa realidade de pós-pandemia, para que o profissional tenha um lugar para fazer atendimento, audiência. Queremos, agora, complementar isso para que ele pegue o primeiro token, faça a foto profissional e receba auxílio na construção da primeira logomarca, um curso para atender clientes, como precificar os honorários, como gerir o escritório e ter acesso a créditos.
Tem o Selo Escritório Amigo Advogado para aqueles escritórios que obedece ao piso salarial, que estimula o jovem advogado a se capacitar, a estar no mercado, são medidas uteis, mais eficientes para valorizar esse jovem advogado.
De uma forma muito resumida, o que pretendemos fazer com a jovem advocacia é desenvolver projetos que consigam acolher e dar condições de trabalho num mercado tão competitivo, inclusive fazer uma reserva de mercado para que o jovem deixe de perder clientes para escritórios de fora e consiga ter segurança e remuneração adequada. Advogar é muito bom, mas o que paga as contas são honorários. Se o advogado não tem condições de precificar e receber honorários adequados, a chance de ele sobreviver no mercado é baixa.
Ponto na Curva: A publicidade na advocacia, ainda que informativa (conforme previsão legal), para muitos ainda é um tabu. No entanto, vivemos numa era digital. Como conciliar isso?
Xênia Guerra: Tenho uma posição bem peculiar com relação à publicidade. Entendo que precisamos capacitar esse advogado para que ele consiga se posicionar na rede social de acordo com o nosso Código de Ética. Ações afirmativas, disponibilizar cursos e conseguir fazer com que essa capacitação chegue ao advogado. Não adianta dizer que a ESA fez “x” cursos a cada três dias. Se conversar com o advogado, ele vai dizer que não teve acesso à essa capacitação ou que ela não é suficiente para o que ele precisa. O bem mais valioso hoje é o tempo. Então pensar em formas de chegar essa capacitação ao advogado sobre posicionamento, de como criar autoridade. Ter autoridade no mundo digital sobre aquela área que o advogado escolheu para atuar é uma grande chave de sucesso, ele consegue agregar valor ao trabalho dele. O grande desafio do gestor da Ordem é fazer com que o advogado se posicione na rede social, de forma que crie autoridade, sem incorrer em falta ética. Entendo que o formato que temos hoje de fiscalização é ineficiente. O Conselho Federal e as Seccionais têm trabalhado, mas não se chegou a uma fórmula correta. Tenho um posicionamento muito mais tendente a flexibilizar cada vez mais essa publicidade ao advogado do que a criar um rigor na fiscalização. Até porque com o Código de Ética que temos e como a fiscalização é feita, o advogado que não comete a irregularidade acaba que se sentindo ofendido porque vê aquele advogado que faz na rede social, posta resultado de decisão, faz publicidade irregular e nada acontece com ele. É um grande desafio e minha intenção, como gestora de Ordem, é levar iniciativas ao Conselho para flexibilizar isso e dar condições para que esse advogado saiba se posicionar bem nas redes sociais.
Ponto na Curva: Os tribunais brasileiros se preparam para o uso da Inteligência Artificial. A advocacia também caminha para isso? É um desafio?
Xênia Guerra: A advocacia precisa se preparar para isso e a Ordem precisa ser um braço para contribuir. Hoje, 40% das funções que o advogado desenvolve no escritório podem ser substituídas por Inteligência Artificial ou por ferramentas de gestão. A OAB precisa estar atenta a isso. Essa é inclusive uma das formas que eu vejo que o advogado tenha o retorno da anuidade dele. Iniciativas para fazer com que o advogado tenha a contratação ou parcerias com plataformas digitais, de sistema de gestão de escritório e de busca de jurisprudência são ferramentas que vão fazer com que o advogado consiga otimizar o tempo e inserido dentro da realidade virtual, com ferramentas que vão conseguir potencializar a qualidade do trabalho dele. Uma das nossas propostas é investir o valor da anuidade também nessas ferramentas de IA e de busca de jurisprudência para melhorar a vida da advocacia.
Ponto na Curva: Para finalizar, porque os advogados mato-grossenses devem votar na Chapa 3?
Primeiro, porque conseguimos reunir não um amontoado de pessoas que se preocupam com cargos, mas sim um grande grupo de pessoas que tem princípios, que tem comprometimento com a advocacia e que traz dentro da chapa uma diversidade de realidades. Toda vez que temos um grupo de pessoas com realidades muito parecidas, a tendência é que tenhamos, como temos hoje, de políticas institucionais não representa. Trazer diversidade para dentro do espaço para tomada de decisões vai fazer com que tenhamos políticas institucionais que atendem a realidade de todos os advogados. Essa riqueza é um dos grandes motivos para os advogados votarem na Chapa 3.
Segundo, é conseguir se ver para a liderança do movimento e se ver representado. É ter coragem para tomar atitudes, conseguir se insurgir contra o sistema e fazer os enfrentamentos, ter coragem para fazer mudanças. Na Chapa 3, o advogado consegue ter essa percepção, essa sensação de pertencimento e firmeza que ele precisa para que consigamos, ao longo de três anos, trazer essas mudanças.
Quero finalizar dizendo que nosso compromisso com advocacia é tamanho que não montamos um caderno de propostas, mas um plano de gestão que será de maneira, histórica, registrado na Ordem para mostrar que, muito mais do que promessas, temos um compromisso com a advocacia e que vai ser cobrado.
Não é uma proposta leviana, não é propositura de que tudo vai mudar a partir de janeiro, mas que vamos com comprometimento, responsabilidade, força e com essa pujança que nossa advocacia merece, por isso, votar na Chapa 3 no dia 18 de novembro.