Neste ano, comemoramos duas décadas da promulgação da Lei nº 11.101/2005, norma especial que instituiu a recuperação judicial e extrajudicial, além da falência do empresário e da sociedade empresária no Brasil. Esta legislação, sancionada em 9 de fevereiro de 2005, representou um avanço significativo no tratamento das crises empresariais, substituindo o antigo Decreto-Lei nº 7.661/1945 e alinhando o país às melhores práticas internacionais em matéria de insolvência.
É certo que o antigo decreto-lei se mostrava obsoleto e incapaz de lidar com a complexidade da economia já globalizada, no início dos anos 2000. Era necessário transformar o sistema jurídico da insolvência empresarial, priorizando-se a reestruturação da atividade empresarial — e não apenas na liquidação coletiva dos ativos, como antes —, como forma de proteger não apenas os credores, mas também empregos, cadeias produtivas e a circulação de riquezas.
Com inspirações nas legislações estrangeiras, como o capítulo 11 do Bankruptcy Code norte-americano, o atual sistema de insolvência do país, ou melhor, o atual sistema de reestruturação empresarial do país, alicerçado na Lei nº 11.101/05 e as suas diversas reformas, é fruto da evolução histórica e jurídica que reflete a busca por soluções eficazes diante das crises econômicas enfrentadas pelas empresas.
Esta evolução enterrou com o malfadado instituto da concordata (preventiva ou suspensiva), substituindo-o pela recuperação judicial ou extrajudicial, além de modernizar o procedimento da falência.
A nova legislação introduziu princípios fundamentais que orientam a sua aplicação, como desde sempre defendeu o senador Ramez Tebet, quando apresentou seu parecer na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, como, por exemplo, o princípio da preservação da empresa e da função social, princípio da proteção trabalhista, da maximização dos ativos, dentre outros.
Tais princípios transcendem a esfera privada e refletem o papel fundamental das empresas na economia nacional, como a possibilidade de recuperação judicial, permitindo que empresas em dificuldades financeiras apresentem um plano de reestruturação para aprovação de seus credores. Este mecanismo visa a preservação da atividade empresarial, a manutenção de empregos e a satisfação dos credores, promovendo a função social da empresa.
Em 24 de dezembro 2020, a Lei nº 14.112 introduziu reformas significativas na legislação de insolvência, aprimorando procedimentos e oferecendo maior segurança jurídica aos envolvidos. Destacam-se a facilitação do financiamento durante a recuperação, a possibilidade de mediação e conciliação, e a introdução de regras mais claras para a falência transnacional.
Além disso, o modelo se mostrou adaptável a diferentes realidades empresariais. A flexibilidade dos planos de recuperação e a ampliação do diálogo entre credores e devedores resultaram em soluções inovadoras para casos complexos. O aprimoramento das interpretações jurídicas também ajudou a ajustar a aplicação da lei às necessidades contemporâneas.
É inegável que o impacto da lei é expressivo. Desde sua implementação, mais de 120 mil pedidos de recuperação judicial foram registrados, segundo o Serasa. Em 2024, o país registrou o maior número de ações de recuperação judicial desde o início da vigência da Lei nº 11.101/05, atingindo mais de 2 mil pedidos na Justiça, um aumento de 61,8% em relação a 2023.
Desde a significativa alteração do sistema de reestruturação empresarial, é certo que a jurisprudência evoluiu bastante no tema, como também a doutrina especializada, o que vem contribuindo para a evolução dos institutos.
De igual forma, no ano de 2020, o Conselho Nacional de Justiça criou um Grupo de Trabalho para modernizar a atuação do Judiciário na área da insolvência empresarial, resultando na criação do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref), que tem desempenhado um papel estratégico na melhoria da eficiência do sistema como um todo.
Todo esse caminhar nos leva a reconhecer os avanços conquistados e refletir sobre o futuro. O aperfeiçoamento contínuo, impulsionado pela jurisprudência e pela prática forense, permitirá que o sistema de recuperação empresarial se mantenha como um instrumento essencial de desenvolvimento econômico e preservação de empresas no Brasil.
Obstáculos
E, apesar dos avanços, ainda enfrentamos desafios significativos na aplicação da Lei 11.101/05. A morosidade processual, a complexidade dos procedimentos e a falta de cultura de negociação entre credores e devedores são obstáculos que precisam ser superados. Além disso, é necessário aprimorar a capacitação dos profissionais envolvidos e fomentar a adoção de práticas de governança que previnam crises empresariais.
O Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud), entidade que reúne os principais e mais destacados profissionais e estudiosos do Direito Empresarial e Falimentar, tem, há mais de uma década, desempenhado um papel fundamental no aperfeiçoamento de todos os atores do sistema de insolvência, seja por meio de seminários, cursos de capacitação, congressos e publicações de livros jurídicos.
Nossa missão institucional é promover o diálogo e o debate acadêmico entre todos (legisladores, magistrados, promotores, administradores judiciais, advogados e instituições financeiras) para o fortalecimento e aperfeiçoamento do sistema de reestruturação do país. É o nosso dever e assim continuaremos a fazer.
Ao celebrarmos estes 20 anos da Lei 11.101/05, reconhecemos os avanços alcançados na reestruturação empresarial no Brasil. No entanto, é imperativo continuarmos evoluindo, enfrentando os desafios existentes e aprimorando nossas práticas, para tanto, é primordial a colaboração e o diálogo para fortalecer os institutos regulados pela legislação.
Breno Miranda é presidente do Ibajud, advogado e conselheiro federal da OAB.