facebook instagram
Cuiabá, 21 de Dezembro de 2024
logo
21 de Dezembro de 2024

Penal Sexta-feira, 07 de Agosto de 2020, 09:10 - A | A

07 de Agosto de 2020, 09h:10 - A | A

Penal / PARECER NO STF

Tramitação direta de inquérito entre MP e Polícia é constitucional, diz PGR

A manifestação se deu no recurso de autoria do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Mato Grosso (Sindepo), que questiona provimento da CGJ que autorizou a análise do MPE, em caso de ampliação de prazo de conclusão de inquérito policial

Da Redação



O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que atos editados pelas corregedorias de Justiça locais – os chamados provimentos – que preveem a tramitação direta do inquérito policial entre o Ministério Público e a Polícia Civil sejam declarados constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao seu ver, essas normas, de caráter meramente procedimental, estão de acordo com o sistema acusatório, com a prerrogativa constitucional do MP de realizar o controle externo da atividade policial e com o direito fundamental da razoável duração do processo, pois, ao conferirem celeridade às investigações, diminuem o risco de prescrição de crimes.

Aras acentuou que, por se tratar de apuração em fase pré-processual, fundamental à formação da opinião do MP para instauração da ação penal, o inquérito não necessariamente deve ser submetido ao órgão julgador. Isso porque, de acordo com a Lei nº 13.694/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, o juiz do caso deve restringir sua atuação às hipóteses da reserva de jurisdição. Isto é, intervir apenas em casos excepcionais, como na determinação de medidas cautelares, mantendo-se, via de regra, alheio às investigações e aos procedimentos relativos à coleta de provas.

A manifestação se deu no Recurso Extraordinário (RE) 660.814, de autoria do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Mato Grosso (Sindepo).

A entidade alegou inconstitucionalidade do Provimento nº 12/2005, editado pela Corregedoria-Geral de Justiça mato-grossense, em razão de supostos vícios material e formal. Esse ato normativo estabelece que, em caso de pedido de ampliação de prazo para conclusão do inquérito, “a análise será realizada pelo representante do Ministério Público, até mesmo para determinar diretamente a realização de diligência à autoridade policial”. O caso está no STF sob a sistemática de repercussão geral (Tema 1.034).

Ao fazer uma análise ampla sobre o tema, o procurador-geral diz ser preciso levar em conta diversos preceitos constitucionais, e, especialmente, fazer uma filtragem constitucional do Código de Processo Penal (CPP), norma em vigor desde 1941. Assim, é imprescindível compatibilizar as regras do CPP ao modelo constitucional de processo penal, dispensando-se aqueles dispositivos incompatíveis com a Carta Magna.

Pelo sistema acusatório, existe uma clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; cabe às partes a iniciativa de produzir provas; o juiz deve se manter como terceiro imparcial e alheio à investigação e passivo no que se refere à coleta da prova; e, por fim, deve haver tratamento igualitário em relação a acusação e defesa.

A sistemática também deve ser seguida na fase de inquérito, sendo de fundamental importância afastar o julgador dos elementos de convicção colhidos durante a investigação.

“É inadequado que parta do órgão julgador a orientação sobre os caminhos a serem seguidos na tramitação do inquérito policial, pois o escopo das diligências investigativas serve para a formação da opinio delicti do órgão acusador”, alertou Aras.

Controle externo

Previsto no artigo 129 da Constituição, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, no entendimento de Augusto Aras, associa-se a um novo paradigma de atuação da instituição, que passa a agir como verdadeiro ombudsman na fiscalização dos direitos fundamentais dos cidadãos e no fortalecimento de sua atuação extrajudicial, promovendo accountability policial.

Essa atividade, no entanto, não tem caráter administrativo-disciplinar, mas tão somente abrange a atuação MP em relação à investigação criminal, configurando-se em um controle técnico ou operacional, segundo o procurador-geral.

O objetivo é, para além de se assegurar uma investigação eficiente e ágil, garantir a probidade e legalidade na atuação policial. O controle externo difuso da atividade policial é realizado diariamente por promotores e procuradores. Quando há pedido para ampliação de prazo de conclusão de inquérito, ou requisição de diligências complementares, está se realizando o controle externo difuso da atividade policial.

Como essa atribuição está prevista na própria Constituição, de acordo com a PGR, não é necessária existência de nova lei complementar regulando a matéria.

“Assim, inexiste inconstitucionalidade nas normas que simplesmente explicitam a interpretação em concreto das regras de tramitação do inquérito policial, do qual o Ministério Público participa em decorrência da previsão constitucional de controle externo”, avaliou Aras, fazendo referência aos provimentos das corregedorias.

Tramitação direta

A tramitação direta do inquérito policial entre Polícia e MP, no entender de Aras, foi também reconhecida legislativamente como solução para problemas causados pela tramitação indireta, que era prevista originalmente em um Código de Processo Penal de quase oitenta anos. Pela Lei 13.694, o inquérito policial tramita entre os órgãos competentes (Polícia e Ministério Público), que informam ao juízo sua instauração.

Em casos de diligências de investigação que dependam de decisão judicial, cópias das peças necessárias formarão novos autos, que serão apreciados pela autoridade judicial, sendo os resultados encartados ao inquérito.

“Vê-se que a lei vem consagrar a necessidade da separação das funções de investigação e julgamento, garantindo ao acusado o direito a um julgador objetivamente imparcial”, afirma o procurador-geral.

Fixação de tese

Por considerar que a tramitação direta do inquérito policial entre Polícia e Ministério Público, prevista em provimento das corregedorias de Justiça locais, não viola dispositivos constitucionais que tratam sobre a exigência de lei complementar para defini-los e tampouco há desrespeito à competência privativa da União para legislar sobre matéria processual, o procurador-geral opinou pelo desprovimento do recurso do Sindepo.

Ao final, propõe a fixação da seguinte tese: “É constitucional a previsão de tramitação direta do inquérito policial entre Ministério Público e Polícia Civil em provimento de Corregedoria de Justiça local, por se tratar de regramento de caráter procedimental que explicita a interpretação das disposições atinentes à tramitação do inquérito policial à luz das previsões constitucionais atinentes ao sistema acusatório, ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e à duração razoável do processo, respeitadas as hipóteses de reserva de jurisdição e as garantias constitucionais dos envolvidos na investigação, pelo que inexiste afronta à competência privativa da União”. (Com informações da Assessoria do MPF)