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Administrativo Quarta-feira, 24 de Março de 2021, 10:37 - A | A

24 de Março de 2021, 10h:37 - A | A

Administrativo / APOSENTADO COMPULSORIAMENTE

CNJ mantém juiz de MT condenado por venda de decisões judiciais

O magistrado foi condenado por receber vantagens indevidas, em troca de conceder habeas corpus ao pecuarista Loris Dilda e ao traficante Moacir Franklin

Lucielly Melo



Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) julgou improcedente a revisão disciplinar na qual o juiz Cirio Miotto buscava reverter a aposentadoria compulsória imposta a ele, por venda de decisões judiciais.

A decisão colegiada foi tomada durante sessão realizada nesta terça-feira (23), nos termos do voto da relatora, conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel.

No julgamento, foi citado dois casos. O primeiro, diz respeito a concessão de decisão pelo juiz, que revogou a prisão do pecuarista Loris Dilda, em 2006, acusado de matar seu próprio irmão. Outro fato que levou à condenação do magistrado trata-se do deferimento do habeas corpus em favor do traficante Moacir Franklin Garcia Nunes, que estava preso na Penitenciária Central do Estado, em Cuiabá.

Para a relatora, a condenação aplicada pelo Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), em 2014, foi correta, tendo em vista que não houve dúvidas nos autos quanto ao desvio funcional de Miotto, que recebeu vantagens ilícitas em troca de sentenças.

“Desta forma não resta a alternativa do CNJ, senão confirmar a decisão do TJMT, que condeno o magistrado Cirio Miotto, constatando que ele recebeu vantagens decorrentes de decisões judiciais, pelo menos em dois casos. [a decisão] Foi proferida considerando todas as provas idôneas e indícios em decorrência com os fatos incontroversos de acordo com os autos. Nenhuma prova ou fato novo surgiu após a decisão, e correto foi o enquadramento legal do magistrado e correta a aplicação de pena de aposentadoria compulsória. Julgo improcedente o pedido de revisão disciplinar”, votou a relatora, que foi seguida pelos demais conselheiros.

PGR x defesa

Na sessão, o procurador-geral da República interino, Alcides Martins, se posicionou contra a reforma da condenação. Ele considerou que as provas foram minunciosamente analisadas pelos membros do Pleno do TJMT, sendo assim, a revisão deveria ser julgada improcedente.

Já advogado Otávio Augusto Baptista da Luz, que fez a defesa de Miotto, argumentou que o Tribunal de Justiça “concluiu de forma contrária a prova dos autos, concluindo por situações que não estavam caracterizados no inquérito da Polícia Federal, utilizando de pontos que não foram confirmados em sede de contraditório”.

Caso Loris Dilda

Ao longo de seu voto, a relatora pontuou que não “restou sombra de dúvidas” que o esquema perpetrado para a revogação da prisão decretada contra o pecuarista Loris Dilda teve a efetiva participação do juiz, em 2006.

O pecuarista teve a prisão decretada por faltar a sessão do Tribunal do Júri, por conta do homicídio contra seu irmão. Ele impetrou um habeas corpus, sob alegação de que a ausência ocorreu em razão do estado de saúde de sua filha. Porém, o pedido foi negado por Cirio Miotto. Mas, logo depois, um novo HC foi protocolado pela defesa, com as mesmas teses defensivas, que, desta vez, foram acatadas pelo juiz.

Os elementos probatórios foram devidamente analisados pelo TJMT, não havendo evidência nos autos de que haviam sido distorcidos, concluindo acertadamente pela falta funcional do magistrado acusado, falta grave o suficiente para conduzir a prova imposta no tribunal

O que chamou a atenção da relatora foi a mudança de postura do juiz, em curto espaço de tempo, em relação aos mesmos fatos. O ato suspeito do magistrado se tornou mais evidente após as interceptações telefônicas entre a lobista Ivone Reis de Siqueira e o advogado Max Weyzer – responsáveis por negociarem a decisão – darem conta que Miotto recebeu R$ 50 mil para libertar Loris Dilda.

“Não houve qualquer fato novo entre os dois HCs, não há justificativa para a mudança radical envolvendo os mesmos fatos e argumentos num espaço de pouco mais de duas semanas. Não está aqui a se punir o magistrado por seu livre posicionamento, não é este o caso. Contudo está a se avaliar a mudança abrupta e radical, sem qualquer justificativa e sem fato novo”.

Após a Operação Asafe, que apurou esquema de venda de sentenças em Mato Grosso, Ivone Reis de Siqueira confirmou a participação do juiz na empreitada.

“O depoimento de Ivone Reis de Siqueira deixa evidente que o magistrado acusado teve participação direta na negociação do habeas corpus. (...) o acervo protelatório em especial a higidez das conversas telefônicas e o próprio depoimento prestado perante autoridade policial aponta, sim, para a responsabilidade do juiz contrariando aquilo que ele tentou negar na aludida sindicância”, disse a conselheira, que ainda completou que Max Weyzer também confirmou a atuação ativa do magistrado na negociação espúria.

A conselheira ainda citou que, durante a Operação Asafe, em 2010, foram encontrados R$ 51 mil em espécie na casa do magistrado, o que tornou-se mais um elemento relevante para a conclusão da responsabilidade do magistrado.

“Realmente, o fato ter dinheiro em casa não é suficiente, por si só, par condenação, porém soa como mais um fio. Grande quantia em espécie e transação não comprovadas, valor similar ao objeto da acusação, não obstante o passar dos anos. Ou seja, mais um ingrediente que induz a suspeita de culpa por parte do magistrado”.

Ela ainda refutou a tese da defesa de Miotto, de que as provas no Processo Administrativo Disciplinar teriam sido contraditórias.

“Todavia, isso não ocorreu. Os elementos probatórios foram devidamente analisados pelo TJMT, não havendo evidência nos autos de que haviam sido distorcidos, concluindo acertadamente pela falta funcional do magistrado acusado, falta grave o suficiente para conduzir a prova imposta no tribunal. Não se admite revisão”.

Operação Fronteira Branca

O segundo caso que pesou na condenação do juiz é em relação à soltura do traficante Moacir Franklin Garcia Nunes, alvo da Operação Fronteira Branca, em 2008.

Nessa situação, também ficou demonstrado que o magistrado, mesmo diante de diversos mandados de prisão contra o réu, proferiu HC para libertar o acusado, mediante recebimento de vantagem indevida.

“Assim como no caso de Loris Dilda as interceptações telefônicas dão a tônica da venda de decisão judicial do grupo de Moacir com o possível grupo do Cirio, contendo novamente a participação de Ivone Reis de Siqueira”, observou a conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel.

“No caso, a conversa interceptada serve de prova cabal, com inteira credibilidade, pois obtida sem o conhecimento dos interlocutores, que acabaram por revelar um esquema que contava necessariamente com a participação direta do magistrado. Desta forma penso não se tratar de “meras coincidências” a concessão do habeas corpus a Moacir Franklin. (...) O juiz Cirio Miotto, diferente do que afirma em sua defesa, tinha conhecimento de que havia mandados de prisão a Moacir Franklin, mas mesmo assim deferiu habeas corpus em favor do réu”, completou a relatora ao decidir pela não revisão da condenação.